Um outro desafio de imensas proporções vem de dessas filosofias características do período pós-moderno em que vivemos. A primeira delas é o pluralismo. Como o nome já indica, essa filosofia defende a pluralidade da verdade, ou seja, que não existe uma verdade absoluta, mas sim verdades diferentes para cada pessoa. Esse conceito é ambíguo, mas definitivamente já faz parte integrante da nossa cultura presente. Ele defende o relacionamento de pessoas com ideologias diferentes, sem que uma tenha de sujeitar suas convicções ao domínio da outra. A idéia de converter alguém às suas próprias convicções é politicamente incorreta. A chave está na valorização da negociação e da cooperação em lugar de se tentar provar que se está certo ou errado.
O pluralismo religioso, por sua vez, prega o abandono da “arrogância” teológica do cristianismo, nega que exista verdade religiosa absoluta, e exalta a experiência religiosa individual como critério último para cada um. O pluralismo religioso defende uma nova teoria missiológica, onde não mais se prega a necessidade de conversão de outras religiões ao cristianismo, e sim a cooperação entre todas as religiões, naquilo que têm em comum. O pressuposto é que o cristianismo não é o único caminho para Deus, embora seja o melhor, e que Deus está agindo salvadoramente no âmbito de outras religiões, como as religiões orientais.
A outra filosofia é o pragmatismo. Seu popularizador, o psicólogo americano William James, afirmou que idéias humanas eram verdadeiras se funcionassem ou fossem úteis para resolver problemas. Já que o funcionamento e utilidade das idéias variam de contexto para contexto, segue-se que a verdade é relativa. O pragmatismo dominou rapidamente a cultura americana e estendeu-se para além das suas fronteiras. Adotar as coisas que realmente preservam a paz individual e uma situação financeira confortável, sem qualquer preocupação com princípios fixos de certo ou errado é evidentemente a idéia que controla procedimentos internacionais, domésticos e individuais. Princípios absolutos têm pouco ou nenhum lugar no pensamento ocidental moderno.
Não devemos, portanto, pensar que o pragmatismo é um fenômeno ocidental. Seu princípio fundamental é inerente ao coração humano. Uma das quatro premissas básicas do substrato filosófico e religioso da Ásia, por exemplo, pode ser resumida neste parágrafo: “É direito de cada pessoa religiosa aceitar e praticar qualquer maneira de viver que achar útil ao seu modo de pensar e às suas circunstâncias sociais peculiares”.
O pluralismo e o pragmatismo andam geralmente de mãos dadas. Onde o conceito de verdade absoluta deixa de existir (pluralismo), as pessoas e as organizações passam a orientar as suas decisões em termos daquilo que mais satisfaz as suas necessidades (pragmatismo). A combinação destas duas filosofias aparece claramente em vários movimentos presentes nas igrejas cristãs, e representam um novo desafio ao cristianismo em geral. A pergunta que as pessoas fazem com relação ao cristianismo não é se ele é a verdade ou não, mas simplesmente se funciona. Elas querem saber se vai mudar a vida delas para melhor, se Cristo realmente é poderoso para transformá-las, e pode dar-lhes paz, alegria, esperança e propósito às suas existências.
Toda a vida de Cristo se desenvolveu no Espírito Santo. São Basílio afirma que o Espírito Lhe foi “companheiro inseparável em tudo” (De Spir. S. 16) e oferece-nos esta admirável síntese da história de Cristo: “Vinda de Cristo: o Espírito Santo precede; encarnação: o Espírito Santo está presente; ações milagrosas, graças e curas; através do Espírito; os demônios expulsos, o diabo aprisionado: mediante o Espírito Santo; remissão dos pecados, união com Deus: mediante o Espírito Santo; ressurreição dos mortos: por virtude do Espírito Santo” (Ibid. 19). Depois de meditarmos sobre o batismo de Jesus e a Sua missão realizada no poder do Espírito, queremos agora refletir acerca da revelação do Espírito na “hora” suprema de Jesus, a hora da Sua morte e ressurreição.
A presença do Espírito Santo no momento da morte de Jesus deve-se supor já pelo simples fato que na cruz morre, na sua natureza humana, o Filho de Deus. Se “unus de Trinitate passus est” (DS, 401), isto é “se aquele que sofreu é uma Pessoa da Trindade”, na Sua paixão torna-se presente toda a Trindade, portanto também o Pai e o Espírito Santo. Devemos, porém, perguntar-nos: qual foi precisamente a participação do Espírito na hora suprema de Jesus? A esta pergunta só é possível responder se compreende o mistério da redenção como mistério de amor. O pecado, que é rebelião da criatura contra o Criador, interrompera o diálogo de amor entre Deus e os Seus filhos. Com a Encarnação do Filho Unigênito, Deus exprime à humanidade pecadora o Seu amor fiel e apaixonado, a ponto de Se tornar vulnerável em Jesus. O pecado, por sua parte, manifesta no Gólgota a sua natureza de “atentado contra Deus”, de maneira que todas as vezes que os homens voltam a pecar gravemente, como diz a carta aos Hebreus, “crucificam o Filho de Deus em si mesmos, expondo-O à ignomínia” (cf. 6,6). Ao entregar o seu Filho pelos nossos pecados, Deus revela-nos que o Seu desígnio de amor precede qualquer mérito nosso e supera abundantemente todas as nossas infidelidades. “Nisto consiste o [Seu] amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o Seu Filho como propiciação pelos nossos pecados”. (1 Jo 4,10).
A paixão e morte de Jesus é um inefável mistério de amor, no qual estão envolvidas as três Pessoas divinas. O Pai tem a iniciativa absoluta e gratuita: Ele é o primeiro a amar e, ao entregar o Filho às nossas mãos homicidas, expõe o Seu bem mais querido. Como diz Paulo, Ele “não poupou o próprio Filho”, isto é, não O conservou para Si como um tesouro cioso, mas “entregou-O por todos nós” (Rm 8,32). O Filho compartilha plenamente o amor do Pai e o Seu projeto de salvação: “Entregou-Se a Si mesmo pelos nossos pecados… segundo a vontade de Deus, nosso Pai” (Gl 1,4). E o Espírito Santo? Assim como no íntimo da vida trinitária, também nesta circulação de amor, que se realiza entre o Pai e o Filho no mistério do Gólgota, o Espírito Santo é a Pessoa-Amor, para a qual converge o amor do Pai e do Filho. A carta aos Hebreus, desenvolvendo a imagem do sacrifício, declara de forma específica que Jesus Se ofereceu “com um Espírito eterno” (9,14). Na Encíclica Dominum et vivificantem mostrei que neste trecho “Espírito eterno” indica precisamente o Espírito Santo: assim como o fogo consumia as vítimas sacrificais dos antigos sacrifícios rituais, assim também “o Espírito Santo agiu de modo especial nesta auto-doação absoluta do Filho do homem, para transformar o sofrimento em amor redentor” (n. 40). “O Espírito Santo como Amor e Dom desce, em certo sentido, ao próprio coração do sacrifício que é oferecido na Cruz. Referindo-nos à tradição bíblica, podemos dizer: Ele consuma este sacrifício com o fogo do Amor, que une o Filho ao Pai na comunhão trinitária. E dado que o sacrifício da Cruz é um ato próprio de Cristo, também neste sacrifício Ele “recebe” o Espírito Santo” (Ibid.n. 41). Justamente na liturgia romana, o sacerdote reza antes da comunhão com estas significativas expressões: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, que por vontade do Pai e por obra do Espírito Santo, morrendo deu a vida ao mundo…”.
A história de Jesus não termina com a morte, mas abre´se à vida gloriosa da Páscoa. “Mediante a ressurreição dos mortos, Jesus Cristo, Nosso Senhor” foi “constituído Filho de Deus com poder, segundo o Espírito de santificação” (cf. Rm. 1,4). A ressurreição é o complemento da Encarnação e acontece também ela, como a geração do Filho no mundo, “por obra do Espírito Santo”, “Nós – afirma Paulo em Antioquia da Pisídia – estamos aqui para vos anunciar a Boa Nova de que a promessa feita a nossos pais, Deus a cumpriu em nosso benefício, para nós Seus filhos, ressuscitando Jesus, como está escrito no salmo segundo: “Tu és Meu Filho, Eu gerei-Te hoje” (At. 13,32). O Dom do Espírito que o Filho recebe em plenitude na manhã de Páscoa é por Ele efundido em superabundância na Igreja. Aos Seus discípulos reunidos no cenáculo, Jesus diz: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22) e comunica-O “como que através das feridas da Sua crucifixão: “mostrou-lhes as mãos e o lado”“. (Dom. et viv., 24). A missão salvífica de Jesus sintetiza-se e cumpre-se na comunicação do Espírito Santo aos homens, para os reconduzir ao Pai.
Se a “obra-prima” do Espírito Santo é a Páscoa do Senhor Jesus, mistério de sofrimento e de glória, através do dom do Espírito é possível também aos discípulos de Cristo sofrer com amor e fazer da cruz a via para a luz: “per crucem ad lucem”. O Espírito do Filho dá-nos a graça de termos os mesmos sentimentos de Cristo e de amarmos como Ele amou, a ponto de oferecer a vida pelos irmãos: ”Ele deu a Sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos” (1 Jo 3,16). Ao comunicar-nos o seu Espírito, Cristo entra na nossa vida, para que cada um de nós possa dizer como Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Assim, toda a vida se torna uma Páscoa contínua, uma incessante passagem da morte para a vida, até à Páscoa derradeira, quando passaremos também nós, com Jesus e como Jesus, “deste mundo para o Pai” (Jo 13,1). Com efeito – afirma Santo Ireneu de Lião – “aqueles que receberam e trazem o Espírito de Deus são conduzidos ao Verbo, isto é, ao Filho, e o Filho acolhe-os e apresenta-os ao Pai, e o Pai dá-lhes a incorruptibilidade”. (Demonstr. Ap., 7).
Precisamos partir da palavra hebraica de gênero feminino ruah, que foi traduzida para o grego (pneuma) e para o latim (spiritus) com duas palavras que ainda acusam o sentido sensível de “vento”, “vento que sopra”, e que também no significado de espírito acentuam a dimensão de dinamismo de maneira muito mais forte do que as dimensões do insensível ou da reflexão. Equivocações são quase inevitável o que se pode constatar também com relação ao discurso da dogmática tradicional sobre o Espírito Santo. O significado básico de ruah e simultaneamente vento e respiração, mas ambos não como essencialmente presentes, mas como força que se encontra no golpe do sopro do vento cujo de onde e aonde permanece enigmático.
Com referencia a Gn 1, 2, no sentido fundamental dinâmico da palavra e bafejar, soprar, bramar. Segundo a experiência do homem bíblico, a criação, em todos os seus elementos, e de fato, algo que possui e comunica vida. Isso e expresso pela antropologia bíblica sob varias imagens. E tudo isso porque o sopro de vida passa sobre a face da terra inteira.
O próprio Espírito e a ação geradora de Deus através de quem todas as criaturas são chamadas à vida: e ainda o Espírito o ek-stasis de Deus, isto e, o Deus-fora-de-si, o Deus que, por própria escolha e liberdade, comunica-se aos homens saindo de si e criando; a Trindade econômica vem nos manifestar o abissal mistério de Amor contido na Trindade imanente, amor este comunicado e partilhado na criação.
Por ruah/pneuma em imediata associação com vento e respiração e ademais com vida, não constitui, na verdade, nenhum acaso. Acha-se ai em jogo também experiência mítica, sem duvida também elementar; respirar ou não respirar distinguem o homem vivo do morto, e, de mais a mais o respirar associa o homem com o vento, ou seja, com a força vital cósmica.
Pelo epirito/respiracao-vento, o homem sabe-se ligado com Deus. E com a respiração liga-se também a palavra, a linguagem, e com a linguagem o pensamento, que, para os hebreus, não se origina na cabeça, mas no coração. O Espírito é o principio da vida e da atividade vital; o espírito da vida é o hálito (Gn 6,17; 7,15-22; Eclo 38,23; Sb 15,11. 16). A respiração é o hálito de Deus, o sopro comunicado ao homem por insuflação divina. Iahweh forma o espírito, e volta a ele na morte. Esta concepção do espírito está na base de Ecl 3,19-21, onde o espírito do homem e a respiração dos animais são identificados; o espírito deixa o homem como deixa o animal e não há diferença para onde vai. Esta não é uma concepção do espírito como alma e, de fato, semelhante concepção não ocorre em parte alguma no Antigo Testamento. O espírito como principio de vida é quase sempre considerado como um elemento estranho ao homem, dado por Deus e tirado por ele.
Na época primitiva, o Espírito de Deus teve em dois contextos lugar firme: na liderança carismática e na profecia extática. Em ambos os casos, ruah e forca dinamico-explosiva que sobrevêm ao homem e o capacita para ações especiais.
Quando, pois, na profecia exílica e pós-exilica se fala de concessão do Espírito de Deus a todo o povo de Israel, este fato associa-se com a radical reflexão sobre si feita por Israel, que, depois da destruição do templo no ano de 587 a.C. considerou necessária uma renovação profunda de todo o povo de Deus, o que só era possível pela doação com “novo coração e novo espírito”.
O espírito no AT, originalmente o vento e o sopro são concebidos como uma entidade divina dinâmica, pela qual Iahweh realiza seus objetivos: ele salva, é uma força criadora e carismática, e como agente da sua ira é um poder demoníaco. Todavia, é impessoal. Como o vento, do qual não se pode descobrir de onde vem nem para onde vai, e, portanto a ele são atribuídos os efeitos que aos homens parecem misteriosos. Ele é colocado em contraste com a carne; o espírito é diverso da carne como o homem da divindade. Isso não significa espiritual no sentido de imaterial; não é evidente que um conceito do imaterial existisse no Antigo Testamento. O espírito não é oposto ao material, mas à carne: as partes mortais, corruptíveis, fracas e pecadoras do homem. O espírito não é carne; e o AT não pôde dizer mais nada a esse respeito. Só o Novo Testamento, principalmente os escritos paulinos pôde tratar mais a fundo esta questão.
Por neo-pentecostalismo pode-se dizer daqueles movimentos surgidos em décadas recentes, que são desdobramentos do pentecostalismo clássico do início do século, mesmo que abandonaram algumas de suas ênfases características e adquiriram marcas próprias, como ênfase em revelações diretas, curas, batalha espiritual, e particularmente uma maneira sobrenaturalista de encarar a realidade espiritual. A hermenêutica destes movimentos é caracterizada por uma leitura das Escrituras e da realidade sempre em termos da ação sobrenatural de Deus. Deus é percebido somente em termos de sua ação extraordinária. Para o neo-pentecostal típico, Deus o guia na vida diária através de impulsos, sonhos, visões, palavras proféticas, e dá soluções aos seus problemas sempre de forma miraculosa, como libertações, livramentos, exorcismos e curas. A doutrina que define mais que qualquer outra, as igrejas cristãs no Brasil hoje, é a crença em milagres. É claro que não se está dizendo que crer em milagres seja errado. O que se está dizendo é que, na hora que a crença em milagres contemporâneos e diários passa a ser a característica maior da Igreja, algo está errado.
A hermenêutica sobrenaturalista do neo-pentecostalismo representa um desafio para a identidade do Espírito Santo, pois tende a menosprezar uma das doutrinas típicas do cristianismo, que é a providência de Deus. Partindo das Escrituras, os cristãos usam o termo providência para se referir à ação de Deus, pelo seu Espírito, agindo no mundo através de pessoas e circunstâncias da vida para atingir seus propósitos. Esses meios não são intervenções miraculosas ou extraordinárias de Deus na vida humana, mas simplesmente meios naturais secundários.
O neo-pentecostalismo, por enfatizar a ação sobrenatural e miraculosa de Deus no mundo (a qual não negamos, diga-se), acaba por negligenciar a importância da operação do Espírito Santo através de meios secundários e naturais. Essa negligência torna-se mais séria quando nos conscientizamos que o Espírito normalmente trabalha através de meios secundários e naturais para salvar os pecadores. Acredita-se não ser difícil de provar que a maioria dos cristãos foram salvos através de meios naturais – como o testemunho de alguém, a leitura da Bíblia, a pregação da Palavra – e não através de intervenções miraculosas e extraordinárias, como foi a conversão de Paulo.
Como resultado do sobrenaturalismo neo-pentecostal, as igrejas cristãs por ele afetadas tendem a considerar os meios naturais como sendo espiritualmente inferiores. Um bom exemplo é a tendência de não se tomar remédios, como sendo falta de fé. Um outro resultado é a diminuição da pregação do Evangelho como meio de salvação dos pecadores, e a ênfase nos milagres como meio evangelístico. Assim, a obra do Espírito na Igreja e no mundo através dos meios naturais secundários é negligenciada, com graves e perniciosos efeitos nas vidas dos que abraçam a cosmo-visão neo-pentecostal.
Toda a vida de Cristo se desenvolveu no Espírito Santo. São Basílio afirma que o Espírito Lhe foi “companheiro inseparável em tudo” (De Spir. S. 16) e oferece-nos esta admirável síntese da história de Cristo: “Vinda de Cristo: o Espírito Santo precede; encarnação: o Espírito Santo está presente; ações milagrosas, graças e curas; através do Espírito; os demônios expulsos, o diabo aprisionado: mediante o Espírito Santo; remissão dos pecados, união com Deus: mediante o Espírito Santo; ressurreição dos mortos: por virtude do Espírito Santo” (Ibid. 19). Depois de meditarmos sobre o batismo de Jesus e a Sua missão realizada no poder do Espírito, queremos agora refletir acerca da revelação do Espírito na “hora” suprema de Jesus, a hora da Sua morte e ressurreição.
A presença do Espírito Santo no momento da morte de Jesus deve-se supor já pelo simples fato que na cruz morre, na sua natureza humana, o Filho de Deus. Se “unus de Trinitate passus est” (DS, 401), isto é “se aquele que sofreu é uma Pessoa da Trindade”, na Sua paixão torna-se presente toda a Trindade, portanto também o Pai e o Espírito Santo. Devemos, porém, perguntar-nos: qual foi precisamente a participação do Espírito na hora suprema de Jesus? A esta pergunta só é possível responder se compreende o mistério da redenção como mistério de amor. O pecado, que é rebelião da criatura contra o Criador, interrompera o diálogo de amor entre Deus e os Seus filhos. Com a Encarnação do Filho Unigênito, Deus exprime à humanidade pecadora o Seu amor fiel e apaixonado, a ponto de Se tornar vulnerável em Jesus. O pecado, por sua parte, manifesta no Gólgota a sua natureza de “atentado contra Deus”, de maneira que todas as vezes que os homens voltam a pecar gravemente, como diz a carta aos Hebreus, “crucificam o Filho de Deus em si mesmos, expondo-O à ignomínia” (cf. 6,6). Ao entregar o seu Filho pelos nossos pecados, Deus revela-nos que o Seu desígnio de amor precede qualquer mérito nosso e supera abundantemente todas as nossas infidelidades. “Nisto consiste o [Seu] amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o Seu Filho como propiciação pelos nossos pecados”. (1 Jo 4,10).
A paixão e morte de Jesus é um inefável mistério de amor, no qual estão envolvidas as três Pessoas divinas. O Pai tem a iniciativa absoluta e gratuita: Ele é o primeiro a amar e, ao entregar o Filho às nossas mãos homicidas, expõe o Seu bem mais querido. Como diz Paulo, Ele “não poupou o próprio Filho”, isto é, não O conservou para Si como um tesouro cioso, mas “entregou-O por todos nós” (Rm 8,32). O Filho compartilha plenamente o amor do Pai e o Seu projeto de salvação: “Entregou-Se a Si mesmo pelos nossos pecados… segundo a vontade de Deus, nosso Pai” (Gl 1,4). E o Espírito Santo? Assim como no íntimo da vida trinitária, também nesta circulação de amor, que se realiza entre o Pai e o Filho no mistério do Gólgota, o Espírito Santo é a Pessoa-Amor, para a qual converge o amor do Pai e do Filho. A carta aos Hebreus, desenvolvendo a imagem do sacrifício, declara de forma específica que Jesus Se ofereceu “com um Espírito eterno” (9,14). Na Encíclica Dominum et vivificantem mostrei que neste trecho “Espírito eterno” indica precisamente o Espírito Santo: assim como o fogo consumia as vítimas sacrificais dos antigos sacrifícios rituais, assim também “o Espírito Santo agiu de modo especial nesta auto-doação absoluta do Filho do homem, para transformar o sofrimento em amor redentor” (n. 40). “O Espírito Santo como Amor e Dom desce, em certo sentido, ao próprio coração do sacrifício que é oferecido na Cruz. Referindo-nos à tradição bíblica, podemos dizer: Ele consuma este sacrifício com o fogo do Amor, que une o Filho ao Pai na comunhão trinitária. E dado que o sacrifício da Cruz é um ato próprio de Cristo, também neste sacrifício Ele “recebe” o Espírito Santo” (Ibid.n. 41). Justamente na liturgia romana, o sacerdote reza antes da comunhão com estas significativas expressões: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, que por vontade do Pai e por obra do Espírito Santo, morrendo deu a vida ao mundo…”.
A história de Jesus não termina com a morte, mas abre´se à vida gloriosa da Páscoa. “Mediante a ressurreição dos mortos, Jesus Cristo, Nosso Senhor” foi “constituído Filho de Deus com poder, segundo o Espírito de santificação” (cf. Rm. 1,4). A ressurreição é o complemento da Encarnação e acontece também ela, como a geração do Filho no mundo, “por obra do Espírito Santo”, “Nós – afirma Paulo em Antioquia da Pisídia – estamos aqui para vos anunciar a Boa Nova de que a promessa feita a nossos pais, Deus a cumpriu em nosso benefício, para nós Seus filhos, ressuscitando Jesus, como está escrito no salmo segundo: “Tu és Meu Filho, Eu gerei-Te hoje” (At. 13,32). O Dom do Espírito que o Filho recebe em plenitude na manhã de Páscoa é por Ele efundido em superabundância na Igreja. Aos Seus discípulos reunidos no cenáculo, Jesus diz: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22) e comunica-O “como que através das feridas da Sua crucifixão: “mostrou-lhes as mãos e o lado”“. (Dom. et viv., 24). A missão salvífica de Jesus sintetiza-se e cumpre-se na comunicação do Espírito Santo aos homens, para os reconduzir ao Pai.
Se a “obra-prima” do Espírito Santo é a Páscoa do Senhor Jesus, mistério de sofrimento e de glória, através do dom do Espírito é possível também aos discípulos de Cristo sofrer com amor e fazer da cruz a via para a luz: “per crucem ad lucem”. O Espírito do Filho dá-nos a graça de termos os mesmos sentimentos de Cristo e de amarmos como Ele amou, a ponto de oferecer a vida pelos irmãos: ”Ele deu a Sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos” (1 Jo 3,16). Ao comunicar-nos o seu Espírito, Cristo entra na nossa vida, para que cada um de nós possa dizer como Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Assim, toda a vida se torna uma Páscoa contínua, uma incessante passagem da morte para a vida, até à Páscoa derradeira, quando passaremos também nós, com Jesus e como Jesus, “deste mundo para o Pai” (Jo 13,1). Com efeito – afirma Santo Ireneu de Lião – “aqueles que receberam e trazem o Espírito de Deus são conduzidos ao Verbo, isto é, ao Filho, e o Filho acolhe-os e apresenta-os ao Pai, e o Pai dá-lhes a incorruptibilidade”. (Demonstr. Ap., 7).