De alguns anos para cá tem sido desenvolvida uma poderosa campanha, por parte da mídia e de grupos (pseudo) católicos, contra o celibato, especialmente o sacerdotal. É fato que tais ataques coincidem com a crise que assola a Igreja desde meados da década de 1960 e com a chamada “revolução sexual” – que veio como efeito colateral ao surgimento de métodos anticoncepcionais altamente eficazes. Houve, nesse período, forte mudança na mentalidade ocidental, que vinha se caracterizando, desde o final do século XVIII – especialmente – por uma constante secularização de seus costumes. Porém, na segunda metade do século XX, esse fenômeno intensificou-se muito, com boa parte da sociedade ignorando cada vez mais os princípios de uma via cristã reta.
O celibato é um dos grandes presentes que Deus concede à Igreja. O próprio Deus feito homem – e perfeito homem -, Jesus Cristo, assumiu a condição de celibatário. Não só Ele, como também a mais perfeita das criaturas – a Santíssima Sempre Virgem Maria – e também seu castíssimo esposo, São José. Todos eles, celibatários. Os apóstolos, também, celibatários. Mesmo São Pedro, que possuía uma sogra – e, por extensão e obviamente, uma esposa – abandonou tudo para seguir a Jesus. E “tudo” pressupõe uma entrega, de fato, total, pois São Paulo explicita que o homem casado deve dividir suas atenções entre Deus e a família, e o fato de São Pedro ter deixado tudo para trás indica total dedicação ao apostolado.
A grande tradição espiritual da Igreja ainda sustenta que o perfeito modelo de homem a ser seguido é, evidentemente, o de Nosso Senhor, o que deixa claríssimo que a pessoa que esteja disposta a buscar um estado de “maior perfeição”, por assim dizer, deve buscar o celibato. O celibatário imita, com maior perfeição, à Nosso Senhor.
Além disso, conforme bem nos indica São Paulo, o celibatário pode dedicar-se integralmente suas atenções ao apostolado, enquanto o casado deve santificar-se tanto no apostolado, como na vida em família, ou seja, dividindo atenções. Principalmente no caso dos sacerdotes, a dedicação total aos trabalhos apostólicos é fundamental. Já nos ensina o Mestre: “a messe é grande e pouco são os operários”. De fato, Cristo, com essa afirmação, acaba anunciando que o número de fiéis será sempre grande, e que o número de pessoas dispostas a servi-Lo com seriedade seria pequeno. Ocorre que, da década de 1960 para cá, o número de vocações caiu assustadoramente. Inclusive, um número impressionante de sacerdotes pediu dispensa de suas funções, nesse período. Esse é o mote de que muitos (pseudo) católicos precisavam: a solução para tal crise seria, portanto, acabar com o celibato obrigatório. Com isso haveria aumento no número de vocações. Nada mais falso.
O núcleo deste argumento é que o celibato não é um dogma, antes uma disciplina da Igreja que, assim como foi instituída em um determinado período, pode ser revogada a qualquer momento. A questão não é tão simples assim. O celibato tornou-se disciplina obrigatória para os sacerdotes, na Igreja Latina, a partir do século XI. Isso não significa que, antes disso, havia enorme quantidade de padres casados, muito pelo contrário.
No Ocidente foi notável o número de sacerdotes que, livremente, decidiam-se a ser celibatários, tanto para buscar melhor imitação de Cristo, como para dedicar-se com mais afinco às atividades sacerdotais. Os próprios bizantinos, antes do cisma de 1054, achavam estranho essa postura dos sacerdotes ocidentais em manter-se, em sua ampla maioria, celibatários. Além disso, vários concílios regionais já haviam optado pelo celibato obrigatório aos sacerdotes, vendo os grandes benefícios que esta condição trazia.
Passado um milênio, não é assim tão simples alterar uma norma como essa. A própria implantação dessa norma foi em um contexto no qual o celibato já era a “regra” para os sacerdotes, e não a “exceção”. Está fortemente arraigada, na mentalidade ocidental, a noção de sacerdócio associado ao celibato. E essa é uma regra que trouxe impressionantes frutos para a Igreja, ao longo dos séculos, especialmente pensando as audazes missões, como a dos jesuítas, por exemplo, que seriam completamente impossibilitadas para uma pessoa com família.
Porém, os argumentos desses grupos não acabam por aí. Com muita audácia, sustentam que, com o fim do celibato obrigatório, haveria um aumento considerável no número de vocações, resolvendo assim o problema da escassez de sacerdotes. A falta de fé, contida nesse argumento, é impressionante. Como mencionado anteriormente, o próprio Cristo avisou que haveria poucos operários para a messe, e ordenou (sim, no imperativo): “Rogai, pois, ao Senhor da messe, para que envie mais operários”. Parece que para algumas pessoas é muito difícil a oração, e preferem revoltar-se contra as disposições da Igreja a seguir as recomendações do Senhor. Além disso, como a própria etimologia da palavra indica, a “vocação” é algo dado por Deus, um chamado. Ora, como assegurar, então, que, cessando a norma do celibato, aumentaria – certamente – o número de sacerdotes? Como essas pessoas sabem que Deus suscitaria mais vocações nesse caso? Acaso é possível fazer uma análise estatística e probabilística sobre a ação de Deus na vida das pessoas?
Alguns acabam esquecendo que a Igreja possui as chaves do céu e da terra, e que tudo que for ligado/desligado na terra será ligado/desligado no céu. Ora, a Igreja sabiamente “desligou” a possibilidade (ao menos na Igreja Latina, no Ocidente) de pessoas casadas tornarem-se sacerdotes. Logo, Deus – em conformidade com a promessa feita por Jesus – também “desliga” essa possibilidade: pessoas casadas definitivamente não possuem vocação sacerdotal. Evidente que para pessoas com um resquício mínimo de fé, como esses (pseudo) católicos, fica difícil aceitar esse argumento. Por outro lado, uma pessoa com verdadeira confiança em Deus sabe que a Divina Providência guia indiretamente a Igreja e que Cristo, verdadeira cabeça da Igreja, faz Sua Vontade prevalecer.
Também é importante lembrar que há várias igrejas orientais, em perfeita comunhão com Roma, nas quais o celibato não é regra e há, portanto, sacerdotes casados. Um exemplo dessas é a Igreja Maronita. No último Sínodo dos Bispos, realizado em 2005 por ocasião do encerramento do Ano da Eucaristia, a questão do celibato foi tratada por nossos amados pastores. Dentre esses bispos, participou o Cardeal Nasrallah Pierre Sfeir, Patriarca da Antioquia dos Maronitas (Líbano). Ele explicou que o celibato não é solução para a falta de clero, explicando que: “a metade de nossos sacerdotes diocesanos estão casados. Mas terá que reconhecer que se o matrimônio dos sacerdotes resolve um problema, também cria outros graves”. Ele argumenta que “um sacerdote casado tem o dever de ocupar-se de sua esposa e de seus filhos, de lhes assegurar uma boa educação, de lhes garantir o futuro”. “Outra dificuldade para um sacerdote casado pode ser a de não entender-se com seus paroquianos. Apesar disso, seu bispo não pode transferi-lo devido à impossibilidade de que sua família se desloque com ele”.
E conclui: “o celibato é a jóia mais preciosa do tesouro da Igreja Católica”. Na Igreja Maronita também há escassez de sacerdotes, mesmo não havendo celibato obrigatório.
Então, qual seria a explicação para a escassez de vocações? Ora, a crise no clero está associada a uma crise mais ampla, da sociedade como um todo. Não há apenas falta de sacerdotes, mas carência de matrimônios cristãos, onde o casal esteja aberto a receber os filhos que Deus queira enviar, com muita generosidade, educando os filhos num ambiente verdadeiramente cristão. Aliás, se a maioria das famílias se preocupassem de fato a dar uma educação cristã digna à seus filhos, certamente haveria muito mais vocações sacerdotais e religiosas. Tanto que em grupos católicos onde a fé é vivida com mais seriedade, como na RCC, Regnum Christi, dentre outros movimentos, há enorme abundância de vocações. Logo vê-se que o problema não é a falta de vocações, mas sim a falta de fé.
Impressionante ainda é o fato de que muitas pessoas, mesmo não católicas, optam pelo celibato. Eu mesmo conheço uma pessoa assim, que optou, em boa parte de sua vida (até hoje, aliás), a não formar uma família, pois deveria cuidar dos pais gravemente doentes. Há, ainda, muitos leigos, atualmente, que praticam o celibato apostólico – não religioso. Essa escolha é feita por amor à Cristo, para dedicar sua vida exclusivamente ao apostolado, além de manter as atividades normais de um leigo, notadamente um trabalho profissional.
Mais curioso, porém, é o argumento sobre a dificuldade de manter-se celibatário. As pessoas olham com pena a um celibatário, pensando: “coitadinho, não vai ter família”. Ou – pior ainda – “nunca vai manter uma relação sexual”. Esquecem que Cristo prometeu que daria cem vezes mais àqueles que entregaram tudo – e isso inclui a família, eventualmente – por amor a Ele. E que a vocação, seja ela ao celibato ou ao matrimônio, é um presente maravilhoso de Deus que deve ser acolhido com muita alegria. Pior ainda é aqueles que defendem que, caso os padres fossem casados, haveria a diminuição dos problemas de homossexualidade no clero, e de pedofilia, afinal é “muito difícil” manter o celibato. Ora, se por um lado o celibatário abre mão de todas as mulheres do mundo, por outro lado a pessoa casada abre mão de todas, menos uma – que é a sua esposa. A diferença é apenas de uma pessoa, afinal também não é nada fácil para um marido manter-se fiel à sua esposa, especialmente sabendo que Cristo assegurou-nos que aquele que apenas deseja uma mulher com o olhar já cometeu adultério no coração. É muito difícil viver essa pura intenção na prática, e por acaso alguém aí defende a poligamia para os cristãos? Ou a infidelidade conjugal? Afinal, Deus concede graças especiais para as pessoas viverem santamente em seu estado, seja o celibato, seja o matrimônio, e portanto as falhas provêm de nossas misérias e fraquezas, e não pela impossibilidade de manter-se casto no celibato ou no matrimônio.
O mais importante disso tudo é que, em todas as circunstâncias, o celibato é um ato extremo de amor. Em alguns casos, amor dos filhos em relação aos pais gravemente doentes, e que precisam de cuidados especiais; no caso de muitos cristãos, um profundo amor a Deus. Amor tão grande que possibilita a própria negação de si mesmo, afinal, Cristo exige grandes renúncias para segui-Lo: a uns pede mais – o celibato, ou seja, a própria vida – e a outros pede um pouco menos. E essa entrega não encerra em si tristeza, muito pelo contrário, é fonte de grande alegria, pois cumprir a vontade de Deus em nossas vidas é sempre a maior felicidade que podemos alcançar. O que não podemos permitir, como cristãos, é que o maravilhoso dom do celibato seja atacado covardemente por pessoas que, infelizmente, não conseguem compreender a grandeza de amor que este encerra em si.