A consagração a Maria e o combate espiritual

Saiba o que muda em nosso combate espiritual contra a carne, o mundo e o demônio, depois da consagração a Virgem Maria.

Quando nos decidimos pela consagração, intensifica-se o combate espiritual contra os três inimigos da nossa alma: a carne, o mundo e os demônios. O catecismo do Concilio de Trento já nos ensinava essa realidade do combate espiritual: “A Igreja Militante é a Sociedade de todos os fiéis que ainda vivem na terra. Chama-se militante porque está obrigada a manter uma guerra incessante contra os mais cruéis inimigos: o mundo, a carne e o Diabo”[1]. Esses três inimigos da Igreja devem ser vistos também como inimigos de nossas almas, que devemos combater como toda a Igreja, no bom combate espiritual (cf. 2 Tm 4, 7).

Saiba o que muda em nosso combate espiritual contra a carne, o mundo e o demônio, depois da consagração a Virgem Maria.

A fuga da Sagrada Família para o Egito.

Algumas pessoas que se preparam para a consagração, ou que já se consagraram, admiram-se desse endurecimento do combate, outras ficam escandalizadas, e há ainda as que ficam temerosas, mas não deveriam. Pois, somos membros da Igreja militante, ou seja, que combate e defende ativamente o depósito da fé desses três inimigos das nossas almas. Se vamos nos consagrar a Jesus e a Maria de modo ainda mais radical que o comum dos fiéis, é normal que a nossa batalha espiritual seja mais árdua.

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A consagração e os três inimigos da alma

Todos nós católicos, antes de receber o sacramento do Batismo, já renunciamos a esses três inimigos da nossa alma: a carne, o mundo e o demônio. Então, no Batismo já começou o nosso combate espiritual contra a carne, o mundo e Satanás. Esse combate se torna ainda mais acirrado quando nos decidimos pela consagração, pois ela é uma perfeita renovação das promessas batismais[2].

Na consagração, renunciamos livre e conscientemente à carne, ao mundo e aos demônios, e isso certamente endurecerá ainda mais o nosso combate contra esses inimigos, o que pode desanimar as pessoas que desejam consagrar-se Nossa Senhora. No entanto, São Luís Maria Grignion de Montfort nos ensina que a verdadeira devoção a Santíssima Virgem nos faz corajosos para enfrentar “o mundo em suas modas e máximas, a carne, em seus aborrecimentos e paixões, e ao demônio, em suas tentações”[3].  Esta coragem se manifesta de várias formas, conduzindo-nos cada vez mais ao amadurecimento espiritual necessário para vencer as tentações, as quedas, a aridez, a noite escura da fé:

Assim, uma pessoa verdadeiramente devota da Santíssima Virgem não é volúvel, nem se deixa dominar pela melancolia, pelos escrúpulos ou pelos receios. Não quer isto dizer que não caia ou não mude, às vezes, na sensibilidade de sua devoção; mas, se cai, levanta-se logo, estende a mão à sua boa Mãe, e, se perde o gosto ou a devoção sensível, não se aflige irremediavelmente, pois o justo e devoto fiel de Maria vive da fé de Jesus e de Maria, e não nos sentimentos naturais[4].

O combate na preparação para a consagração

A preparação para a consagração deve ser feita em espírito de penitência, oração e sacrifício, pois será um tempo em que haverá grandes combates espirituais, para que desistamos dos nossos propósitos. O Inimigo pode servir-se de pessoas muito próximas a nós para nos convencer a desistir da consagração, à semelhança de Simão Pedro, que interpela e protesta, para que o Mestre desista de oferecer-Se em sacrifício: “Que Deus não permita isto, Senhor! Isto não te acontecerá!” (Mt 16, 22). Ainda que quisesse o bem do Mestre, Pedro, que pouco antes fez sua profissão de fé: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!” (v. 16) e recebeu as chaves do Reino dos Céus (cf. v. 19), foi repreendido severamente porque queria fazer Jesus desistir de sua entrega total: “Afasta-te, Satanás! Tu és para mim um escândalo; teus pensamentos não são de Deus, mas dos homens!” (v. 23).

Este combate espiritual pode dar-se em circunstâncias muito concretas. Podemos ser tentados a desistir da consagração pelo conselho de alguém, pela oposição da família, por causa de uma doença, de dificuldades na vida espiritual e até mesmo por cometer pecados graves, nos quais há tempo não caíamos. Mas, podemos também ser tentados por circunstâncias boas, como uma promoção, a oferta de um emprego melhor, ou ainda uma oportunidade de negócios lucrativos. Estas circunstâncias podem vir acompanhadas pela falta de tempo, pelo fascínio do poder e das riquezas, e nos fazer desistir da consagração.

Nesta batalha espiritual, podemos ser tentados por Satanás e pelo mundo, ou seja, pelas pessoas ou por acontecimentos, mas nosso pior inimigo é a nossa carne, somos nós mesmos. Aqui dou um testemunho pessoal. Eu li o Tratado por volta do ano de 2001, mas a soberba, aliada à ignorância, me fez deixar de lado a consagração. Eu achava que já era um verdadeiro devoto da Virgem Maria, por rezar alguns Terços e ter certa piedade mariana. Somente em 2011, pela Providência divina, tive novamente contato com o conteúdo do Tratado, através de palestras em vídeo do Padre Paulo Ricardo, e decidi me consagrar a Virgem Maria.

No tempo que comecei a ler o Tratado, em preparação para a consagração, minha vida espiritual estava em ordem e não tinha grandes dificuldades a enfrentar. Quando estava para começar as orações de preparação, começaram os combates, as tentações da carne, e também a influência do mundo, os desentendimentos, as inimizades e algumas situações dolorosas, que me fizeram pensar novamente em desistir de fazer a consagração. Então, tive como que uma iluminação divina, uma intuição, que me fez compreender que neste combate havia a ação de Deus, para que eu fizesse a consagração, mas, ao mesmo tempo, a ação de Satanás, para que eu desistisse. Por isso, mesmo vivendo tribulações, resolvi consagrar-me a Virgem Maria e hoje eu vejo o quanto esta foi importante para o meu caminho espiritual.

Assista vídeo “Padre Paulo e Prof. Felipe conversam sobre: Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem“:

O combate na vivência da consagração

Não nos enganemos, pensando que, depois da consagração, a batalha espiritual cessará. Pois, se todos os católicos são chamados a prepararem-se para o combate, como nos ensinou São Paulo: “Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio…” (Ef 6, 11ss), muito mais nós, consagrados a Santíssima Virgem, devemos nos preparar para lutar contra a carne, o mundo e principalmente contra os demônios. Pois, esta inimizade da Serpente e da sua descendência contra a Mulher e a descendência dela (cf. Gn 3, 15) existe desde o princípio e aumentará cada vez mais, principalmente contra os consagrados a Nossa Senhora.

São Luís Maria não somente previu a fúria de Satanás contra o “Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem”, tanto que o manuscrito ficou perdido durante 130 anos, mas também contra ele e os demais consagrados a Jesus por Maria:

Vejo, no futuro, animais frementes, que se precipitam furiosos para dilacerar com seus dentes diabólicos este pequeno manuscrito e aquele de quem o Espírito Santo se serviu para escrevê-lo, ou ao menos para fazê-lo ficar envolto nas trevas e no silêncio de uma arca, a fim de que ele não apareça. Atacarão até, e perseguirão aqueles e aquelas que o lerem e o puserem em prática[5]. Mas não importa! tanto melhor! Esta visão me encoraja e me dá a esperança de um grande sucesso, isto é, um esquadrão de bravos e destemidos soldados de Jesus e de Maria, de ambos os sexos, para combater o mundo, o demônio e a natureza corrompida, nos tempos perigosos que virão, e como ainda não houve[6].

Este combate espiritual se tornará ainda mais acirrado para aqueles que propagarem com destemor a consagração a Jesus por Maria. Estes são chamados por São Luís Maria de verdadeiros apóstolos dos últimos tempos. Estes fiéis consagrados a Jesus por Maria combaterão valorosamente a carne, o mundo e o demônio, e perseverarão na missão que o Senhor lhes confiou, de fazer a Virgem Maria mais conhecida e amada e, consequentemente, Jesus Cristo mais conhecido e amado:

Serão filhos de Levi (cf. Ml 3, 3), bem purificados no fogo das grandes tribulações, e bem colados a Deus (cf. 1 Cor 6, 17), que levarão o ouro do amor no coração, o incenso da oração no espírito, e a mirra da mortificação no corpo e que serão em toda parte para os pobres e os pequenos o bom odor de Jesus Cristo, e para os grandes, os ricos e os orgulhosos do mundo, um odor repugnante de morte (cf. 2 Cor 2, 15-16).

Serão nuvens trovejantes esvoaçando pelo ar ao menor sopro do Espírito Santo, que, sem apegar-se a coisa alguma nem admirar-se de nada, nem preocupar-se, derramarão a chuva da palavra de Deus e da vida eterna. Trovejarão contra o pecado, e lançarão brados contra o mundo, fustigarão o demônio e seus asseclas, e, para a vida ou para a morte, traspassarão lado a lado, com a espada de dois gumes da palavra de Deus (cf. Ef 6, 17), todos aqueles a quem forem enviados da parte do Altíssimo[7].

As consequências do combate espiritual

Assim como uma moeda tem dois lados, a consagração nos coloca diante de duas realidades espirituais.

A primeira é a realidade do endurecimento do combate espiritual que enfrentamos enquanto consagrados a Virgem Maria. Este combate se faz presente desde o início, quando ainda estamos decidindo se vamos ou não nos consagrar. Mas, a partir do momento que decidimos firmemente fazer a consagração e nos preparamos para ela, a batalha vai tornando-se cada vez mais dura. Depois da consagração, este combate contra a carne, o mundo e o demônio torna-se constante, dependendo de nossa fidelidade a nossos propósitos. Se formos fiéis, certamente a guerra espiritual permanecerá acirrada. Quanto mais fiéis formos, mais acirrado será o combate. Mas, se formos infiéis, superficiais na vida espiritual, o combate será menor ou inexistente, dependendo do nosso grau de infidelidade, pois a carne, o mundo e o demônio nos farão pouca ou nenhuma oposição.

A segunda realidade espiritual, o outro lado da moeda, é que, em consequência do endurecimento do combate contra a carne, o mundo e o demônio, nós temos uma oportunidade extraordinária de amar Deus. De forma muito concreta, podemos entregar a Ele, pelas mãos da Virgem Maria, todos os sofrimentos causados por essa luta contra os inimigos da Igreja e da nossa alma. Desse modo, há um crescimento na graça de Deus proporcional à dificuldade de nossa batalha espiritual. Quanto mais fiéis formos e mais árduas forem as nossas lutas, maiores serão as graças que receberemos. Quanto menos fiéis formos, menos difíceis serão as nossas lutas, mas proporcionalmente menores serão as graças que receberemos.

Sendo assim, a dureza do combate espiritual que vivemos depois da consagração é compensada pela oportunidade magnífica de amar Deus, de sofrer por amor, em resposta ao amor de Jesus Cristo, que na Cruz se entregou amorosamente em sacrifício. O Filho de Deus e sua Mãe Santíssima viveram esse combate espiritual, combateram incansavelmente a carne, o mundo e o demônio. Pela consagração, participamos com mais veemência desse mesmo combate e nos unimos mais intimamente a Jesus e a Maria. Assim, por um lado, maiores serão os nossos combates depois da consagração, por outro, muito maiores serão os bens espirituais que receberemos em união mais íntima com Jesus Cristo e a Virgem Maria.

Artigo traduzido em francês: La consécration à Marie et la lutte spirituelle.

Links relacionados:

TODO DE MARIA. A consagração e os três inimigos da alma.

TODO DE MARIA. As modas do mundo e a perdição dos cristãos.

TODO DE MARIA. O Demônio e o espírito do mundo.

Referências e nota:

[1]  PERMANÊNCIA. O mundo, a carne e o diabo: cruéis inimigos da Igreja e da alma.

[2]  SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem, 120; 162; 232. Cf. 238.

[3]  Idem, 109.

[4]  Idem, ibidem.

[5]  Esta profecia cumpriu-se ao pé da letra. Durante todo o século XVIII, os filhos de Luís Maria de Montfort foram alvo de ataques dos jansenistas, em vista de seu zelo pela propagação da consagração. Além disso, o manuscrito do Tratado, que foi escrito em 1712, ficou escondido durante as perturbações da Revolução Francesa, e só foi encontrado em 1842, por um padre da Companhia de Maria, juntamente com alguns livros antigos.

[6]  SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Op. cit., 114.

[7]  Idem, 56-57.

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