Sobre o acelerador de partículas LHC

Tenho recebido vários pedidos para dizer algo sobre o poderoso acelerador de partículas atômica, LHC, construído na Europa entre a França e a Suíça, com 27 kms de perímetro, estando a 100 m abaixo da superfície. Alguns temem a geração de buracos negros perigosos, que possam ocasionar “o fim do mundo”; outros querem saber o que a Igreja pensa disso, etc. O experimento gigantesco é o mais ousado dos aceleradores de partículas; já houve muitos outros menores (betatron, ciclotron, etc.). Segundo a maioria dos físicos não há risco de se recriar buracos negros causando o desaparecimento do universo, ou algo parecido. A Igreja não se opõe ao experimento científico – a Igreja não é contra o desenvolvimento da ciência, apenas condena o mau uso da mesma. Para ajudar nossos leitores a compreenderem melhor o assunto, publico a seguir um artigo do amigo Alexandre Zabot, mestre e doutorando em Astrofísica na UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. Agradeço a ele a colaboração.  

Prof. Felipe Aquino – www.cleofas.com.br

Colisões com a fé 

Há poucos dias um consórcio mundial, chefiado pelos europeus através do CERN, colocou em operação o maior acelerador de partículas já construído, conhecido por LHC. Pensado e construído para revolucionar a física de partículas, seu custo de alguns bilhões de euros despertou o interesse das pessoas e da mídia. Lamentavelmente, alguns erros graves sobre o LHC foram veiculados, confundindo muitas pessoas. É necessário, portanto, esclarecer pelo menos dois dos mais sérios.

Um acelerador de partículas é um equipamento construído pelos cientistas para esmigalhar partículas atômicas, chocando umas contra as outras à velocidades próximas a da luz. O objetivo é  determinar as partículas fundamentais da natureza, aquelas que não podem mais ser divididas. Aceleradores vem sendo construídos há décadas. Cada vez mais potentes, avançam mais e mais aos segredos íntimos da matéria. Explicando os experimentos, há uma teoria, conhecida por Modelo Padrão, que classifica as partículas fundamentais e suas interações. Entretanto,  ainda falta confirmar experimentalmente um aspecto fundamental da teoria. É aí que entra o LHC.

Todas as partículas e interações do Modelo Padrão já foram detectadas, exceto uma partícula conhecida por bóson de Higgs. Acredita-se que este bóson é o responsável por determinar a massa de todas as outras partículas fundamentais. A mesma teoria prevê, porém, que é preciso muita energia para detectar o bóson de Higgs. Daí a necessidade de um acelerador tão grande. Esta detecção é a última grande fronteira experimental do Modelo Padrão. Talvez justamente por isso, algumas pessoas tiveram a infelicidade de chamar o bóson de Higgs de “a partícula de Deus”. Dando a impressão de que ele tivesse algo de divino, ou que o divino se manifestasse de alguma forma. Claro, muitas pessoas não gostaram da comparação. E com razão, pois, de fato, a única coisa comparável a Deus nesta história foi o tamanho do ego das pessoas que criaram tal título. O bóson de Higgs não tem nada de divino. É só uma partícula difícil de detectar, e que se não o for, botará em sérios apuros os defensores do Modelo Padrão, para a alegria dos que acreditam nas teorias supersimétrias (como a de supercordas). Este foi o primeiro dos erros veiculados sobre o LHC.

O segundo equívoco foi o mais grave. Divulgou-se amplamente que o LHC iria recriar o Big Bang, a explosão inicial que deu origem ao universo. Algumas pessoas, mais apressadas, já imaginaram que agora o homem teria literalmente tomado a posição de Deus. A criatura se fez criador. Na verdade, tudo o que o LHC fará é criar um ambiente parecido (em termos físicos), com o existente logo depois dos primeiros instantes do Big Bang. É como dizer que se recriou o espaço sideral porque se atingiu baixas densidades e temperaturas numa sala. Estes, porém, não foram os únicos erros. Também falou-se em fim do mundo com o surgimento de mini buracos negros que engoliriam a terra, entre outras coisas, ainda mais estranhas.

 Os exemplos citados me mostram duas lições. A primeira é que as pessoas tem interesse na ciência, basta uma boa divulgação para despertar a curiosidade. Entretanto, esta divulgação tem que ser responsável. E, neste caso, são responsáveis os jornalistas e os cientistas. Informações erradas confundem e podem, em último caso, transformar o interesse em negação, raiva. A segunda lição fica no âmbito da relação entre ciência e religião. Títulos como “a partícula de Deus”, ou afirmações de recriar o Big Bang tomando o lugar de Deus são, de certa forma, uma provocação aos crentes. A arrogância do conhecimento unicamente através do método científico já devia ter sido superada, como já aconteceu com a fé. Cientificismo não é ciência, assim como alienação não é religião. A fé e a ciência são meios complementares de alcançar a verdade que, para uns é Deus e para outros as leis naturais. Uma civilização madura culturalmente e religiosamente deverá saber lidar com isto. Caso contrário, só nos resta a ignorância, de nós mesmos e do universo. 

Alexandre Zabot

alexandrezabot@gmail.com

Joinville – SCFísico, Mestre em Física, Doutorando em Astrofísica pela UFSC 


Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br Twitter: @pfelipeaquino