O Natal comemora o nascimento de Jesus Cristo, a quem se refaz a origem do Cristianismo. Por isso, é festa grande nas comunidades cristãs, com expressões religiosas e culturais exuberantes. E a eles agrega-se a comunidade humana em geral pelo comércio aquecido, nas manifestações de calor humano e nas tradições populares, não necessariamente religiosas e cristãs. O Natal tornou-se festa para todos. E não é sem razão.

Os cristãos lembram no Natal que o Filho de Deus veio ao mundo e assumiu nossa humanidade, nascendo da Virgem Maria. Por Ele, Deus manifestou sua bondade para com a humanidade e nos estendeu a mão, tornando-se próximo de nós, assumindo as feições e também as angústias e dores de cada ser humano. A todos trouxe alegria e indicou o caminho para a vida feliz e a realização plena dos anseios humanos.

Proclamamos que o Natal é obra de Deus – “Deus enviou ao mundo seu Filho” (Gálatas, 4,4) -, que deseja unir a si a humanidade: “Deus tanto amou o mundo, que lhe entregou seu Filho único”. Não veio para condenar, mas para salvar (cf João, 3,16). Isso aparece também nas atitudes, na pregação e nas ações de Jesus, sempre à procura da “ovelha perdida”, pronto para aliviar as dores das pessoas.

O Natal traz motivos de alegria e festa para toda a humanidade. O nascimento de Jesus manifestou que Deus ama com ternura e compaixão a todos; também aqueles que não crêem, mas buscam luz e sentido para a vida. E também os que se negam a pensar sequer na dimensão religiosa da existência: são igualmente amados por Deus, que por eles enviou seu Filho ao mundo. Pode-se rejeitar o amor de uma pessoa, mas não se pode impedir alguém de amar…

O Natal contagia e faz com que, por um momento, todos fiquem bons, lembrem do próximo, cumprimentem-se felizes, enviem mensagens de paz, e dêem presentes… Multiplicam-se os apelos à superação da violência e à reconciliação; realizam-se ações solidárias incontáveis para aliviar os sofrimentos do próximo, mesmo sem saber quem ele é; intensificam-se gestões em prol da justiça nas relações sociais e internacionais; valoriza-se o que é belo e que toque a alma, amoleça o coração e faça o espírito sonhar… O ser humano redescobre o que há de bom dentro dele. E como seria bom, se fosse Natal todos os dias!

Será nostalgia de um paraíso perdido, ou sinal de um mundo desejado? Nada é mais condizente com o Natal, que a Igreja também comemora como dia da fraternidade universal. O Natal traz o anúncio de que Deus quer reunir a grande família humana num povo de irmãos, onde a solidariedade e o amor ao próximo sejam o modo normal de viver e conviver.

Mesmo assim, o Natal não muda as coisas como por encanto, com um toque de mágica, e o mundo continua a girar; é de se prever que ainda continuem a existir injustiças, guerras, violências, sofrimentos, desonestidades privadas e públicas… E então, de nada valeu que o Filho de Deus tenha vindo ao mundo? Valeu! Ele não veio na figura de um anjo de fogo, pronto a exterminar toda resistência, mas na forma de uma criança, de braços abertos, fraco com os fracos, pequeno com os pequenos. Não se substitui a nós, não tira nossas responsabilidades, nem suprime nossa liberdade. Faz-se próximo de nós, não estamos sozinhos no mundo, podemos contar com Ele. Experimentou nossa vida e valorizou tudo o que é nosso; fez-se “Emanuel, Deus no meio de nós”; está ao nosso lado, indica-nos o caminho por onde seguir e a verdade que ilumina o mistério da nossa existência. É motivo para desejar “feliz Natal” a todos!

Publicado em Folha de São Paulo, ed. Natal 2010

Card. Odilo P. Scherer,

Arcebispo de São Paulo

 

Querido povo de Deus em São Paulo!

Feliz e abençoado Natal para todos! Que a recordação do nascimento de Jesus Cristo traga bênção, paz e alegria aos seus lares e seja motivo de renovada esperança e conforto para os que sofrem ou andam tristes. Deus pensou em nós, em cada um de nós!

Por seu Filho eterno, nascido para este mundo como filho da Virgem Maria, Deus veio ao nosso encontro para ser Emanuel – Deus conosco. Por isso, ninguém deve sentir-se só e esquecido: Deus se fez próximo de nós todos e preenche nossa vida de sentido. Ele está no meio de nós!

Este ano foi marcado, em nossa Arquidiocese, pelo 1º Congresso de Leigos. Por isso, desejo saudar, de maneira especial, a todos os leigos e leigas. É belo pensar que o nascimento de Jesus foi um acontecimento que envolveu, sobretudo, leigos e leigas: Maria, José, os pastores, os reis magos… Houve também o sacerdote Simeão e a profetisa Ana… Mas foi um acontecimento em família, envolvendo leigos, sobretudo.

E a Boa Nova do nascimento de Jesus Cristo, proclamada pelos anjos, também foi acolhida e difundida, em primeiro lugar, por leigos e leigas. Não seria isso um sinal forte do desejo de Deus? Ainda hoje, a Igreja conta com a participação de todos fiéis leigos e leigas para que a Boa Nova do Natal seja acolhida e difundida em todo o mundo. Conta com os pais cristãos e as famílias que, como Maria e José, se colocam a serviço de Deus e colaboram com sua obra.

Os pais têm a grande chance de apresentar seus filhos pequenos a Deus, como fizeram Maria e José, introduzindo Jesus no templo, diante do sacerdote; podem transmitir-lhes as primeiras práticas e ensinamentos da fé, o senso da consciência moral, amor e delicado respeito ao próximo; isso eles conservarão para toda a vida. A transmissão da fé, de geração em geração, acontece sobretudo na família e os pais cristãos são os primeiros evangelizadores dos seus filhos.

Neste Natal peço que Deus abençoe a todos os leigos e leigas de nossa Arquidiocese; e os encorajo a serem anunciadores da Boa Nova do Natal à cidade, como foram os pastores nos campos de Belém. Sejam por toda parte sinais de que Deus habita esta cidade e quer bem a todos os seus habitantes!

Feliz e abençoado Natal a todos! E que o ano de 2011 seja portador de bênçãos e boas realizações, com a graça de Deus!

 

 

Card. Odilo P. Scherer

Arcebispo de São Paulo

 

 

No Natal comemoramos uma vez mais o nascimento de Jesus Cristo, acontecido há mais de dois mil anos. O evangelista S.Lucas nos conta que os pais de Jesus eram de Nazaré, na Galileia, mas na condição de migrantes forçados encontravam-se em Belém, na Judéia; não houve acolhida nas casas para eles – “não havia lugar para eles” – e Jesus teve que nascer fora da cidade, num abrigo para animais (cf. Lc 2,7). Logo em seguida, o rei Herodes quis matar o menino Jesus, porque via nele uma ameaça para seu trono. Então, Maria e José fugiram às pressas, para salvar o menino, e viveram como exilados no Egito (cf Mt 2,13-15).

O Cristianismo começa, pois, com fatos migração forçada e de exílio. O Filho de Deus, vindo ao mundo, conheceu logo as inseguranças e angústias da humanidade; por isso, a Igreja fundada por ele entende ser também seu dever estar ao lado dos que continuam a sofrer o desrespeito aos seus mais elementares direitos. E convida a humanidade a superar suas divisões, relações injustas e a indiferença diante aquilo que avilta a dignidade do próximo.

A Comissão Católica Internacional para as Migrações (CCIM) é um organismo fundado em 1951 pelo papa Pio XII, com sede em Genebra, para unir e coordenar os esforços das Associações e obras que já se ocupavam dos migrantes e refugiados e para suscitar novas e eficazes iniciativas em favor dos muitos desalojados e desenraizados pela 2ª. grande guerra mundial. A Comissão nunca mais parou de trabalhar. Guerras sucessivas, desigualdades econômicas e outros fatores continuaram a produzir milhões de migrantes e refugiados em todo o mundo. Nos anos sessenta, empenhou-se no socorro a refugiados políticos por causa das ditaduras e guerrilhas na América Latina; nos anos setenta, centenas de milhares de pessoas foram socorridas no sudeste asiático, sobretudo por causa da guerra do Vietnã. Nos anos oitenta, os refugiados do Leste europeu precisaram ser socorridos.

Os conflitos na região balcânica, nos anos noventa, deram origem a novas levas de refugiados, que precisaram ser socorridos e realocados; no mesmo período, tensões étnicas no continente africano criaram situações de verdadeira calamidade humanitária; a CCIM, mais uma vez entrou em campo para socorrer populações feridas e indefesas no Burundi e na Guiné. Agora faz o mesmo no Afeganistão, no Iraque e no Sudão… No sudeste asiático, tsunamis, enchentes e catástrofes naturais, além de conflitos e a miséria, não cessam de colocar em marcha milhões de pessoas à procura de abrigo seguro. Ondas migratórias atravessam o Mediterrâneo e o Caribe, muitas vezes em embarcações frágeis e superlotadas, ou cruzam as fronteiras secas do México e também do Brasil.  Mulheres, crianças e idosos são as maiores vítimas.

A CCIM continua com sua atenção voltada para a recolocação de refugiados, especialmente os mais vulneráveis. Ao contrário do que se poderia imaginar, são relativamente poucos os países dispostos a acolher refugiados. A Comissão atua em sintonia com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), com a Cruz Vermelha e a Cáritas Internacional. A questão tem implicações políticas, que precisam ser trabalhadas nas instâncias internacionais competentes. O papa Bento XVI bem recordou, na encíclica Caritas in Veritate, que nenhum país consegue enfrentar sozinho a questão migratória e, por isso, deve haver uma conjugação de esforços em âmbito internacional. Torna-se sempre mais necessário desenvolver políticas globais para as migrações a fim de harmonizar os esforços internacionais com as normas locais, para salvaguardar a dignidade e os direitos das pessoas e das famílias migrantes (cf. n. 62).

A Comissão empenha-se na defesa da dignidade e dos direitos dos migrantes e refugiados; e não é sem razão, pois numa massa tão grande e tão fragilizada também medram organizações criminosas dispostas a explorar de forma desumana essas pessoas. O tráfico de pessoas para a exploração sexual, a mão de obra semi-escrava e até para o comércio de órgãos é um fato vergonhoso para a civilização do século XXI e envolve números alarmantes; recentemente, a Organização Mundial para o Trabalho estimou que a cada ano cerca de 2,4 milhões de homens e mulheres caem nas redes desses inescrupulosos mercantes de seres humanos. Muitas vezes, depois de terem pago a peso de ouro as promessas de documentos, emprego e moradia a seus exploradores, essas pessoas são abandonadas a si em alto mar, em embarcações à deriva; outras vezes, ao chegarem ao sonhado país da liberdade e da prosperidade, são recolhidos em campos de prófugos, que mais parecem campos de concentração, ou são imediatamente devolvidos ao país de origem, com todo o sofrimento e os riscos que isso comporta. A dignidade dessas pessoas é aviltada completamente.

Mas voltemos ao Natal: o Filho de Deus veio unir na fraternidade e na paz toda a humanidade. Somos todos parte de uma única família de povos, raças, culturas, irmãos uns dos outros, de filhos e filhas amados por Deus. Esta é a grande mensagem do Natal para a humanidade; conforme o anjo anunciou aos pastores de Belém: “será uma grande alegria para todo o povo!” (cf. Lc 2,10).

A comemoração do Natal se expressa em gestos de solidariedade, amor desinteressado, perdão e acolhida simples e fraterna. Por quê, será? Será por uma trégua do poder do egoísmo que governa o mundo? Acho que não. São manifestações da inquieta nostalgia do bem que há no coração do homem, daquilo que há de mais verdadeiro e genuíno em nós. Que bom seria, se fosse Natal todos os dias! Não haveria mais migrantes forçados nem refugiados.

 

Publicado em O ESTADO DE SÃO PAULO,

ed. de 11.12.2010

Card. Odilo P. Scherer

Arcebispo de São Paulo