O primeiro desafio é a linguagem, no sentido mais amplo da comunicação. Geralmente, a preparação de sacerdotes e religiosos, homens e mulheres, é dominada por categorias filosóficas e teológicas, resultando numa peculiar forma de pensamento e numa linguagem especifica, que configura uma comunicação inadequada ou limitada. Muitas vezes, os jovens não entendem esta linguagem. Eles têm outra linguagem, outros conceitos. Se não nos comunicarmos com os jovens na linguagem deles, não é possível de transmitir a fé.
Temos que ser capazes de compreender e falar a linguagem dos jovens para poder transmitir a fé, estar em contato, acolher os jovens onde estão. Habermas diz que a linguagem cria realidade. Através da realidade, criamos o mundo. Isso não acontece se não estivermos próximos deles.
A DIMENSÃO DO “EU”, DESAFIO DA COMUNIDADE ECLESIAL
Uma caracterização da modernidade é a nova consciência do papel ativo que a pessoa tem no mundo, tanto a nível social como individual. Esta conscientização afetou profundamente o sistema de valores individuais e sociais, indicando um processo de mudança. À privatização da vida, opomos nossa crença no valor da comunidade. Isso nos dá, por vezes, a sensação de andarmos contra a corrente. O mesmo vale com relação ao imediatismo É uma crise da religiosidade. Por isso, algumas considerações:
a) A crise religiosa se inscreve no marco de uma crise mais ampla
Podemos dizer que não é um caso particular de um fenômeno, mas algo mais amplo que se difundiu entre as pessoas a partir da segunda metade do século XX. Neste contexto coloca-se a crise da comunicação e do diálogo entre as gerações. Necessitamos, urgentemente, uma renovação geracional no clero. Há um superenvelhecimento do clero e das Congregações Religiosas. Muitos sacerdotes e religiosos, mesmo jovens, não querem trabalhar com a juventude.
Amplas zonas da vida humana que, antes, se percebiam fixos, agora aparecem como motivos de escolha. Isso afeta a religião. Além disso, a ordem social já não está tão evidente nem tão intocável. A fundamentalidade da religião para o funcionamento da sociedade não é mais tão evidente. É uma crise hierárquica das instituições. Já não existem funções estabelecidas. Tanto o individuo quanto a sociedade, devem enfrentar alternativas, obrigados a realizar escolhas. O mercado oferece aos jovens muitas possibilidades. Nós oferecemos outras; o neopentecostalismo outras; a política outras. Os jovens têm que decidir. A religião católica deixou de ser a religião hegemônica nas nossas sociedades. Muitos jovens se confessam cristãos, mas “à minha maneira”. “Deixem-me tranqüilo; sou cristão como quero, quando quero. Tenho filhos, educo os filhos como eu quero”
b) Dissociação entre socialização cultural e socialização religiosa
A socialização realizou-se eliminando a conexão estreita de interdependência entre sociedade-cultura e religião-igreja, de modo que o processo de socialização sucede à margem da religião e da influência da Igreja. As gerações jovens realizam o processo de se incorporar à sociedade e de se apropriar da cultura sem contacto algum com a religião. Ela não faz parte do conteúdo em que se socializam nem intervém no processo de socialização.
c) Crise da autoridade tradicional
A memória coletiva caiu em desuso e, com ela, seu caráter normativo para o presente. Essa memória era a base para a transmissão e celebração da fé. Com isso o imaginário coletivo comum das pessoas, em nossos países, tem sempre menos conteúdo religioso. Frente à autoridade da instituição, ergueu-se a autoridade da ilustração convidando o individuo a pensar por si mesmo. A ruptura da cultura tradicional, fortemente impregnada de religiosidade, levou ao desaparecimento da evidência de continuidade e à desplausibilidade da autoridade da tradição e da memória. Contudo, a perda da autoridade da memória deverá ser substituída por outra autoridade.
d) Configuração sem regras da própria crença
O quarto fator direcional foi a modernidade psicológica ou o movimento acerca do predomínio da autonomia do individuo, da importância da própria realização e do desenvolvimento pessoal, frente às pretensões das autoridades, princípios e instituições. “Se o mercado tem outras ofertas interessantes, aceito-as”. O mercado está veiculando um sem-numero de crenças e místicas orientais, oferecendo-os como produto de mercado. Os jovens entram, provam, tentam, como quem consome um prato de comida, uma roupa, uma distração. Este princípio desregula as crenças e práticas e configura o indivíduo como principal gestor de suas crenças, de modo que sua vida religiosa passa a caracterizar-se como algo nascido da livre escolha do sujeito que toma de diferentes tradições, mas não pertence a nenhuma delas.
A SECULARIZAÇÃO, DESAFIO DA INICIAÇÃO CRISTÃ
Muito foi dito sobre a secularização e sua implicância sobre uma nova ética secularizada, que reforça a idéia de progresso, a partir de onde haverá de partir o caminho que conduzirá à realização de uma humanidade melhor.
a) A antropologia secularizada
Esta é uma das maiores mudanças para a pastoral. Não se trata de que o homem viva e trabalhe em contextos ou ambientes amplamente secularizados, mas que pense e aceite sua existência em termos intramundanos, puramente históricos ou ateus. Não necessitamos mais da experiência e da existência de Deus para existir. Desde que começou a época moderna iniciou-se uma antropologia que nada tem a ver com a antropologia medieval precedente, que se caracterizava:
a) por uma visão verticalizada do ser humano, sempre orientada para o mais alto;
b) pela idéia de uma graça que projetava a existência terrena para a vida eterna;
c) pela verdade da fé, regra suprema da vida.
b) A religião neste mundo secularizado
Mudou a situação da religião. Parece que, definitivamente, terminou a época da religião do Estado. A religião pertence, juridicamente, ao terreno do privado. Esta privacidade se refere particularmente a três aspectos:
• Queda do poder político das igrejas.
• O privado como espaço de liberdade religiosa. Pela primeira vez na história da humanidade, o privado se subtraiu à invasão do poder político. E mais: o Estado o considera como um grande valor a defender.
• A propriedade privada articula todo o direito. Não se deve estanhar, por isso, que muitos cristãos hajam transferido esta apreciação e valorização do privado, também em sua relação com a Igreja institucional e seus ensinamentos no campo dogmático, moral ou social. Hoje, o vinculo social se encontra no “consenso”.
c) Permanência da religião na cultura secularizada
Este é o terceiro aspecto da mudança relacional entre Estado e Igreja: a religião já não constitui o vínculo social. A religião e os símbolos religiosos já não são o cimento da sociedade, nem a inspiração principal. Durante algum tempo via-se a secularização associada à tese da progressiva desaparição da religião da sociedade e da vida das pessoas. É a tese do positivismo, do marxismo, e da teologia da morte de Deus.
d) A questão do sagrado
1) Ocaso do sagrado x permanência do sagrado. Atualmente parece inegável que um amplo espaço do sacro e da sacralidade haja desaparecido definitivamente. Mas isto não quer dizer que a cultura moderna tenda a ser uma sociedade sem religião, tampouco que esta estaria prestes a desaparecer totalmente.
2) O sagrado como contracultura. As atuais formas do sagrado que emergem no âmbito do privado assumem, geralmente, a forma de uma contracultura, expressão de um profundo desgosto frente à exagerada racionalização da cultura moderna. Precisamente por este motivo, o sagrado se apresenta no contexto do irracional. Hervieu-Léger distingue quatro direções nas quais se expressam os novos movimentos religiosos:
Evangelismo, fundamentalismo e neopentecostalismo no cristianismo;
Crescente atração das religiões orientais;
Uma miríade de grupos e movimento que perseguem a expansão do potencial humano (mistura de psicologia e elementos de misticismo oriental, mas interpretados de modo arbitrário);
As seitas autoritárias em torno de lideres carismáticos com um poder quase ilimitado sobre seus seguidores.
3) Diferenciação entre sagrado, religião e fé cristã. O problema não é teórico nem engloba somente o significado destes termos, mas tem direta relação com a pastoral e a catequese. Tem que se distinguir duas rupturas que podem acontecer: uma, entre religião e pertença a uma igreja ou agrupamento religioso; outra, entre religião e fé crista.
d) Relação dos cristãos com o cristianismo
Sempre existiu certo pluralismo no cristianismo. Hoje, contudo, existe um pluralismo dentro do mundo cristão que é totalmente diferente do pluralismo tradicional de acentuações entre fé e vida cristã ou de espiritualidade.
1) Um cristianismo seletivo
Muitos cristãos selecionam partes da doutrina ou da moral, aceitando somente alguns aspectos e distanciando-se de outros. É uma espécie de supermercado cristão, onde cada um escolhe o menu.
2) A distância frente à moral oficial
Em geral se aceita, e até se deseja, que a Igreja intervenha no mundo da moral social e internacional. O problema se coloca quando toca a moral individual e, mais concretamente, a moral sexual.
3) Abandono da Missa e dos sacramentos. Há poucos anos atrás se considerava a freqüente participação na missa e a prática da confissão e da comunhão, bem como a substancial observação da moral, um critério primário da pertença à igreja. Hoje não é mais assim. As pessoas, mesmo que “não pratiquem”, continuam considerando-se e se professando cristãos. Não se pode dizer que não sejam cristãos. O problema é até quando eles poderão conservar a fé. Lamentavelmente, para muitos deles é já o primeiro passo decisivo no caminho da descristianização.