No mês das vocações, destacamos
a vocação dos cristãos leigos
e leigas. São todos os membros
da Igreja que vivem sua fé e sua
consagração batismal nas condições
ordinárias da vida: na família, nas
profissões, no mundo da cultura
ou exercendo responsabilidades sociais.
É esse imenso povo de Deus
presente em todo o tecido social,
permeando-o com o sal e fermento
do Evangelho e irradiando sobre
as realidades deste mundo a luz
de Cristo, que ilumina sua própria
vida.
Com frequência, somos levados
a considerar como “cristãos leigos”
apenas aqueles que realizam
atividades pastorais no ambiente
eclesial propriamente dito. Certamente,
a sua participação na vida
da Igreja, naquilo que lhe compete,
é de suma importância e a Igreja
agradece a sua colaboração generosa
nas diversas responsabilidades
das comunidades eclesiais, como a
catequese, a animação litúrgica ou
as muitas formas de ação pastoral
e administrativa. No entanto, nem
todos os fiéis leigos poderiam estar
empenhados em alguma pastoral.
De fato, porém, a vocação primordial
dos fiéis leigos é testemunhar
a novidade do Reino de Deus
no “mundo secular” (cf LG 31),
lá onde a Igreja não está presente
de forma institucional. Trata-se de
um vastíssimo e desafiador campo
para a ação missionária da Igreja,
a ser atingido, sobretudo através
dos leigos. A vida na comunidade
eclesial, as celebrações litúrgicas

e as organizações eclesiais são momentos
e espaços necessários para
o cultivo e a alimentação da fé, para
o suporte e o preparo para a ação no
mundo; toda a vida do cristão leva
à Eucaristia e, dela, tira sua força
toda a fecundidade para a vivência
apostólica diária. O mesmo poderia
ser dito da Palavra de Deus: dela
parte todo impulso para a missão e,
ao mesmo tempo, toda ação cristã
no mundo requer constante retorno
à Palavra de Deus para iluminar,
discernir, encorajar e sustentar a
vivência da fé. Mas a vida cristã

não se restringe a esses momentos
e espaços.
Na solenidade da Assunção de
Nossa Senhora ao céu, celebrada
dia 15 de agosto, apareceu mais de
uma vez a menção do simbolismo
bonito da “arca de Deus”, introduzida
na cidade santa (1Cr 15; Sl
131/132). A arca continha as tábuas
da Lei de Deus e lembrava sempre
a Aliança de Deus com seu povo
no sopé do Sinai: “se guardardes
as minhas palavras, minhas leis e
mandamentos (…), eu serei o vosso
Deus e vós sereis o meu povo”. Depois
de edificar a cidadela de Sião
(Jerusalém), Davi introduziu nela a
arca para simbolizar a permanente
presença salvadora de Deus com
seu povo (cf 1Cr 15). E a observância
da suprema Lei era sinal de
fidelidade do povo ao seu compromisso
para com Deus: “Faremos

tudo o que o Senhor nos ordenar”.
Ao mesmo tempo, esta fidelidade a
Deus ordenava o convívio social e
assegurava a paz.
A imagem da arca é aplicada a
Maria, que nos trouxe o Salvador
e supremo revelador da vontade
de Deus. Bonito é o Evangelho da
visita de Maria à sua prima Isabel (cf
Lc 1,39-56); ela é a arca da Aliança
introduzida na casa de Zacarias e
Isabel; a casa fica cheia de Deus!
Elevada ao céu, Maria é a arca de
Deus introduzida solenemente
na “cidade santa”, a Jerusalém
celeste e definitiva, anúncio e sinal
da plenitude da redenção, quando
também a morte será vencida (cf Ap
11,19; 12,10).
A imagem da arca também se
aplica à Igreja que, à imagem de
Maria, e tem a missão de ser o sinal
da perene presença e ação salvadora
de Deus no meio dos homens. A
comunidade cristã, Igreja viva, e
cada um de seus membros, devem
irradiar o reino de Deus no mundo;
pela ação missionária da Igreja, a
cidade dos homens, edifica-se em
cidade de Deus, até que chegue o
grande “dia do Senhor”. Esta missão
cabe, de maneira especial, aos
cristãos leigos e leigas, que estão em
contato direto com as “realidades
terrestres” e atuam no “mundo
secular”.
O Concílio indica que é lá que
os leigos são chamados por Deus
“para que, exercendo seu próprio
ofício guiados pelo espírito evangélico,
como o fermento na massa, de
dentro contribuam para santificar o
mundo. E assim manifestem Cristo
aos outros, especialmente pelo
testemunho de sua vida resplandecente
de fé, esperança e caridade”
(LG 31). Vocação bonita e missão
grandiosa, para cuja realização
podem contar com a fidelidade de
Cristo Salvador, que os envia: “eu
estarei sempre convosco, até o fim
dos tempos” (Mt 28,20).

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Card. Dom Odilo Pedro Scherer

Arcebispo de São Paulo

Artigo publicado em O ESTADO DE SÃO PAULO, dia 17.08.2010

 

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