As reflexões de João Paulo II sobre o que ele mesmo chamou de “evangelho do corpo” aconteceram durante as audiências gerais de quarta-feira na Praça de São Pedro, mas os seus ensinamentos foram desenvolvidos em muitos outros discursos e documentos, cartas encíclicas e exortações sobre o matrimônio e a Bem Aventurada Virgem Maria.
Vem se tornando cada vez mais claro que essas meditações possuem o potencial de transformar nossa compreensão, não apenas da ética e da sexualidade humana, mas da natureza e da cultura humana em geral.
Normalmente se assume que a Teologia do Corpo só trata de sexo. Mas não é tão simples assim.
As relações sexuais são apenas uma parte de algo muito maior e mais profundo. Antes que possamos acompanhar o que o Papa diz sobre o evangelho do corpo, precisamos compreender seu método.
É um método baseado numa leitura da realidade como simbólica, cheia de significado, a qual ele chama de “linguagem do corpo”, quando aplicada a nós mesmos. O mundo inteiro é um livro de símbolos que expressam realidades invisíveis. A linguagem das Sagradas Escrituras depende de imagens e metáforas retiradas desse livro da natureza, e elas nos ensinam como penetrar a linguagem da natureza a fim de alcançar um nível mais profundo de sentido.
Finalmente, por expressar a plenitude da divindade na natureza humana, Jesus Cristo nos permite ler os outros dois livros da natureza (o homem e a mulher) em um nível ainda mais profundo, vendo neles o “o mistério escondido desde a eternidade em Deus”, que é o mistério da própria vida interior de Deus, para a qual nós mesmos somos chamados através de sua morte e ressurreição, e enquanto corpo da Igreja.
O Papa lê o corpo em termos de um significado “esponsal” ou “nupcial”, o qual, segundo ele, tem sido restringido, violado e deformado ao longo do tempo, e pela cultura moderna, a ponto de já termos quase perdido a capacidade de “vê-lo”. Mas esse significado ainda está aí para ser descoberto com a ajuda da graça, como se fosse uma centelha bem no fundo do coração humano.
A “linguagem do corpo”, portanto, deve ser redescoberta, e precisamente isso é o que o Papa pretende fazer.
Mas, como ele diz, ler corretamente essa “linguagem” resulta em muito mais do que uma série de afirmações. Resulta em um “modo de viver” – é um modo de viver que se experimenta a partir da unidade do amor.
Um dos requisitos para esse amor é a pureza, a dimensão da inocência que nos permite “conhecer” o outro (e nós mesmos) em auto-doação. Isso é um fruto do Espírito Santo habitando no interior da pessoa como em um templo, “a glória do corpo humano diante de Deus”, e a “glória de Deus no corpo humano, através do qual se manifestam a masculinidade e a feminilidade”. É a condição na qual a verdadeira beleza da pessoa humana pode ser revelada.
Em um certo sentido, o ensinamento sobre a pureza traz à tona todo o ensinamento do Papa sobre o corpo humano sexuado como integralizado à pessoa humana feita à imagem e semelhança de Deus e (nessa imagem) feita para conhecer Deus conhecendo o Outro como dom de Deus.
O pecado quebra nosso ser em fragmentos, nos colocando contra nós mesmos. Em um estado de pecado, tendo perdido minha integridade, não sou mais unificado o suficiente para ser capaz de me doar como um todo para outra pessoa. Nesse estado eu sou capaz de entregar apenas partes do meu ser.
O pecado também afeta a maneira com que vejo o mundo, porque o espelho de consciência no qual eu vejo todas as coisas está desordenado e despedaçado, de modo que vejo apenas pedaços do todo – pedaços relacionados com a satisfação de meus próprios desejos.
A potencial beleza e bondade da sexualidade humana fica clara a partir dos escritos do Papa. Mas como a plena profundidade do significado na masculinidade e na feminilidade – incluindo a paternidade e a maternidade – foram revelados ou podem ter sido revelados no estado original do homem, isso ele sabiamente não especula.
A verdadeira fonte do gênero sexual repousa no significado esponsal do corpo, o qual vai encontrar a plenitude total no estado “virginal” do mundo que há de vir.
Portanto, a nupcialidade afeta todos nós, quer sejamos casados ou não. Embora talvez nunca venha a ser esposo(a) de alguém, serei sempre um filho ou filha, uma irmã ou irmão.
Nesses caminhos, e combinações de caminhos, eu necessariamente participo na relação de um gênero com o outro. Não é que, individualmente, precisemos estar casados para ser salvos, mas precisamos, sim, cumprir nosso papel no matrimônio entre Cristo e sua Igreja, para podermos ser salvos.
fonte: http://teologiadocorpo.com.br