Toda a vida de Cristo se desenvolveu no Espírito Santo. São Basílio afirma que o Espírito Lhe foi “companheiro inseparável em tudo” (De Spir. S. 16) e oferece-nos esta admirável síntese da história de Cristo: “Vinda de Cristo: o Espírito Santo precede; encarnação: o Espírito Santo está presente; ações milagrosas, graças e curas; através do Espírito; os demônios expulsos, o diabo aprisionado: mediante o Espírito Santo; remissão dos pecados, união com Deus: mediante o Espírito Santo; ressurreição dos mortos: por virtude do Espírito Santo” (Ibid. 19). Depois de meditarmos sobre o batismo de Jesus e a Sua missão realizada no poder do Espírito, queremos agora refletir acerca da revelação do Espírito na “hora” suprema de Jesus, a hora da Sua morte e ressurreição.
A presença do Espírito Santo no momento da morte de Jesus deve-se supor já pelo simples fato que na cruz morre, na sua natureza humana, o Filho de Deus. Se “unus de Trinitate passus est” (DS, 401), isto é “se aquele que sofreu é uma Pessoa da Trindade”, na Sua paixão torna-se presente toda a Trindade, portanto também o Pai e o Espírito Santo. Devemos, porém, perguntar-nos: qual foi precisamente a participação do Espírito na hora suprema de Jesus? A esta pergunta só é possível responder se compreende o mistério da redenção como mistério de amor. O pecado, que é rebelião da criatura contra o Criador, interrompera o diálogo de amor entre Deus e os Seus filhos. Com a Encarnação do Filho Unigênito, Deus exprime à humanidade pecadora o Seu amor fiel e apaixonado, a ponto de Se tornar vulnerável em Jesus. O pecado, por sua parte, manifesta no Gólgota a sua natureza de “atentado contra Deus”, de maneira que todas as vezes que os homens voltam a pecar gravemente, como diz a carta aos Hebreus, “crucificam o Filho de Deus em si mesmos, expondo-O à ignomínia” (cf. 6,6). Ao entregar o seu Filho pelos nossos pecados, Deus revela-nos que o Seu desígnio de amor precede qualquer mérito nosso e supera abundantemente todas as nossas infidelidades. “Nisto consiste o [Seu] amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o Seu Filho como propiciação pelos nossos pecados”. (1 Jo 4,10).
A paixão e morte de Jesus é um inefável mistério de amor, no qual estão envolvidas as três Pessoas divinas. O Pai tem a iniciativa absoluta e gratuita: Ele é o primeiro a amar e, ao entregar o Filho às nossas mãos homicidas, expõe o Seu bem mais querido. Como diz Paulo, Ele “não poupou o próprio Filho”, isto é, não O conservou para Si como um tesouro cioso, mas “entregou-O por todos nós” (Rm 8,32). O Filho compartilha plenamente o amor do Pai e o Seu projeto de salvação: “Entregou-Se a Si mesmo pelos nossos pecados… segundo a vontade de Deus, nosso Pai” (Gl 1,4). E o Espírito Santo? Assim como no íntimo da vida trinitária, também nesta circulação de amor, que se realiza entre o Pai e o Filho no mistério do Gólgota, o Espírito Santo é a Pessoa-Amor, para a qual converge o amor do Pai e do Filho. A carta aos Hebreus, desenvolvendo a imagem do sacrifício, declara de forma específica que Jesus Se ofereceu “com um Espírito eterno” (9,14). Na Encíclica Dominum et vivificantem mostrei que neste trecho “Espírito eterno” indica precisamente o Espírito Santo: assim como o fogo consumia as vítimas sacrificais dos antigos sacrifícios rituais, assim também “o Espírito Santo agiu de modo especial nesta auto-doação absoluta do Filho do homem, para transformar o sofrimento em amor redentor” (n. 40). “O Espírito Santo como Amor e Dom desce, em certo sentido, ao próprio coração do sacrifício que é oferecido na Cruz. Referindo-nos à tradição bíblica, podemos dizer: Ele consuma este sacrifício com o fogo do Amor, que une o Filho ao Pai na comunhão trinitária. E dado que o sacrifício da Cruz é um ato próprio de Cristo, também neste sacrifício Ele “recebe” o Espírito Santo” (Ibid.n. 41). Justamente na liturgia romana, o sacerdote reza antes da comunhão com estas significativas expressões: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, que por vontade do Pai e por obra do Espírito Santo, morrendo deu a vida ao mundo…”.
A história de Jesus não termina com a morte, mas abre´se à vida gloriosa da Páscoa. “Mediante a ressurreição dos mortos, Jesus Cristo, Nosso Senhor” foi “constituído Filho de Deus com poder, segundo o Espírito de santificação” (cf. Rm. 1,4). A ressurreição é o complemento da Encarnação e acontece também ela, como a geração do Filho no mundo, “por obra do Espírito Santo”, “Nós – afirma Paulo em Antioquia da Pisídia – estamos aqui para vos anunciar a Boa Nova de que a promessa feita a nossos pais, Deus a cumpriu em nosso benefício, para nós Seus filhos, ressuscitando Jesus, como está escrito no salmo segundo: “Tu és Meu Filho, Eu gerei-Te hoje” (At. 13,32). O Dom do Espírito que o Filho recebe em plenitude na manhã de Páscoa é por Ele efundido em superabundância na Igreja. Aos Seus discípulos reunidos no cenáculo, Jesus diz: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22) e comunica-O “como que através das feridas da Sua crucifixão: “mostrou-lhes as mãos e o lado”“. (Dom. et viv., 24). A missão salvífica de Jesus sintetiza-se e cumpre-se na comunicação do Espírito Santo aos homens, para os reconduzir ao Pai.
Se a “obra-prima” do Espírito Santo é a Páscoa do Senhor Jesus, mistério de sofrimento e de glória, através do dom do Espírito é possível também aos discípulos de Cristo sofrer com amor e fazer da cruz a via para a luz: “per crucem ad lucem”. O Espírito do Filho dá-nos a graça de termos os mesmos sentimentos de Cristo e de amarmos como Ele amou, a ponto de oferecer a vida pelos irmãos: ”Ele deu a Sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos” (1 Jo 3,16). Ao comunicar-nos o seu Espírito, Cristo entra na nossa vida, para que cada um de nós possa dizer como Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Assim, toda a vida se torna uma Páscoa contínua, uma incessante passagem da morte para a vida, até à Páscoa derradeira, quando passaremos também nós, com Jesus e como Jesus, “deste mundo para o Pai” (Jo 13,1). Com efeito – afirma Santo Ireneu de Lião – “aqueles que receberam e trazem o Espírito de Deus são conduzidos ao Verbo, isto é, ao Filho, e o Filho acolhe-os e apresenta-os ao Pai, e o Pai dá-lhes a incorruptibilidade”. (Demonstr. Ap., 7).