CARTA CIRCULAR

para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes

no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos

Dentre as importantes responsabilidades do Bispo diocesano para assegurar o bem comum dos fiéis e, especialmente das crianças e dos jovens, existe o dever de dar uma resposta adequada aos eventuais casos de abuso sexual contra menores, cometidos por clérigos na própria diocese. Tal resposta implica a instituição de procedimentos capazes de dar assistência às vítimas de tais abusos, bem como a formação da comunidade eclesial com vistas à proteção dos menores. Tal resposta deverá prover à aplicação do direito canônico neste campo, e, ao mesmo tempo, levar em consideração as disposições das leis civis.

I. Apectos gerais:

a) As vítimas do abuso sexual:

A Igreja, na pessoa do Bispo ou de um seu delegado, deve se mostrar pronta para ouvir as vítimas e os seus familiares e para se empenhar na sua assistência espiritual e psicológica. No decorrer das suas viagens apostólicas, o Santo Padre Bento XVI deu um exemplo particularmente importante com a sua disposição para encontrar e ouvir as vítimas de abuso sexual. Por ocasião destes encontros, o Santo Padre quis se dirigir às vítimas com palavras de compaixão e de apoio, como aquelas que se encontram na sua Carta Pastoral aos Católicos da Irlanda (n. 6): “Sofrestes tremendamente e por isto sinto profundo desgosto. Sei que nada pode cancelar o mal que suportastes. Foi traída a vossa confiança e violada a vossa dignidade.”

b) A proteção dos menores:

Em algumas nações foram lançados, em âmbito eclesiástico, programas educativos de prevenção, a fim de assegurar “ambientes seguros” para os menores. Tais programas tentam ajudar os pais, e também os operadores pastorais ou escolásticos, a reconhecer os sinais do abuso sexual e a adotar as medidas adequadas. Os supracitados programas mereceram amiúde um reconhecimento como modelos na luta para eliminar os casos de abuso sexual contra menores nas sociedades hodiernas.

c) A formação dos futuros sacerdotes e religiosos

O Papa João Paulo II dizia no ano de 2002: “No sacerdócio e na vida religiosa não existe lugar para quem poderia fazer mal aos jovens” (n. 3, Discurso aos Cardeais americanos, 23 de abril de 2002). Estas palavras chamam à atenção para a responsabilidade específica dos Bispos, dos Superiores Maiores e daqueles que são responsáveis pelos futuros sacerdotes e religiosos. As indicações dadas na Exortação Apostólica Pastores Dabo Vobis, bem como as instruções dos Dicastérios competentes da Santa Sé, possuem uma importância sempre crescente com vistas a um correto discernimento vocacional e a uma formação humana e espiritual sadia dos candidatos. Em particular façam-se esforços de sorte que os candidatos apreciem a castidade, o celibato e a paternidade espiritual do clérigo e que possam aprofundar o conhecimento da disciplina da Igreja sobre o assunto. Indicações mais específicas podem ser integradas nos programas formativos dos seminários e das casas de formação previstas na respectiva Ratio Institutionis Sacerdotalis de cada nação e Instituto de Vida Consagrada e Sociedade de Vida Apostólica.
Uma diligência especial deve ser ademais reservada à indispensável troca de informações acerca daqueles candidatos ao sacerdócio ou à vida religiosa que são transferidos de um seminário a outro, de uma a outra Diocese ou de Institutos religosos a Dioceses.

d) O acompanhamento dos sacerdotes

1. O Bispo tem o dever de tratar a todos os seus sacerdotes como pai e irmão. Além disso, o Bispo deve providenciar com atenção especial à formação permanente do clero, sobretudo nos primeiros anos seguintes à sagrada Ordenação, valorizando a importância da oração e do mútuo apoio na fraternidade sacerdotal. Os sacerdotes devem ser infomados sobre o dano provocado por um clérigo à vítima de abuso sexual e sobre a própria responsabilidade diante da legislação canônica e civil, como também a reconhecer os sinais de eventuais abusos perpetrados contra menores;

2. Os Bispos devem assegurar todo esforço no tratamento dos casos de eventuais abusos que porventura lhes sejam denunciados de acordo com a disciplina canônica e civil, no respeito dos direitos de todas as partes;

3. O clérigo acusado goza da presunção de inocência até prova contrária, mesmo se o Bispo, com cautela, pode limitar o exercício do ministério, enquanto espera que se esclareçam as acusações. Em caso de inocência, não se poupem esforços para reabilitar a boa fama do clérigo acusado injustamente.

e) A cooperação com as autoridades civis

O abuso sexual de menores não é só um delito canônico, mas também um crime perseguido pela autoridade civil. Se bem que as relações com as autoridades civis sejam diferentes nos diversos países, é contudo importante cooperar com elas no âmbito das respectivas competências. Em particular se seguirão sempre as prescrições das leis civis no que toca o remeter os crimes às autoridades competentes, sem prejudicar o foro interno sacramental. É evidente que esta colaboração não se refere só aos casos de abuso cometidos por clérigos, mas diz respeito também aos casos de abuso que implicam o pessoal religioso ou leigo que trabalha nas estruturas eclesiásticas.

II. Breve relatório da legislação canônica em vigor relativa ao delito de abuso sexual de menores perpretado por um clérigo

No dia 30 de abril de 2001, o Papa João Paulo II promulgou o Motu Própio Sacramentorum Sanctitatis Tutela (SST), com o qual se inseriu o abuso sexual de um menor perpetrado por um clérigo no elenco de delicta graviora, reservado à Congregação para a Doutrina da Fé (CDF). A prescrição de um tal delito foi fixada em 10 anos a partir do 18º aniversário da vítima. A legislação do Motu Próprio vale tanto para os clérigos latinos quanto para os clérigos orientais, igualmente para o clero diocesano como para o religioso.

Em 2003, o então Prefeito da CDF, o Cardeal Ratzinger, obteve de João Paulo II a concessão de algumas faculdades especiais para oferecer maior flexibilidade nos processos penais para os casos de delicta graviora, dentre os quais o uso do processo penal administrativo e o pedido da demissão ex officio nos casos mais graves. Estas faculdades foram integradas na revisão do Motu Próprio aprovada pelo Santo Padre Bento XVI aos 21 de maio de 2010. Segundo as novas normas a prescrição é de 20 anos, os quais nos casos de abuso de menores se calculam a partir do 18º aniversário da vítima. A CDF pode eventualmente derrogar às prescrições em casos particulares. Especificou-se também o delito canônico da aquisição, detenção ou divulgação de material pedopornográfico.

A responsabilidade de tratar os casos de abuso sexual contra menores é, num primeiro momento, dos Bispos ou dos Superiores Maiores. Se a acusação parecer verossímil, o Bispo, o Superior Maior ou o seu delegado devem proceder a uma inquisição preliminar de acordo com os cân. 1717 do CIC, 1468 CCEO e o art. 16 SST.

Se a acusação for considerada crível – digna de crédito, pede-se que o caso seja remetido à CDF. Uma vez estudado o caso, a CDF indicará ao Bispo ou al Superior Maior os ulteriores passos a serem dados. Ao mesmo tempo, a CDF oferecerá uma diretriz para assegurar as medidas apropriadas, seja grantindo um procedimento justo aos clérigos acusados, no respeito do seu direito fundamental à defesa, seja tutelando o bem da Igreja, inclusive o bem das vítimas. É útil recordar que normalmente a imposição de uma pena perpétua, como a dimissio do estado clerical requer um processo penal judicial. De acordo com o Direito Canônico (cf. can. 1342 CIC) os Ordinários não podem decretar penas perpétuas por decretos extra-judiciários; para tanto devem se dirigir à CDF, à qual compete o juízo definitivo a respeito da culpabilidade e da eventual inidoneidade do clérigo para o ministério, bem como a consequente imposição da pena perpétua (SST Art. 21, § 2).

As medidas canônicas aplicadas contra um clérigo reconhecido culpado de abuso sexual de um menor são geralmente de dois tipos: 1) medidas que restringem o ministério público de modo completo ou pelo menos excluindo os contatos com menores. Tais medidas podem ser acompanhadas por um preceito penal; 2) penas eclesiásticas, dentre as quais a mais grave é a dimissio do estado clerical.

Em alguns casos, prévio pedido do próprio clérigo, pode-se conceder a dispensa, pro bono Ecclesiae das obrigações inerentes ao estado clerical, inclusive do celibato.

A inquisição preliminar e todo o processo devem se desenvolver com o devido respeito a fim de proteger a discreção em torno às pessoas envolvidas, e com a devida atenção à sua reputação.

Ao menos que existam razões graves em contrário, o clérigo acusado dever ser informado da acusação apresentada, a fim de que lhe seja dada a possibilidade de responder à mesma, antes de se transmitir um caso à CDF. A prudência do Bispo ou do Superior Maior decidirá qual informação deva ser comunicada al acusado durante a inquisição preliminar.

Compete ao Bispo ou ao Superior Maior prover ao bem comum determinando quais medidas de precaução previstas pelo cân. 1722 CIC e pelo cân. 1473 CCEO devam ser impostas. De acordo com o art. 19 SST, isto se faz depois de começada a inquisição preliminar.

Recorda-se finalmente que se alguma Conferência Episcopal, excetuado o caso de uma aprovação da Santa Sé, julgue por bem dar normas específicas, tal legislação particular dever ser considerada como um complemento à legislação universal e não como substituição desta. A legislação particular dever portanto harmonizar-se com o CIC/CCEO, bem como com o Motu Próprio Sacramentorum Sanctitatis Tutela (30 de abril de 2001) como foi atualizado aos 21 de maio de 2010. Se a Conferência Episcopal decidir estabelecer normas vinculantes, será necessário requerer a recognitio aos Dicastérios competentes da Cúria Romana.

III. Indicações aos Ordinários sobre o modo de proceder

As linhas diretrizes preparadas pela Conferência Episcopal deveriam fornecer orientações aos Bispos diocesanos e aos Superiores Maiores no caso em que fossem informados de possíveis (presunti) abusos sexuais contra menores perpetrados por clérigos presentes no território da sua jurisdição. Tais linhas diretrizes devem levar em conta as seguintes considerações:

a.) o conceito de “abuso sexual contra menores” deve coincidir com a definição do Motu Próprio SST art. 6 (“o delito contra o sexto mandamento do Decálogo cometido por um clérigo com um menor de dezoito anos”), bem como com a praxe interpretativa e a jurisprudência da Congregação para a Doutrina da Fé, levando em consideração as leis civis do País;

b.) a pessoa que denuncia o delito dever ser tratada com respeito. Nos casos em que o abuso sexual esteja ligado com um outro delito contra a dignidade do sacramento da Penitência (SST, art. 4), o denunciante tem direito de exigir que o seu nome não seja comunicado ao sacerdote denunciado (SST, art. 24);

c.) as autoridades eclesiásticas devem se empenhar para oferecer assitência espiritual e psicológica às vítimas;

d.) o exame das acusações seja feito com o devido respeito do princípio de privacy e da boa fama das pessoas;

e.) ao menos que haja graves razões em contrário, já durante o exame prévio, o clérigo acusado seja informado das acusações para ter a possibilidade de responder às mesmas;

f.) os órgãos consultivos de vigilância e de discernimento dos casos particulares, previstos em alguns lugares, não devem substituir o discernimento e a potestas regiminis dos Bispos em particular;

g.) as linhas diretrizes devem levar em consideração a legislação do País da Conferência, especialmente no tocante à eventual obrigação de avisar as autoridades civis;

h.) seja assegurado em todos os momentos dos processos disciplinares ou penais um sustento justo e digno ao clérigo acusado;

i.) exclua-se o retorno o clérigo ao ministério público se o mesmo for perigoso para os menores ou escandaloso para a comunidade.

Conclusão:

As linhas diretrizes preparadas pelas Conferências Episcopais intendem proteger os menores e ajudar as vítimas para encontrar assitência e reconciliação. As mesmas deverão indicar que a responsabilidade no tratamento dos delitos de abuso sexual de menores pro parte dos clérigos compete em primeiro lugar ao Bispo diocesano. Por fim, as linhas diretrizes deverão levar a uma orientação comum no seio de uma Conferência Episcopal, ajudando a harmonizar do melhor modo os esforços dos Bispos em particular a fim de salvaguardar os menores.

Roma, da sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 3 de Maio de 2011

William Cardinale Levada
Prefeito

+ Luis F. Ladaria, S.I.
Arcebispo Tit. de Thibica
Secretário

Além dos meios naturais já tratados anteriormente, para um carisma evangélico autentico e vivencia de uma consagração total a Deus, é indispensável o recurso freqüente aos meios espirituais, capazes de nutrir constantemente o fogo do amor divino em nós.

A força da Eucaristia: como vivificadora do celibato. O contato cotidiano com o corpo virginal do Senhor e a Sua presença no intimo do coração; nutridos com o Corpo e o Sangue do Senhor torna-se a grande força e esperança de renovar e acrescentar, dia após dia, a consagração a Cristo e receber o impulso conveniente para fazer do próprio corpo uma hóstia vivente, santo, agradável a Deus (cf. Rm 12,1). O consagrado se sente, além disso, incitado a reproduzir os atos eucarísticos: gratidão, doação radical, oblação, serviço, disponibilidade à Deus e aos irmãos tornando-se pão partilhado e vinho oferecido.

O Sacramento da Reconciliação: completará tal função santificadora com a periódica purificação do coração e com o renovado encontro com a fonte de toda santidade, que encherá o coração de uma nova alegria e gratidão.

Sobre a proteção da Virgem Maria: modelo da nova forma de vida e da consagração da existência ao serviço do Senhor. Também Ela foi escolhida e encontrou graça diante de Deus e, na consciência do Dom e com a sua resposta incessante, torna-se a guia de todos os chamados que, durante a história, se sentem enviados a percorrer o mesmo itinerário de virgindade.

Maria Santíssima é, ao mesmo tempo, a Advogada e a defesa dos virgens. Com a sua poderosa intercessão torna-se vida, doçura e esperança, para todos que percorrem a vida evangélica e oferece aos que recorrem a Ela com humildade, o seu eficaz patrocínio para uma fiel e crescente vida em Cristo.

Uma intensa vida espiritual: alimentada do amor do Esposo e entendida de contemplação e de vigilância, que facilitará o sentir-se na presença de Deus e o doar-se a uma oração que envolva também a dimensão corporal nas suas varias expressões. Um fervente encontro de amizade com o Mestre fará crescer todos os dias na sua intimidade e na comunhão com a sua existência virginal. Uma confiante suplica ao Senhor, para pedir a graça da libertação dos perigos e o Dom da fidelidade, acrescentará a segurança de chegar à meta da santidade.

Na alegria da comunhão fraterna: a castidade se poderá cuidar mais seguradamente, se os consagrados na vida comum saberão praticar um verdadeiro amor fraterno entre eles. É uma afirmação carregada de esperança e de responsabilidade; a comunidade se converte na perseverança e no crescimento vocacional: se existe um afetivo clima de amor vivo e de testemunho visível do “vejam como se amam”, assim o celibatário encontrará o ambiente propicio, um forte sustento nos momentos de dificuldade e de vazio afetivo e um precioso impulso na sua corrida para o acontecimento do seu ideal.

o acompanhamento espiritual: a comunicação com uma pessoa de confiança e de experiência, como um amigo que caminha ao lado, confortará oportunamente nas horas difíceis e aconselhará nas duvidas e nas incertezas. Tantas dificuldades e problemas, não poucas vezes vêem carregados sozinhos, multiplicando os riscos inúteis e suportando um peso desnecessário.

A formação ao celibato é a síntese de natureza e graça, e da colaboração harmônica dos dois níveis, deve nascer à síntese pessoal dos elementos psicológicos e dos transcendentes. De frente às acrescentadas dificuldades atuais, precisará recorrer a alguns meios em doses mais relevantes para contrabalancear os seus influxos contrários.

Conhecimento e aceitação de si mesmo: seja como organismo total nas dimensões fisiológicas, psicológicas, espirituais, seja como realidade corporal e sexual-afetiva, com uma percepção clara dos seus significados positivos no conjunto da personalidade.

Isto comportará também a reconciliação com a história pessoal e, ou seja, a assunção das próprias experiências passadas, seja positiva para dar graças, seja negativa para individuar os pontos fracos, humilhar-se serenamente diante de Deus e ficar vigilante para aquilo que virá ainda. Será de grande alegria para liberar o coração do consagrado de pesos inúteis e para motivá-lo para uma generosa doação a Deus e ao próximo

Uma progressiva visão da existência, como guiada por Deus para a purificação e crescimento individual ou como instrumento da sua sensibilização ao apostolado e à missão especifica do consagrado, constituirá uma grande forte de esperança e de confiança. A maturidade espiritual se mede também sobre esta capacidade de perceber na existência individual a grande historia de salvação.

Uma conveniente maturidade psicológica e afetiva: tal maturidade afetiva supõe a consciência da centralidade do amor na existência humana; a maturidade humana deve saber incluir, no interno dos relacionamentos humanos de serena amizade e de profunda fraternidade, um grande amor, vivo e pessoal, a Cristo Senhor. Como escreveram os padres sinodais na Vita Consecrata: “é de máxima importância no suscitar a maturidade afetiva, o amor de Cristo prolongado em uma doação universal” (VC 44).

Além disso, esta símile pedagogia da maturidade e da integração emotiva requerirá que os consagrados sejam avisados em relação aos perigos nos quais encontrará a castidade, seja no corpo como na mente, e dêem prova de um suficiente domínio nestes campos, demonstrando-se capazes de superar os perigos com o controle do coração e dos sentimentos, do corpo e dos sentidos, do relacionamento com se mesmo e com os outros.

Uma ascese pessoal cotidiana: a mortificação, o cuidado dos sentidos e o domínio de se, especialmente na área da afetividade e da curiosidade sexual presente em todas as idades, serão indispensáveis para impedir possíveis regressões ou dispersões. Somente assim podem ser superadas as dificuldades, que nascem com o passar do tempo e de certa monotonia na própria vida, como também as resistências à natureza de cada um.

Tal exercício da ascese cristã que implica o equilíbrio da pessoa e o esforço constante na busca dos valores superiores, fará que, sem diminuir os meios que alegram à santidade mental e física, o consagrado saiba integrar as energias sexuais e afetivas ao serviço do Reino, criando harmonia no seu intimo e disponibilidade para o compromisso missionário especifico.

SEXUALIDADE HUMANA: VERDADE E SIGNIFICADO – Coselho Pontificio pelas Familias
O ser humano, enquanto imagem de Deus é criado para amar. Esta verdade foi-nos revelada plenamente no Novo Testamento, juntamente com o mistério da vida intra-trinitária: « Deus é amor (1 Jo 4, 8) e vive em si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor. Criando-a à sua imagem…, Deus inscreve na humanidade do homem e da mulher a vocação, e, assim, a capacidade e a responsabilidade do amor e da comunhão. O amor é, portanto, a fundamental e originária vocação do ser humano ». Todo o sentido da própria liberdade, do autodomínio conseqüente, é assim orientado ao dom de si na comunhão e na amizade com Deus e com os outros.
A pessoa é, portanto, capaz de um tipo de amor superior: não o amor da concupiscência, que vê só objetos com que satisfazer os próprios apetites, mas o amor de amizade e oblatividade, capaz de reconhecer e amar as pessoas por si mesmas. É um amor capaz de generosidade, à semelhança do amor de Deus; quere-se bem ao outro porque se reconhece que é digno de ser amado. É um amor que gera a comunhão entre as pessoas, visto que cada um considera o bem do outro como próprio. É um dom de si feito àquele que se ama, no qual se descobre se atua a própria bondade na comunhão de pessoas e se aprende o valor de ser amado e de amar.
Cada ser humano é chamado ao amor de amizade e de oblatividade; e é libertado da tendência ao egoísmo pelo amor de outros: em primeiro lugar pelos pais ou seus substitutos e, em definitivo, por Deus, de quem procede todo o amor verdadeiro e em cujo amor somente a pessoa humana descobre até que ponto é amada. Aqui se encontra a raiz da força educadora do cristianismo: « O homem é amado por Deus! Este é o mais simples e o mais comovente anúncio de que a Igreja é devedora ao homem ». Foi assim que Cristo revelou ao ser humano a sua verdadeira identidade: « Cristo, que é o novo Adão, na mesma revelação do mistério do Pai e do Seu amor, manifesta plenamente o homem ao próprio homem e descobre-lhe a sua altíssima vocação ».
O amor revelado por Cristo « aquele amor, ao qual o apóstolo Paulo dedicou um hino na Primeira Carta aos Coríntios… é, sem dúvida, um amor exigente. Mas nisto mesmo está a sua beleza: no fato de ser exigente, porque deste modo constrói o verdadeiro bem do homem e irradia-o também sobre os outros ». Por isso é um amor que respeita a pessoa e a edifica porque « o amor é verdadeiro quando cria o bem das pessoas e das comunidades, cria-o e dá-o aos outros ».
O ser humano é chamado ao amor e ao dom de si na sua unidade corpórea-espiritual. Feminilidade e masculinidade são dons complementares, pelo que a sexualidade humana é parte integrante da capacidade concreta de amor que Deus inscreveu no homem e na mulher. «A sexualidade é uma componente fundamental da personalidade, um modo de ser, de se manifestar, de comunicar com os outros, de sentir, de expressar e de viver o amor humano ». Esta capacidade de amor como dom de si tem, por isso, uma sua « encarnação » no caráter esponsal do corpo, no qual se inscreve a masculinidade e a feminilidade da pessoa. « O corpo humano, com o seu sexo, e a sua masculinidade e feminilidade, visto no próprio mistério da criação, não é somente fonte de fecundidade e de procriação, como em toda a ordem natural, mas encerra desde “o princípio” o atributo “esponsal”, isto é, a capacidade de exprimir o amor precisamente pelo qual o homem-pessoa se torna dom e — mediante este dom — atuar o próprio sentido do seu ser e existir ». Qualquer forma de amor será sempre marcada por esta caracterização masculina e feminina.
A sexualidade humana é, portanto, um Bem: parte daquele dom criado que Deus viu ser « muito bom » quando criou a pessoa humana à sua imagem e semelhança e « homem e mulher os criou » (Gn 1, 27). Enquanto modalidade de se relacionar e se abrir aos outros, a sexualidade tem como fim intrínseco o amor, mais precisamente o amor como doação e acolhimento, como dar e receber. A relação entre um homem e uma mulher é uma relação de amor: « A sexualidade deve ser orientada, elevada e integrada pelo amor, que é o único a torná-la verdadeiramente humana ». Quando tal amor se realiza no matrimônio, o dom de si exprime, por intermédio do corpo, a complementaridade e a totalidade do dom; o amor conjugal torna-se, então, força que enriquece e faz crescer as pessoas e, ao mesmo tempo, contribui para alimentar a civilização do amor; quando pelo contrário falta o sentido e o significado do dom na sexualidade, acontece « uma civilização das “coisas” e não das “pessoas”; uma civilização onde as pessoas se usam como se usam as coisas. No contexto da civilização do desfrutamento, a mulher pode tornar-se para o homem um objeto, os filhos um obstáculo para os pais ».
Ao centro da consciência cristã dos pais e dos filhos coloca-se esta grande verdade e este fato fundamental: o dom de Deus. Trata-se do dom que Deus fez chamando-nos à vida e a existir como homem ou mulher numa existência irrepetível e carregada de inexauríveis possibilidades de desenvolvimento espiritual e moral: « A vida humana é um dom recebido a fim de, por sua vez, ser dado ». « O dom revela, por assim dizer, uma característica particular da existência pessoal, ou antes, da própria essência da pessoa. Quando Deus (Javé) diz que “não é bom que o homem esteja só (Gn 2, 18), afirma que “sozinho” o homem não realiza totalmente esta essência. Realiza-a somente existindo “com alguém” — e ainda mais profundamente e mais completamente: existindo “para alguém” ». É na abertura ao outro e no dom de si que se realiza o amor conjugal sob a forma de doação total que é própria deste estado. E é sempre no dom de si, apoiado por uma graça especial, que toma significado a vocação à vida consagrada, « forma eminente de se entregar mais facilmente a Deus só, com um coração indiviso » para servi-lo mais plenamente na Igreja. Em todas as condições e estados de vida, todavia, este dom torna-se ainda mais admirável pela graça redentora, pela qual nos tornamos « participantes da natureza divina » (2 Pd 1, 4) e somos chamados a viver juntos a comunhão sobrenatural de caridade com Deus e com os irmãos. Os pais cristãos, até nas situações mais delicadas, não podem esquecer que, como fundamento de toda a história pessoal e doméstica, está o dom de Deus.
« Enquanto espírito encarnado, isto é, alma que se exprime no corpo informado por um espírito imortal, o homem é chamado ao amor nesta sua totalidade unificada. O amor abraça também o corpo humano e o corpo torna-se participante do amor espiritual ». À luz da Revelação cristã lê-se o significado inter-pessoal da própria sexualidade: « A sexualidade caracteriza o homem e a mulher não somente no plano físico, como também no psicológico e espiritual, marcando toda a sua expressão. Esta diversidade, que tem como fim a complementaridade dos dois sexos, permite responder plenamente ao desígnio de Deus conforme a vocação à qual cada um é chamado ».

1 – Sexualidade e Relações Humanas
A constituição morfológica e fisiológica do nosso corpo está talhada para uma interação sexual. Podemos dizer a mesma coisa da nossa vida psíquica. A sexualidade é um instinto vital que marca os indivíduos até ao nível genético. Somos portadores de cromossomas sexuais. Somos seres sexualmente entretecidos, tanto a nível biológico como psíquico. Estamos talhados para a relação, para o face a face amoroso. Ninguém vê diretamente o seu próprio rosto. Apenas vemos de modo direto o rosto dos outros.
Devido à presença envolvente da sexualidade, as nossas relações são todas sexuadas. Não devemos confundir este termo com relações sexuais ou genitais. Dizer que as nossas relações são sexuadas significa que é como seres sexuados que nos relacionamos com os outros. A sexualidade confere às nossas relações o caráter da diferença. Isto a todos os níveis: relações sociais, profissionais, desportivas, culturais ou as relações entre pais e filhos. Diferença, aqui, não quer dizer melhor ou pior. Significa que reagimos de modo diferente consoante nos relacionemos com pessoas da nossa condição sexual ou de condição sexual diferente.
É importante termos consciência deste fato, a fim de vivermos as nossas relações de modo consciente e sem tabus ou sentimentos de culpa. Foi Deus que nos quis assim. Devemos aceitar esse fato e orientar a nossa afetividade no sentido do amor e da comunhão fraterna. De fato, a nível humano, a sexualidade atinge a sua perfeição no amor. Relações sexuais sem amor reduzem o outro a mero objeto de prazer. Procriar sem amor é pecado.
2 – Significado de uma opção celibatária
Nascemos para renascer. A pessoa humana não nasce acabada. Somos chamados a realizarmo-nos a partir de um leque de possibilidades que recebemos. Começamos por ser o que os outros fizeram de nós: Os evangelhos dizem que uns recebem cinco talentos, outros três, dois, ou um. Ninguém é culpado por ter recebido um. Também ninguém é herói por ter recebido cinco (Mt 25, 14-30; Lc 19, 12-27).
O importante é o modo como nos realizamos com os talentos que recebemos dos demais. A pessoa não é igual aos talentos que recebeu, mas sim aos que realiza. O homem realiza-se, realizando; faz-se, fazendo. Por isso somos julgados por termos, ou não feito render os talentos. Uma pessoa é fecunda na medida em que gera vida humana. Não é o número de filhos que torna uma vida fecunda, mas a densidade de amor com que esses filhos foram acolhidos e preparados para a vida. Isto só pode acontecer através de uma história de amor, o que é muito mais que o mero ato de procriar. A fecundidade de uma pessoa mede-se, portanto, em termos de humanização. Uma vida será tanto mais fecunda quanto mais for agente de humanização para si e para os outros.
Quantas crianças procriadas sem amor! Muitas destas, porém, foram acolhidas e bem amadas. Hoje são homens e mulheres felizes e realizados. Os pais humanos destas pessoas são os que as acolheram e amaram, possibilitando-as para uma vida feliz. De fato, ninguém é capaz de amar antes de ser amado. O mal amado ama mal, isto é, com condicionamentos e bloqueios. É vítima, não culpado. De qualquer modo recebeu condicionamentos que limitam a sua realização. Em termos evangélicos, o pior mal que pode acontecer a uma pessoa é ser estéril, isto é, não dar frutos de humanização. É cupavelmente estéril a pessoa que se recusa a amar. É a figueira estéril que não tomar parte no pomar da vida (Mt 21, 19-20; Mc 11, 13-20; Lc 13, 6-7).
A virgindade ou celibato por amor do Evangelho é um dom que Deus concede a algumas pessoas. Deus não pede uma opção deste tipo a todos os crentes. A pessoa que faz esta opção deve sentir que está a escolher o melhor para si. Ao agir assim, a pessoa sente que esta é a maneira de ter uma vida mais fecunda.
O celibatário sabe que fez a melhor escolha para si, mas não pretende impô-la aos outros. Os carismas são diferentes e acontecem segundo a originalidade de cada pessoa. Não somos seres feitos em série. Cada pessoa é única, original e irrepetível. Uma pessoa a quem tenha sido dado o dom de se consagrar à causa do Evangelho de modo celibatário será menos fecunda se optar doutro modo.
Não está a ser plenamente fiel aos seus talentos. Mas seria completamente errado pensar que a opção pelo celibato, só por si, é superior à opção pelo matrimônio. Neste aspecto, a pessoa deve optar segundo sente ser o melhor para si. Será este o modo de ter uma vida mais fecunda e, portanto, atingir uma realização mais plena e ser mediação de realização para os outros. A parábola das virgens insensatas diz que estas não entraram no Reino de Deus (Mt 25, 1-13). Na Igreja há uma grande diversidade de dons ou carismas. Aquilo que é a melhor opção para uma pessoa pode não o ser para outra.
O celibatário que opta assim para se consagrar ao Reino de Deus não é um desenraizado em termos familiares. Ele deve empenhar-se seriamente na edificação da Família de Deus, sabendo que esta não assenta nos laços da carne e do sangue, mas sim nos laços do Espírito Santo: “Todos os que são movidos pelo espírito de Deus são filhos de Deus. Vós não recebestes um espírito de escravidão, mas o Espírito de adoção graças ao qual chamais “Abba”, papá. Se sois filhos sois igualmente herdeiros. Herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo” (Rm 8, 14-16).
Se o celibato é vivido em função do Reino de Deus, a sua vida será muito fecunda em termos de edificar família. A fecundidade espiritual, na história, é muito mais duradoira que a fecundidade procriadora: Cristo, São Bento, Santa Clara, São Francisco, Madre Teresa de Calcutá e tantos outros fundadores de famílias espirituais cuja fecundidade se prolonga pelos séculos fora. Estas pessoas, apesar de não terem procriado, deixaram na história uma multidão de filhos e filhas que prolongam a sua obra pelos séculos fora.
A opção celibatária adquire um sentido muito especial na consagração religiosa. O religioso está chamado a viver em comunidade. A construção da comunidade é a edificação da família de Deus, a qual não assenta na carne e no sangue, mas no Espírito Santo: “Mas aos que receberam Cristo, aos que crêem nele, deu-lhes o poder se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram dos laços do sangue ou do impulso da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus” (Jo 1, 12-13).
Deus é a primeira realidade familiar. Ainda antes de existir o Universo já existia uma comunhão familiar de três pessoas. Esta é a nossa vocação fundamental: ser membros da família de Deus (Ga 4, 4-7). Para pertencermos à Família de Deus temos de nascer de novo mediante o Espírito Santo, diz o evangelho de João (Jo 3, 6). Vista nesta óptica, a vocação religiosa completa a linguagem sacramental do matrimônio. As pessoas que casam estão chamadas a edificar uma família humana cuja plenitude acontecerá na incorporação do Reino de Deus que é a Família Divina.
A vida religiosa proclama que a família de Deus assenta não nos vínculos da carne e do sangue, mas nos laços do Espírito Santo: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 8, 21). A esta luz torna-se claro que a paternidade e a maternidade humana são mediações da paternidade e maternidade divina.
No Céu já não existem laços de sangue. Na plenitude da ressurreição os seres humanos são totalmente pneumáticos, isto é, “como os anjos de Deus” (Lc 21, 34-36). Na medida em que as famílias se abram à ação do Espírito Santo começarão a abrir-se à comunhão para lá dos laços do sangue. O Espírito Santo abre o nosso coração à fraternidade, condição para sermos filhos do Pai do Céu. Do mesmo modo, Na medida em que as comunidades religiosas se abram ao Espírito Santo, tenderão a constituir-se cada vez mais como famílias que cujos vínculos assentam nos laços do Espírito Santo.