Uma das coisas mais importantes para amarmos alguém de verdade é conhecê-lo, pelo menos naquilo que podemos tocar de sua existência.
O meu pai era um homem culto e inteligente, teve uma boa educação e isto se deve até a rigidez de costume de sua época, ele nasceu em 1937, numa cidadezinha pequena chamada Anhembi, no interior de São Paulo, Brazil. Morava em um ambiente rural, seus pais eram fazendeiros e cuidavam de gado e plantações. Foi mandado pelos pais para estudar numa cidade próxima em um colégio interno para fazer um bom colegial. Era um colégio católico diocesano, hoje administrado pelos padres Lassalistas. Isto tudo fez dele uma pessoa que trazia uma raiz católica e cultura bem apurada. Sua grafia e forma correta de escrever expressava isto fácilmente.
Com 18 anos sua mãe (minha avó) veio a falecer de cancer e pelos seus relatos foram anos de tratamentos caríssimos na época, onde muitas propriedades da família tiveram que ser vendidas para dar conta das despesas com hospital. Meu pai não prosseguiu nos estudos, ficando com técnico de contabilidade incompleto, pois não pode conclui-lo integralmente. Com as dificuldades da família pós luto veio também a graça dele conhecer minha mãe, que era uma pessoa simples que tinha vindo da roça para trabalhar como doméstica na cidade e sequer tinha concluido os primeiros 4 anos de primário, mas que a vida ensinou muito bem como administrar as coisas. Meu se casou com minha mãe em 1958, portanto com 21 anos de idade, vivendo ainda de atividade rural: a venda de leite de algumas vacas que sobrara em um pequeno sítio do meu avô. Neste tempo meu avô conheceu outra mulher e resolveu se casar de novo, o que repercutiu na vida de meu pai, pois uma das coisas que meu avô fez foi vender o sítio. Meu teve que procurar um emprego e começar a vida do nada, sem ter nada. Se mudou para outra cidade onde foi trabalhar de motorista em uma funerária. Ele contava isto com dor no coração, pois tinha saido de um berço rico, mas também se orgulhava por dizer que teve que pegar pesado no trabalho comum para sustentar a família. Quantas histórias ele nos contava sobre este serviço de motorista: era defunto de todo jeito que ele buscava, levava e acompanhava o enterro. Meu pai logo arrumou outro emprego, e depois outro, mudando muitas de vezes de cidade, chegando a ter empregos muito promissores e nossa vida sempre teve altos e baixos. Moramos em casa muito boas e confortáveis e em outros tempos em curtiços e até na casa de parentes. Quanto sofrimento eu via estampado no rosto do meu pai, por não dar a seus filhos (somos 6 filhos) o necessário material. Mas um legado ele sempre foi deixando ao longo do caminho: a esperança. Meu pai sempre acreditava no amanhã, que conseguiria isto ou aquilo. E gostava de pescar e jogar baralho. Tantas pescarias fui com ele, que marcaram minha existência,pois ele demonstrava o cuidado para comigo e meus irmãos, a proteção paterna em pequenos gestos. Quanto ensinamento e sabedoria de vida nos passou nestes momentos tão profundos de intimidade. E nos jogos de baralho! Quantas noites reunia os filhos (5 do sexo masculino) na sala e ficava nos ensinando jogar, e também jogar com a vida, ter prudência quando preciso e ousadia de “trucar” os obstáculos e vencer pela perseverança.
Depois de algum tempo meu pai encontrou-se com Cristo e sua vida foi se modificando, embora o caráter firme e resoluto se mantinha. Isto se manifestava na busca de se reconciliar com Deus. Ele gostava de se confessar e comungar, de me ouvir pregar a palavra: eu via que os olhos dele brilhavam quando conseguia transmitir a fé pela pregação, e ele me escutava e me respeitava. Sinto que fui instrumento de Deus para a sua conversão. Mas eu sempre aprendia mais com ele do que ele comigo, pois tantas vezes eu vacilava e via a sua firmeza.
Posso dizer que conheci meu pai antes dele conhecer a Deus e depois de sua conversão, mas hoje posso dizer que meu pai revelou um Deus humano, como Cristo, e na sua humanidade podia ser visto um anseio enorme de santidade. O céu pertence a estas pessoas lutadoras na vida. Há 6 anos meu pai foi para eternidade e todos os dias sinto falta de sua benção e de suas histórias, conversas, presença.
Neste dia dos pais eu pergunto: você conhece seu pai? E conhecendo consegue compreender as suas atitudes até cheias de ambiguidades e aparentes erros humanos?
Só se abrindo a uma relação madura com ele podemos conhece-lo e ama-lo. É uma graça enorme ter o pai vivo e poder conviver com ele. Tenho muita saudade do meu pai como minha alma tem saudade do céu.
Se aproxime do seu pai (se pode) e o beije muito, abraçe e demonstre isto com suas palavras. Diga que o ama. Hoje não posso mais, mas como ele me ensinou: vivo na esperança de um dia ve-lo de novo na eternidade. Deus abençoe você neste dia dos pais.
Parabéns, muito lindo seu texto tio!
Muita saudade do vô!
um abraço
Obrigado pelo texto. É profundo e inspirador. Deus o abençoe!