No Natal comemoramos uma vez mais o nascimento de Jesus Cristo, acontecido há mais de dois mil anos. O evangelista S.Lucas nos conta que os pais de Jesus eram de Nazaré, na Galileia, mas na condição de migrantes forçados encontravam-se em Belém, na Judéia; não houve acolhida nas casas para eles – “não havia lugar para eles” – e Jesus teve que nascer fora da cidade, num abrigo para animais (cf. Lc 2,7). Logo em seguida, o rei Herodes quis matar o menino Jesus, porque via nele uma ameaça para seu trono. Então, Maria e José fugiram às pressas, para salvar o menino, e viveram como exilados no Egito (cf Mt 2,13-15).

O Cristianismo começa, pois, com fatos migração forçada e de exílio. O Filho de Deus, vindo ao mundo, conheceu logo as inseguranças e angústias da humanidade; por isso, a Igreja fundada por ele entende ser também seu dever estar ao lado dos que continuam a sofrer o desrespeito aos seus mais elementares direitos. E convida a humanidade a superar suas divisões, relações injustas e a indiferença diante aquilo que avilta a dignidade do próximo.

A Comissão Católica Internacional para as Migrações (CCIM) é um organismo fundado em 1951 pelo papa Pio XII, com sede em Genebra, para unir e coordenar os esforços das Associações e obras que já se ocupavam dos migrantes e refugiados e para suscitar novas e eficazes iniciativas em favor dos muitos desalojados e desenraizados pela 2ª. grande guerra mundial. A Comissão nunca mais parou de trabalhar. Guerras sucessivas, desigualdades econômicas e outros fatores continuaram a produzir milhões de migrantes e refugiados em todo o mundo. Nos anos sessenta, empenhou-se no socorro a refugiados políticos por causa das ditaduras e guerrilhas na América Latina; nos anos setenta, centenas de milhares de pessoas foram socorridas no sudeste asiático, sobretudo por causa da guerra do Vietnã. Nos anos oitenta, os refugiados do Leste europeu precisaram ser socorridos.

Os conflitos na região balcânica, nos anos noventa, deram origem a novas levas de refugiados, que precisaram ser socorridos e realocados; no mesmo período, tensões étnicas no continente africano criaram situações de verdadeira calamidade humanitária; a CCIM, mais uma vez entrou em campo para socorrer populações feridas e indefesas no Burundi e na Guiné. Agora faz o mesmo no Afeganistão, no Iraque e no Sudão… No sudeste asiático, tsunamis, enchentes e catástrofes naturais, além de conflitos e a miséria, não cessam de colocar em marcha milhões de pessoas à procura de abrigo seguro. Ondas migratórias atravessam o Mediterrâneo e o Caribe, muitas vezes em embarcações frágeis e superlotadas, ou cruzam as fronteiras secas do México e também do Brasil.  Mulheres, crianças e idosos são as maiores vítimas.

A CCIM continua com sua atenção voltada para a recolocação de refugiados, especialmente os mais vulneráveis. Ao contrário do que se poderia imaginar, são relativamente poucos os países dispostos a acolher refugiados. A Comissão atua em sintonia com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), com a Cruz Vermelha e a Cáritas Internacional. A questão tem implicações políticas, que precisam ser trabalhadas nas instâncias internacionais competentes. O papa Bento XVI bem recordou, na encíclica Caritas in Veritate, que nenhum país consegue enfrentar sozinho a questão migratória e, por isso, deve haver uma conjugação de esforços em âmbito internacional. Torna-se sempre mais necessário desenvolver políticas globais para as migrações a fim de harmonizar os esforços internacionais com as normas locais, para salvaguardar a dignidade e os direitos das pessoas e das famílias migrantes (cf. n. 62).

A Comissão empenha-se na defesa da dignidade e dos direitos dos migrantes e refugiados; e não é sem razão, pois numa massa tão grande e tão fragilizada também medram organizações criminosas dispostas a explorar de forma desumana essas pessoas. O tráfico de pessoas para a exploração sexual, a mão de obra semi-escrava e até para o comércio de órgãos é um fato vergonhoso para a civilização do século XXI e envolve números alarmantes; recentemente, a Organização Mundial para o Trabalho estimou que a cada ano cerca de 2,4 milhões de homens e mulheres caem nas redes desses inescrupulosos mercantes de seres humanos. Muitas vezes, depois de terem pago a peso de ouro as promessas de documentos, emprego e moradia a seus exploradores, essas pessoas são abandonadas a si em alto mar, em embarcações à deriva; outras vezes, ao chegarem ao sonhado país da liberdade e da prosperidade, são recolhidos em campos de prófugos, que mais parecem campos de concentração, ou são imediatamente devolvidos ao país de origem, com todo o sofrimento e os riscos que isso comporta. A dignidade dessas pessoas é aviltada completamente.

Mas voltemos ao Natal: o Filho de Deus veio unir na fraternidade e na paz toda a humanidade. Somos todos parte de uma única família de povos, raças, culturas, irmãos uns dos outros, de filhos e filhas amados por Deus. Esta é a grande mensagem do Natal para a humanidade; conforme o anjo anunciou aos pastores de Belém: “será uma grande alegria para todo o povo!” (cf. Lc 2,10).

A comemoração do Natal se expressa em gestos de solidariedade, amor desinteressado, perdão e acolhida simples e fraterna. Por quê, será? Será por uma trégua do poder do egoísmo que governa o mundo? Acho que não. São manifestações da inquieta nostalgia do bem que há no coração do homem, daquilo que há de mais verdadeiro e genuíno em nós. Que bom seria, se fosse Natal todos os dias! Não haveria mais migrantes forçados nem refugiados.

 

Publicado em O ESTADO DE SÃO PAULO,

ed. de 11.12.2010

Card. Odilo P. Scherer

Arcebispo de São Paulo

 

Tudo o que outrora foi escrito, foi escrito para nossa instrução, para que pela nossa constância e pelo conforto espiritual das Escrituras, tenhamos firme esperança” (Rm 15, 4). Enquanto peregrinamos na espera da vinda gloriosa do Senhor, as palavras do apóstolo nos abrem ao mistério da sua palavra vivente, por ele pronunciada todos os dias no segredo das consciências, nos acontecimentos da vida, nas belezas – e nas feridas – da criação e celebrada na liturgia. Deus continua nos falando com certeza para nos instruir sobre as verdades da fé e para orientar nossos comportamentos morais no dia a dia. Mas se fosse só isso, seria muito pouco. “As escrituras são a carta de amor de Deus à sua namorada: conhece o coração de Deus nas palavras de Deus!” (São Gregório Magno). Ele fica sendo nosso interlocutor apaixonado na experiência sempre nova do encontro transformador com o seu santo Espírito. 

A celebração litúrgica do Mistério Pascal é o lugar privilegiado deste encontro vivificador, pois é o centro, o motor de todo este dinamismo do amor divino. “A celebração litúrgica torna-se uma contínua, plena e eficaz proclamação da Palavra de Deus. Por isso, constantemente anunciada na liturgia, a Palavra de Deus permanece viva e eficaz pela força do Espírito Santo, e manifesta aquele amor operante do Pai que não cessa jamais de agir em favor de todos os homens” (Introdução ao Elenco das Leituras da Missa, 4). A esta história divina e humana – uma história de amor! – estão sendo sempre acrescentadas páginas novas ao livro que a narra. Juntos, com o Senhor, estamos escrevendo as páginas do ano 2010-2011; são páginas iluminadas por todas aquelas que as precederam e que por sua vez iluminam as do passado na luz do Espírito.

Apareceu João Batista, pregando no deserto da Judéia: “Convertei-vos, porque o reino dos céus está próximo…. Produzi frutos que provem a vossa conversão” (Mt 3,1-2;8). Um grito cortante e ameaçador se eleva no deserto da boca de João, o precursor do Senhor, para despertar as consciências do povo e prepará-lo para acolher o messias de Deus. Este está já presente no meio dele, escondido na humildade da condição do homem comum, mas ungido pelo Espírito Santo em cuja força haverá de renovar as situações mais fragilizadas. Os olhos do povo ficam fechados pelo preconceito; ele, o povo, imagina e pretende de Deus um Messias forte, capaz de produzir efeitos imediatos no âmbito daquilo que mais lhe interessa: o bem estar social e a liberdade política. Até mesmo os discípulos de Jesus se esforçarão muito para aderir ao estilo pobre de Deus e de Jesus; essa dificuldade permanecerá até a iluminação do Espírito e do próprio Jesus depois da Páscoa. Será que a nossa reação frente aos desafios e às dificuldades da vida é muito diferente?

Deus é fiel à sua promessa. A profecia de uma renovação radical da situação, portadora de consolação e esperança para um povo reduzido quase a nada pelo exílio na Babilônia (Is 40,3), está para tornar-se realidade no presente. Contra as expectativas negativas de todo mundo, um novo êxodo está para ter início e irá tocar as profundezas das consciências: “Preparai o caminho do Senhor, endireitai sua veredas” (Aclamação ao Evangelho). Olhando para os grandes problemas que desafiavam a Igreja e a família humana em meados do século passado, o bem-aventurado Papa João XXIII, contra os que ele chamava de “profetas de desventuras”, apontava profeticamente à primavera do Espírito que estava manifestando-se na Igreja com o Concílio Vaticano II como um novo Pentecostes. Precisamos também hoje de mestres semelhantes, guiados pelo Espírito, para reconhecer as novidades de Deus.

O reino de Deus, sua ação salvadora, está desenvolvendo seu dinamismo transformador e vai manifestar-se. Arrependimento e conversão para o Senhor constituem os aspectos complementares do mesmo processo renovador da existência e as condições para reconhecer a ação de Deus em Jesus, compreender seu estilo e conformar-se com ele. O mesmo apelo é proclamado por Jesus (cf. Mt 4,17) como eixo central da “Boa Nova”, por Ele anunciada e inaugurada. Com uma diferença substancial em relação à pregação do Batista: Jesus não ameaça, mas ele mesmo se torna “encontro” com o pecador, transformando sua inicial e confusa procura interior num encontro inesperado de salvação: “Zaqueu, desce depressa, pois hoje devo ficar em tua casa… Hoje a salvação entrou nesta casa, pois ele também é um filho de Abraão” (Lc 19,5; 9). 

Se para João o machado já está posto de modo ameaçador à raiz das árvores, em Jesus o Pai concede ainda um ano de espera confiante para a figueira estéril produzir frutos (Lc 13, 6-9). É “o ano da graça do Senhor” que Jesus coloca no cerne da sua missão e que não tem medida de tempo: “hoje se cumpriu aos vossos olhos esta passagem da escritura” ( Lc 4, 21). Qual estilo prevalece nas nossas comunidades e nas nossas relações interpessoais: o de João ou o de Jesus ? 

Em sintonia com a mais pura tradição dos profetas (cf. Is 1, 10-20), João frisa a exigência de não ficar na ilusão da pertença formal ao povo de Deus e das práticas rituais: “Não penseis que basta dizer: Abraão é nosso pai”. O próprio Jesus será ainda mais radical sobre este assunto na polêmica com os fariseus. O estilo de vida revela a verdadeira qualidade de toda religião. 

O deserto da Judéia é o lugar onde ressoa a mensagem exigente e promissora de João. O “deserto” na linguagem da escritura é o lugar/tempo privilegiado dos grandes eventos da história de Israel na sua relação com Deus: da eleição e aliança até a traição idolátrica. Mas é também o lugar propício para retornar ao Senhor, assim como oportunidade para um novo êxodo e uma nova libertação do exílio. Lugar e tempo da tentação, da provação e da intimidade. Na pregação dos profetas o “deserto” se torna a geografia interior que o povo, e cada autêntico israelita, precisa aprender a descobrir e habitar, para reencontrar a verdade de si mesmo e da sua relação com Deus e com os demais. 

É no deserto que o próprio Jesus é impelido pelo Espírito depois do batismo de penitência recebido por João, para ali enfrentar os radicais desafios da missão, chamado a cumprir em total obediência ao Pai. Jesus sai vitorioso do deserto também para nós. O deserto é o lugar do combate com as potências obscuras que habitam o coração do homem e da mulher de todo tempo. É o lugar da descida, até os grotões mais obscuros de si mesmo para se conhecer, se assumir com verdade e se entregar com coragem e confiança ao coração do Pai. Os místicos e as místicas cristãos falam da necessidade de descer no deserto do próprio coração para que se desperte e se renasça à nova vida. Nos dizem que é somente no silêncio do deserto interior que podem ser celebradas as núpcias com o Esposo divino.

Quantas pessoas hoje têm a coragem de ficar consigo mesmas fazendo silêncio exteriormente e interiormente para descer no deserto do próprio coração e ficar consigo mesmas? Quem sente a necessidade urgente de reservar com fidelidade pelo menos um tempo de silêncio, para a leitura rezada da palavra de Deus, lutando com coragem contra a correria às vezes superficial de todo dia? Afinal, a “cela interior/espaço sagrado” na qual podemos nos deter para cultivar a amizade com o Senhor, antes que nos mosteiros se encontra no próprio coração. Apesar do silêncio ser elemento integrante e fundamental para a autêntica participação ativa à liturgia (SC 19 e 30), quanto valor e espaço é reconhecido/concedido ao “sagrado silêncio” nas nossas celebrações? O Advento é tempo propício para deixar o nosso árido deserto florescer de novo. 

Na perspectiva do profeta, através da ação do messias vislumbra-se uma nova criação e uma nova história: “o lobo e o cordeiro viverão juntos e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito”. Um sonho ingênuo destinado a desaparecer frente ao assolado deserto humano das cracolândias de São Paulo e das grandes metrópoles e da violência sem fim que arrasa países e cidades, como o Rio de Janeiro nos dias passados? O futuro “novo” é fruto sem dúvida da ação do messias na potência do Espírito. Mas não por magia. É preciso atuar com responsabilidade na sociedade deixando-se guiar pelo mesmo Espírito. “O Deus que dá constância e conforto vos dê a graça da harmonia e concórdia, uns com os outros, como ensina Cristo Jesus… por isso, acolhei uns aos outros como também Cristo vos acolheu para a gloria de Deus”( Rm 15, 5;7). 

Até que não prevaleça a nova lógica divina – mesmo entre os membros da comunidade de Cristo – dominará, mais ou menos mascarada, a lógica do lobo e do cordeiro não pacificados, como nas relações tensas entre judeus e pagãos na comunidade de Roma (Rm 15, 7-9). Mas Jesus exercita sua realeza na cruz como “Cordeiro imolado e vivente”,  compartilhando a mesma realeza  somente com aqueles/as que o seguem no mesmo caminho do amor crucificado (Ap 14, 1-5).

Consciente das potencialidades provenientes do Espírito e das contradições humanas, a Igreja nos convida a pedir ao Pai “que nenhuma atividade terrena nos impeça de correr ao encontro do vosso Filho, mas instruídos pela vossa sabedoria, participemos da plenitude de sua vida” (Oração do dia). 

Por Dom Emanuele Bargellini, Prior do Mosteiro da Transfiguração

Agencia Zenit/prod.

No sábado passado, dia 27 de novembro, a Arquidiocese de São Paulo reuniu-se em torno do cardeal dom Paulo Evaristo Arns, seu arcebispo emérito, para dar graças a Deus pelo jubileu de sua ordenação sacerdotal, acontecida em 30 de novembro de 1945. Já foram 65 anos de ministério sacerdotal, exercido em favor do Povo de Deus, sobretudo como arcebispo de São Paulo. O povo encheu a Catedral da Sé e teve a ocasião de ver e ouvir novamente dom Paulo, de sentir seu entusiasmo e de recordar muito do bem realizado por ele no seu já longo e generoso serviço sacerdotal.
O lema episcopal de dom Paulo – ex spe in spem (“de esperança em esperança”) marcou o exercício do seu ministério; mesmo em tempos difíceis, animado pela esperança, ele continuou firme na promoção daquilo que a fé ensina e o amor exige, animando também a comunidade arquidiocesana a caminhar e agir na esperança. Essa, de fato, é a atitude própria da Igreja de Cristo, que não esmorece no anúncio do Evangelho, mesmo quando os frutos não aparecem imediatamente, ou quando ela precisa ir contra a corrente e a cultura dominante. “A esperança não decepciona”, afirma o Apóstolo, pois, mais do que na capacidade humana, ela está firmemente fundada em Deus. Falamos da esperança, virtude teologal, recebida como dom do Espírito Santo no Batismo, junto com a fé e a caridade.
Essa mensagem sobre a esperança está perfeitamente sintonizada com o espírito do Advento, cujo início coincide com a comemoração do jubileu sacerdotal de dom Paulo. No Advento, anunciamos a esperança grande, que se refere ao Deus que vem ao nosso encontro e de nossa vida, como um caminhar ao encontro de Deus. Esse é o horizonte grande da nossa existência, sua razão de ser e sua compreensão mais profunda. São Paulo nos lembra que não temos aqui morada permanente e que neste mundo somos peregrinos a caminho da “pátria definitiva” (cf Fl 3,20). O livro do Apocalipse identifica esta pátria definitiva com a “Jerusalém celeste” (cf Ap 20), preparada por Deus para seus eleitos; Jesus identifica este lugar do futuro de Deus com a “casa do Pai”, onde há muitas moradas (cf Jo 14,2) e onde ele já está, glorificado, junto com o Pai e o Espírito Santo, com os anjos e os santos.
Definitivamente, o Advento nos recorda que o cristianismo, baseado na Palavra de Deus, é a religião da grande esperança. Essa esperança está fundamentada na certeza da fé no Deus bom, justo e misericordioso, que não nos chamou à existência para o engano e a frustração, mas para a realização plena do sonho de viver e ser felizes; a esperança cristã baseia-se no Deus fiel às suas promessas, que assim se revelou, de tantos modos, ao longo da História da Salvação. No Advento, os profetas, sobretudo Isaías, no-lo recordam novamente, de maneira comovente. Deus não deixa o mundo no abandono, nem o entregou às forças do mal; é Deus presente, providente, companheiro da humanidade, um Deus pedagogo e pai, que ama, ensina, corrige, tem paciência, perdoa e anima seus filhos a caminharem na esperança. Sinal maior dessa fidelidade e presença amiga de Deus junto das criaturas foi o envio de seu Filho único, Jesus Cristo, ao nosso mundo. O Advento e o Natal nos fazem viver também hoje a promessa e a surpreendente fidelidade de Deus na realização da nossa salvação.
Porém, o Advento também nos recorda que não se trata de uma esperança passiva e de braços cruzados. Ao longo deste tempo, somos chamados à conversão, a colocar nossa vida em sintonia com Deus e a nos tornarmos sempre mais cooperadores na obra de Deus. Já no 1º Domingo do Advento, o profeta Isaías nos faz este apelo: “Vinde, todos, (…) deixemo-nos guiar pela luz do senhor!” (cf Is 2,5). Fora dessa sintonia com Deus, não há esperança e vem a tentação de construir um “reino” sem Deus, ou até contra seus desígnios; é reino de Babel, da confusão que leva à morte. Na 2ª leitura ouvimos o convite a “despojar-se das ações das trevas (…) e a revestir-se do Senhor Jesus Cristo” (cf. Rm 13,12-14). E Jesus convida à vigilância atenta e a estar sempre preparados para ir ao encontro do Senhor e para acolher a sua chegada (cf Mt 24,37-44).
A esperança cristã, portanto, leva-nos ao empenho concreto para edificar este mundo “segundo Deus” e a colaborar com todos aqueles que também abraçam esse projeto, animados pela esperança. Quem não tem esperança, perde o rumo na vida e pode ser tentado facilmente a entrar por caminhos “que levam à morte”. A esperança sustenta a Igreja no “teimoso” anúncio do Evangelho, na denúncia dos males e no convite a tecer o convívio social na justiça e na solidariedade; a esperança anima e dá coragem aos leigos a se empenharem no mundo, na realização daquilo que é bom e na edificação das realidades terrestres, conforme o projeto do Reino de Deus. A esperança cristã faz com que nunca nos sintamos vencidos e desolados, apesar de não alcançarmos ainda tudo aquilo que nos propusemos para ajudar os pobres, os doentes e todas as pessoas que sofrem, sabendo que o Espírito de Deus continua a suscitar novas energias – “de esperança em esperança” – enquanto o Reino de Deus não se manifesta definitivo.
Povo de Deus, deixemo-nos guiar pela luz do Senhor! Caminhemos firmes na esperança, constantes na oração, empenhados na conversão pessoal e comunitária, nas ações de solidariedade e na prática da justiça. Caminhemos com alegria ao encontro do Senhor que vem. O Deus da esperança conforte os nossos corações!
 

Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer

Arcebispo metropolitano de São Paulo

Já entramos na segunda semana do Advento, tempo litúrgico breve, mas muito bonito e de muito significado. Para vivê-lo bem, tenhamos presente a sua dupla dimensão: por um lado, celebramos o Mistério do Filho de Deus que vem a este mundo e seu nascimento maravilhoso da virgem Maria e somos estimulados a acolher novamente, com fé e alegria, o grande presente de amor que Deus nos faz.

O Salvador já veio e, com sua luz, iluminou a noite deste mundo e o mistério de nossa vida; Ele nos convida a entrar na família de Deus, a aderir ao reino de Deus, que já se faz presente no mundo na sua pessoa e mediante seu Evangelho, a formar uma grande comunidade de irmãos. O Advento é marcado pela presença certa de Deus em nossas vidas e na vida do mundo e pela esperança. Não estamos sós, Deus não nos deixou abandonados no universo… “Ele está no meio de nós”.

Mas há uma segunda dimensão no Advento: A Igreja nos recorda neste tempo que Jesus prometeu manifestar-se novamente, não mais como frágil criancinha, mas “com poder e glória, para julgar os vivos e os mortos”, como professamos em nossa fé católica. A comunidade dos discípulos, que somos nós, vive na expectativa desta segunda vinda do seu Senhor, clamando constantemente: “maranatá” – vem, Senhor Jesus. Com esta prece, que manifesta o desejo ardente dos cristãos de estarem definitivamente com Cristo glorificado, termina o livro do Apocalipse e o próprio texto da Bíblia (cf. Ap 22,20). E também é esta aclamação que fazemos em cada Missa, após a consagração. A Igreja, de fato, vive num constante estado de Advento; não só antes do Natal, mas durante o ano todo e a vida inteira. Quando este mundo e suas “vaidades” tiverem passado, é o encontro com o Senhor glorificado que poderá saciar plenamente o coração humano. É o que ele mais busca e deseja, durante toda a sua vida!

Por isso, o Advento nos recorda as atitudes fundamentais que devem marcar a vida cristã, à espera da manifestação gloriosa do Senhor: A vigilância, para não passar a vida distraídos e absorvidos pelas ocupações terrenas (“as preocupações da vida”), nem tomar caminhos errados, que levam para longe de Deus, e não ao encontro com Ele; a esperança alegre e confiante no Deus fiel, que cumpre suas promessas e não desilude o homem: “Naquele dia se dirá: Este é o nosso Deus, em quem esperamos!” (Is 25,9). Ele já deu provas de amor infinito, enviando seu Filho ao mundo. Mas é própria do Advento também a operosidade na prática do bem, sobretudo na prática da justiça e no amor ao próximo: “amor e verdade se encontrarão; justiça e paz se abraçarão” (Sl 84/85). Não se trata de uma espera passiva, nem do desinteresse pelas realidades deste mundo; numa das leituras da primeira semana do Advento, S. Paulo exorta a perseverar na fé e a “fazer progressos” na vida cristã.

Finalmente, o Advento nos recorda que o Senhor glorioso virá como juiz, “para julgar vivos e mortos”; por isso, é também um tempo de conversão e penitência, pedir perdão pelos nossos pecados e “esperar com amor a sua vinda”. Nas palavras de S.João Batista, somos chamados a “preparar os caminhos do Senhor”, a endireitar os caminhos tortuosos, a aterrar os vales (dos nossos vazios e da vida sem Deus…), a abaixar as colinas e lugares altos (da soberba e das idolatrias), para “ver a salvação de Deus” (cf Lc 3,4-6). Por isso, durante o Advento, é especialmente importante fazer uma pausa, para refletir sobre os rumos que nossa vida pessoal e a vida da sociedade vão tomando… Pena é que, por causa da psicose do consumismo que tomou conta deste período do ano, seja muito difícil parar para pensar e refletir… Mas, como cristãos, deveríamos fazê-lo e ajudar também o mundo a fazer o mesmo. Num belo texto do 2º domingo do Advento, nós pedimos a Deus que nenhuma atividade terrena nos impeça de correr ao encontro de Cristo mas, instruídos pela sua sabedoria, cheguemos à plenitude da vida.

Esta “sabedoria divina”, que nos vem através da “Palavra que se fez carne e habitou no meio de nós”, é que deve ser buscada, mais do que a corrida frenética atrás de sacolões de Papai Noel e de festas de fantasia, que deixam, depois, o mesmo vazio dos balões dos balões que se estouram, ou dos brinquedos que se quebram… Que o Senhor, quando vier, nos encontre firmes na fé, alegres na esperança e operosos na caridade!

Card. Dom Odilo P. Scherer

Arcebispo de São Paulo

07.12.2009