Foi por nós…
A Semana Santa, para muitos, talvez, seja ocasião para férias, viagens e negócios. Não assim, para os cristãos e filhos da Igreja. Sem nos deixarmos levar pelas tentações do consumismo e das mil propostas de lazer, nem pelo indiferentismo diante da “Semana Maior” na vida litúrgica da Igreja, acompanhemos com fé intensa a celebração do Mistério Pascal de paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. É o ponto alto do caminho quaresmal de penitência e conversão, que fizemos durante 40 dias; é o centro do ano litúrgico e das celebrações da Igreja. Muitas pessoas fazem desses dias um verdadeiro retiro espiritual. Está bem certo. E como seria bom, se isso acontecesse sempre mais!
Porém, como viver bem a Semana Santa? Sem grandes mistérios: saiamos de casa, acompanhemos as celebrações da Igreja, desde o Domingo de Ramos, concentrando-nos no sagrado Tríduo Pascal, que culmina com o Domingo da Ressurreição do Senhor. Tempos atrás, no interior, acontecia que as famílias da roça até alugavam casa na cidade durante a semana santa, só para não perderem nada das procissões, pregações e celebrações da Igreja nesses dias. A Liturgia da semana santa é muito bonita e significativa. Além disso, a religiosidade popular e a arte deram belas expressões à fé cristã, que ajudam a entrar no mistério profundo daquilo que celebramos.
Especialmente recomendável, como conclusão do caminho penitencial da Quaresma, é a realização de uma boa, humilde e sincera revisão de vida, seguida da confissão sacramental; a Igreja nos pede que celebremos a Páscoa com a alma renovada pelo perdão dos pecados, que Jesus mereceu para todos sobre a cruz e que recebemos através do sacramento da Igreja. Também são recomendados pela Igreja o jejum e a abstinência na 6ª. feira santa, a oração mais intensa, a caridade para com o próximo e a escuta atenta da Palavra de Deus, tão ricamente servida a nós pela Liturgia desses dias.
Qual é o centro da semana santa? A resposta só pode ser uma: Jesus Cristo, contemplado e acompanhado nos dias derradeiros de sua vida neste mundo: “tendo amado os seus que estavam neste mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Não é teatro religioso, não é mero sentimentalismo que se promove, mas o encontro pessoal e profundo com Aquele, que amou também a cada um de nós “até o fim”, até o extremo do amor, entregando sua vida para dar vida a nós: “Não há maior prova de amor que dar a vida por aquele que se ama” (cf Jo 15,13). A celebração da Páscoa deve fazer-nos reencontrar as raízes mais profundas de nossa fé e da vida cristã: nossa firme e amorosa adesão a Jesus Cristo. Por isso, de fato, a Igreja nos convida a renovar as promessas do nosso Batismo na noite da Páscoa: nossa vida revive na fonte da vida, que é o Senhor ressuscitado!
Já no século IV, São Gregório Nazianzeno, um grande Bispo e Doutor da Igreja, convidava: “Participemos também nós desta festa ritual, não segundo a letra, mas segundo o Evangelho; de modo perfeito, não imperfeito; para a eternidade, não para o tempo. Sacrifiquemos, não novilhos ou carneiros com chifres e cascos, vítimas sem vida e sem inteligência; ao contrário, ofereçamos a Deus um sacrifício de louvor sobre o altar celeste, em união com os coros angélicos… Direi mais: imolemo-nos a Deus, ou melhor, ofereçamo-nos a ele cada dia, com todas as nossas ações. Imitemos com nossos sofrimentos a paixão de Cristo; honremos com nosso sangue o seu sangue e subamos corajosamente à sua cruz”.
E continua ainda o santo Doutor: “Se és Simão Cirineu, toma a cruz e segue a Cristo; se, como o ladrão, estás crucificado com Cristo, como homem íntegro, reconhece a Deus Adora aquele que foi crucificado por tua causa (…) Se és José de Arimatéia, pede o corpo a quem o mandou crucificar, e assim será tua a vítima que expiou o pecado do mundo. Se és Nicodemos, aquele adorador noturno de Deus, unge-o com perfumes para a sua sepultura. Se és Maria, ou a outra Maria, ou Salomé, ou Joana, derrama tuas lágrimas por ele. Levanta-te de manhã, bem cedo, procura ser o primeiro a ver a pedra do túmulo removida e a encontrar, talvez, os anjos, ou, melhor ainda, o próprio Jesus” (cf Ofício das Leituras da Liturgia das Horas, sábado da 5ª. semana da Quaresma).
O que celebramos na semana santa vai além daquilo que as palavras conseguem dizer: fala do mistério terrível do mal, que se abateu sobre o Filho de Deus feito homem, está presente em cada época da história e também envolve a cada um de nós. Mas fala ainda mais do mistério grande do amor de Deus – “tanto Deus amou o mundo, que lhe entregou seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crer, não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Ninguém deixe escorrer, mais uma vez, diante dos olhos este drama, no qual todos nós somos atores, e cujo final é a vitória do amor e da vida sobre o pecado e a morte. Foi por nós que isso aconteceu. E acontece ainda.
Card. Dom Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo, 29.03.10