Sindrome de Gilles de la Tourette, o que é, e o que a ciência pode oferecer no tratamento atual:

A síndrome de Gilles de la Tourette (SGT) é transtorno neuropsiquiátrico de início na infância, que se caracteriza pela presença de tiques motores e vocais. Desde a sua primeira descrição em 1885, muito aspectos dessa entidade nosológica ainda permanecem obscuros. Parte desse desconhecimento pode ser atribuído ao fato de que, até há poucas décadas, muitos profissionais da área de saúde desconheciam as características clínicas ou não admitiam causa orgânica para este transtorno.

A partir dos anos 60, pesquisadores em todo o mundo vêm descrevendo novos aspectos desse transtorno. Sabe-se hoje que essa condição está associada a alterações neurofisiológicas e neuroanatômicas de etiologia, no entanto, ainda desconhecida. Há ainda inúmeras lacunas a serem esclarecidas tais como: um modelo neurobiológico preciso, o modo de transmissão genética e o espectro clínico desse transtorno.

 A idade dos pacientes varia de 7 a 50 anos, média 20,33 anos. A idade de início dos sintomas varia de 3 a 15 anos, sendo a média 7,81 anos. O tique motor é o sintoma inaugural em  até 79% dos pacientes. Quanto aos tiques complexos, a coprolalia está presente em 27,6%; a copropraxia em 20,1%; a palilalia em 20,1%; a ecolalia em 27,6%; e a ecopraxia em 27,6%. Em relação a manifestações associadas, 25,8% apresentavam déficit de atenção/ hiperatividade e 39,6% transtorno obsessivo-compulsivo. O fenômeno sensitivo está presente em 54,8% dos pacientes.

Uma vez tomada a decisão de utilização de fármacos para a supressão dos tiques, podemos definir 2 níveis de tratamento: o primeiro com fármacos não neurolépticos (antipsicóticos), menos agressivo, mas com eficácia provavelmente menor, usado em casos mais ligeiros; o segundo nível recorre a fármacos antipsicóticos, provavelmente mais eficazes, mas à custa de efeitos adversos potencialmente mais graves. Recomenda-se, em primeiro lugar, o recurso aos fármacos de nível 1, e só depois aos de nível 2. No entanto, o tratamento deve ser sempre selecionado em função da situação específica.

Podemos considerar ainda num terceiro nível fármacos menos usuais, como a tetrabenazina e a toxina botulínica. No entanto, alguns autores defendem a utilização de tetrabenazina como primeira alternativa aos antipsicóticos, uma vez que esta não provoca os efeitos adversos tardios típicos dessa classe de fármacos. A toxina botulínica pode ser utilizada em tiques motores e vocais refratários, geralmente apenas em casos excepcionais. Tem um papel importante na redução dos sintomas premonitórios. Deve ser considerada para o tratamento de um tique específico, bem reconhecido, que causa disfunção significativa, e não responde ao tratamento farmacológico mais usual

Neurocirurgia funcional: estimulação cerebral profunda

Foi publicado em 1999 o primeiro relato de ECP no tratamento de SGT refratária. Existem neste momento pouco mais de 360 casos reportados na literatura científica mundial, dos quais 93,6% obtiveram melhoria moderada dos tiques após ECP.

Várias áreas cerebrais têm sido usadas como alvo de ECP, incluindo o globo pálido interno (GPi) ântero-medial, núcleo subtalâmico, complexo centromediano-parafascicular do tálamo, núcleo accumbens e braço anterior da cápsula interna. Permanece a dúvida acerca do alvo que poderá trazer mais benefícios clínicos, mas os resultados disponíveis sugerem que o GPi parece ser atualmente o mais vantajoso e merece investigação adicional futura neste âmbito.

O grupo de trabalho da European Society for the Study of Tourette Syndrome (ESSTS) publicou recentemente um documento de consenso que afirma que, à luz do conhecimento atual, a ECP deve ser  utilizada no tratamento de doentes com doença grave e incapacitante apesar do tratamento médico e psicoterapêutico.