O que é um Seminário? Para que serve?

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As mencionadas perguntas são respondidas pelo Cardeal Ratzinger de maneira magistral. No final do texto você encontrará a referência do texto. Boa leitura.

@edisoncn

A construção da casa espiritual: integração na família de Deus[1]

O que é um seminário? Para que serve

Estes hoje já são Padres. Da esquerda para a direita: Pe. Marcos, Pe. Márcio, Pe. Ivan, Pe. Donizete, Pe. Ademir, Pe. Júlio, Pe. Valdinei e Pe. Adriano.

 Quando fui nomeado, no ano de 1977, arcebispo de Munique e Frisinga, vi-me imerso na situação de crise e de efervescência geral. O número de candidatos ao sacerdócio na arquidiocese era pequeno; alojavam-se no

Georgianum, que o duque George, o Rico, tinha fundado no ano de 1494 como seminário regional da Baviera, junto à universidade de Ingolstadt, mais tarde transferida para Munique. Tive certeza, desde o início que meu dever primordial era dotar novamente a diocese de um seminário próprio, ainda que muitos duvidassem que tal empreendimento tivesse sentido na nova Igreja. Pouco antes de deixar novamente minha diocese de origem, na festa de seu patrono, São Corbiniano – em 20 de novembro de 1981 – tive a alegria de lançar a pedra fundamental, num dia de chuva torrencial, para o edifício que hoje se alça majestoso, e iniciar, assim, de forma irreversível, algo que deveria ter continuidade.

Quando refleti sobre a frase que deveria ser gravada na pedra fundamental, vieram-me à memória os maravilhosos versículos da Primeira Carta de Pedro, que aplica o título de «Israel» ao povo dos batizados:

«Também vós, como pedras vivas, entrai na construção de um edifício espiritual, para um sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais, aceitos por Deus pela mediação de Jesus Cristo» (1Pd 2, 5).

 Provavelmente estes versículos são parte de uma catequese batismal da época neotestamentária. Aplicam a teologia da aliança e da eleição, que no Antigo Testamento interpretou o acontecimento do Sinai, à nova comunidade de Jesus Cristo. Neste sentido, o texto expõe singelamente o que significa ser um batizado e como a Igreja cresce neste mundo como casa viva de Deus. Assim, que poderia ocorrer de mais elevado e melhor para um seminário do que o fenômeno de alguns jovens que se unem ao ideal do batismo e do discipulado, e se convertem em Igreja viva? Pareceu-me que essa exortação de São Pedro aos batizados dizia tudo o que é essencial a respeito de um seminário e que podia ser considerada uma sentença programática, como fundamento da casa.

 Para que existe um seminário?

Como deve ser hoje a formação sacerdotal?

Encontramos no texto bíblico, primeiramente, a frase sobre a construção de uma casa espiritual composta de pedras vivas. «Casa» significa, no sentido bíblico, não tanto o edifício de pedra, mas a linhagem, a família. […] Os batizados, de pessoas desconhecidas entre si, passam a ser uma família, a família de Deus. Esta mudança deve se realizar concretamente no seminário, para que logo o futuro sacerdote, em sua paróquia ou onde quer que esteja, seja capaz de reunir as pessoas na família, na comunidade doméstica de Deus. O texto fala de casa «espiritual». Este adjetivo não significa, como sugere nossa sensibilidade linguística, uma casa em sentido meramente figurado e, portanto, impróprio e irreal. «Espiritual» faz referência aqui ao «Espírito Santo», isto é, à força criadora, sem a qual não existiria nada. Uma casa espiritual, edificada pelo Espírito Santo, é, portanto, a casa verdadeiramente real. O vínculo que procede do Espírito Santo é mais profundo, é mais forte e mais vivo que o mero parentesco de sangue. As pessoas que se reúnem em virtude do toque comum do Espírito Santo se acham mais próximas entre si do que qualquer outro parentesco pode conseguir. O evangelho de João fala a este propósito daqueles que crêem no nome do Logos e adquirem assim uma nova genealogia, daqueles «que não nasceram do sangue, nem do desejo da carne, nem do desejo do homem, mas de Deus» (1, 13). Estabelece-se, assim, o vínculo do amor com aquele que não foi gerado por vontade carnal, mas sim pela força do Espírito Santo: Jesus Cristo. Convertemo-nos em «casa espiritual» quando somos comunidade familiar com Jesus Cristo. Isto dá essa sintonia interna, essa imagem nova e esse novo fundamento vital que é mais forte do que todas as diferenças naturais e faz crescer o verdadeiro parentesco interior. O seminário está sempre em construção, como a Igreja e como cada família. Vai se formando constantemente na medida em que as pessoas deixam que Jesus Cristo construa, com elas, a casa viva.

Podemos afirmar que a missão essencial de um seminário é oferecer um espaço onde se possa realizar incessantemente esta construção espiritual. Sua missão é ser um lugar de encontro com Jesus Cristo, que integre as pessoas em Jesus de tal modo que possam chegar a ser sua voz para os homens e para o mundo de hoje. Esta afirmação básica se torna mais concreta quando recorremos novamente ao texto citado. A meta é a casa; o material são as pedras… pedras vivas, pois se trata de construir uma casa viva. Por isso, o versículo fala de construção na forma passiva: como pedras vivas, fazei parte da construção de um edifício espiritual. O ativismo nos leva a entender estas palavras num sentido ativo: construir o reino de Deus, construir a Igreja, construir uma nova sociedade, etc. O novo testamento vê nosso papel de outro modo. O construtor é Deus, juntamente com o Espírito Santo. Nós somos pedras; para nós, a construção consiste em ser construídos. O antigo hino litúrgico para a consagração do templo descreve plasticamente o processo, falando de golpes saudáveis de cinzel, trabalho minucioso do mestre com o martelo e de enlaces ajustados, até que os blocos de pedra passam a ser o grande edifício da nova Jerusalém. Tocamos aqui em algo muito importante: construir é ser construído. Se quisermos ser casa, devemos – cada um deve – aceitar ser trabalhados por outro. Se quisermos ser material apto para a casa, devemos nos deixar ajustar ao posto para o qual querem nos utilizar. Aquele que quiser ser pedra no conjunto e para o conjunto, deve deixar-se vincular à totalidade. Não pode simplesmente fazer ou omitir as coisas segundo seu critério. Deve aceitar ser cingido e conduzido por outro para onde não quer ir (cf. Jo 21, 18). O Evangelho de João nos oferece outro exemplo semelhante: a videira, para produzir fruto, deve ser limpa; deve se deixar podar. O caminho para produzir mais fruto passa pela dor da purificação (Jo 15, 2).

Como primeira conclusão destas considerações podemos afirmar que a preparação sacerdotal deve oferecer algo mais que a educação e a formação humana. O candidato deve começar aprendendo as virtudes sem as quais nenhuma família pode se manter unida. Isto é de grande importância, porque o sacerdote não deve se capacitar somente para conviver na família do presbiterado, da Igreja local e universal; sua tarefa é, ademais, associar e manter unidos, na comunhão da fé, indivíduos que são estranhos por origem, formação, temperamento e circunstâncias da vida. Deve incentivar nas pessoas a capacidade para a reconciliação, o perdão e o esquecimento, a tolerância e a generosidade. Deve ensinar-lhes o respeito pelo outro em sua alteridade, a paciência recíproca, a combinação da confiança, da discrição e da sinceridade em sua justa medida, e muitas outras coisas. Deve se capacitar, sobretudo, para auxiliar às pessoas na dor: dor física, decepções, humilhações e angústias que a ninguém poupam. Como fazer tudo isto, se antes não se aprendeu pessoalmente? A capacidade de aceitar e suportar o sofrimento é uma condição fundamental para a maturidade do ser humano; se não se aprende isto, o fracasso da existência é inevitável. A acidez contra todos e contra tudo contamina o fundo da alma e o converte numa terra deserta. O domínio da dor… antigamente falava-se de ascesis; o termo não é agradável hoje; diz-nos mais se o traduzirmos do grego para o inglês: training. Todos sabem que não existe êxito sem treinamento e sem essa superação de si mesmo que o treinamento traz consigo.


[1] Este é um trecho do livro do então Cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa emérito Bento XVI sobre a Preparação para o ministério presbiteral. Cf. RATZINGER, Joseph. Un canto nuevo para el Señor: la fé em Jesuscristo y la liturgia hoy. Salamanca: Ediciones Siguieme, 2005, p. 188-191.

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