O cristão vive com esperança e na esperança toda a sua existência, assim, vence o temor e o desespero[1], pois a esperança é fundamento para o sua existência. Graças à esta, que é fidedigna, podemos viver bem o presente, pois este: “ainda que custoso, pode ser vivido e aceito, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho”[2]. No presente texto teceremos uma reflexão sobre uma das questões escatológicas mais importante, que é a esperança cristã, pois vemos, em muitos grupos religiosos: discursos, pregações, idéias escatológicas e de esperança somente numa perspectiva de futuro e de fins dos tempos, na realidade são ideias catastróficas. Vemos pessoas que esquecem as responsabilidades, esperanças, lutas e alegrias desta vida, se refugiando numa religião descomprometida e distante da realidade humana. A esperança cristã não é uma fuga da realidade e nem um desprezo às causas humanas[3]. Esta, não rouba o homem da felicidade presente.
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Jesus viveu sua inteira existência sendo para Deus e para os outros: “passou a sua vida fazendo o bem”[10] e fez da esperança um tema para sua pregação: “A esperança se manifesta desde o início da pregação de Jesus no anúncio das bem-aventuranças. As bem-aventuranças elevam nossa esperança ao céu, como para a nova terra prometida e traçam-lhe o caminho por meio das provações”[11]. As bem aventuranças são fundamentos para nossa escatologia, a vida beata começa aqui: os discípulos do Senhor passarão o caminho até o fim por meio das lutas, esperanças e alegrias desta vida; devem ser pacíficos, misericordiosos e devem buscar a justiça do Reino, em uma esperança dinâmica, ativa e transformadora.
1 – O Concílio Vaticano II, na constituição pastoral Gaudium et Spes, nos ensina que: “a esperança escatológica não diminui a importância das tarefas terrestres, mas, antes, apoia o seu cumprimento com motivos novos”[14]. Não esperamos um reino que, somente, virá no futuro, mas o que já está no nosso meio crescendo e germinando como uma semente, mesmo que seja entre as luzes e sombras do nosso hoje[15]. Se compreendermos bem a escatologia cristã, veremos que devemos dar atenção não somente para o céu ou somente para a terra, porque o céu começa na terra. Se estamos ressuscitados em Cristo, “já vivemos aqui o céu”, pois, as alegrias que aqui vivemos, o bem que fazemos e a felicidade que saboreamos no cotidiano da nossa existência já são vivência do céu, embora sob forma deficiente e ambígua. Também, experimentamos o céu na vida de comunidade, na justiça social, no crescimento dos valores culturais e na abertura do homem para Deus. “Verdadeiramente, os cristãos deveríamos ter “feição de redimidos”, porque estamos: ressuscitados em Cristo, filhos no Filho”[16]. Por isso, “nosso esforço no mundo que passa adquire valor transcendente”[17]. Nos fins derradeiros, o Reino de Deus, que já está crescendo dentro de nós, chegará à sua plenitude[18].
2 – O papa Bento XVI refleti sobre o presente tema, e neste aspecto há vários escritos. Uma relevante síntese da teologia da esperança é, sem dúvida, a sua encíclica Spe Salvi. Nesta, ele vendo na secularização e modernidade, uma séria de ameaças para a esperança: as formas de hedonismo, materialismo, niilismo e ateísmo que empurram o homem a viver no árido, a uma perca de sentido de vida e a exclusão da religião dos âmbitos sociais, o papa exorta a todos para exercitar plenamente a esperança e afirma que esta: “é esperança ativa, que nos faz lutar para que as coisas não caminhem para um «fim perverso». É uma esperança ativa precisamente também no sentido de mantermos o mundo aberto a Deus, este é o único caminho que continua a ser uma esperança verdadeiramente humana“[19]. E continua a exortar que o nosso empenho deve “contribuir para que o mundo se torne um pouco “mais luminoso e humano”[20].
Assim, o cristão é chamado a viver, portanto tem a responsabilidade, a missão de cooperar ativamente na sociedade, de modo que: pelo nosso testemunho, através de nossas boas obras, tornemo-nos portadores, testemunhas da esperança que muda e dar sentido a existência humana.
Para os cristãos, não pode ser a mesma coisa que na historia reine a justiça ou a injustiça, a violência ou não-violência, a paz ou as guerras, pois: “A salvação do homem e da historia na esperança “começa no presente, como antecipação dinâmica do próprio futuro”[21]. Olhando a vida de Santo Agostinho vemos como ele nos deixou grandes exemplos, assim, escreveu em seus sermões que é necessário: “moderar os ambiciosos, encorajar os desanimados, pacificar os litigiosos, ajudar os necessitados, libertar os oprimidos, demonstrar aprovação aos bons, tolerar os maus e [ai de mim!] amar a todos”[22]. Os cristãos não se rendem ao mal e lutam contra este por meio da sua conversão, da evangelização: com as atitudes de Cristo. “O cristão vive a sua missão com esperança: como um protesto e uma luta contra a dor da criação, mas o faz com as atitudes de Jesus crucificado, morto e ressuscitado, com o dom da Páscoa que o Pai deu ao mundo pela força do Espírito”[23]. E assim ele não deixa de ser portador da verdadeira esperança para construção do reino de Deus, ele sente-se motivado e comprometido com o amor ao próximo e a causa da justiça, sabendo que seus esforços na história não serão em vão[24].
Como afirmamos antes, Cristo é o fundamento da nossa dignidade e valor, pois sem Ele “a dignidade do homem é prejudicada de modo gravíssimo, como se vê hoje com frequência, e os enigmas da vida e da morte, da culpa e da dor, continuam sem solução: assim os homens muitas vezes são lançados ao desespero”[25]. Portanto, o cristão é essencialmente um portador da esperança: “o substrato hereditário próprio das religiões, é a “esperança em totalidade”. Onde está a esperança aí está a religião”[26], pois Spe salvi facti sumus. Esta, faz parte do anuncio e da vida do cristão. “Nós nos tornamos capazes de grande esperança, e assim nos tornamos ministros da esperança para os outros”[27].
Conclusão
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contra a corrente. Entra, procura,
não desista, você sabe”[29].
NOTAS
[1] Cfr. 1Cor 13, 4-7.
[2] PAPA BENTO XVI, Spe Salvi, 01.
[3] Cfr. Mt 25, 31-46; I Jo 3,13-19; 4, 7-21.
[4] Rm 8,24; Cfr. PAPA BENTO XVI, Spe Salvi, 01.
[5] Entendemos esperança como uma das virtudes teologais: graça infusa per Deus na natureza humana; força que liberta do medo e da opressão; espera certa e confiante na salvação de Deus sustentada pela fé; confiança que se apóia na certeza do dom e da salvação de Deus: Cfr. KARL RAHNER, HERBERT VORGRIMLER, in: Dizionario di Teologia, Ed. Italiana a cura di Giuseppe Ghiberti e Giovanni Ferretti, Editore Associati S.p.A., Milano, 1994, 660,661; Cfr. Franz-Josef Nocke, L. Escatologia, in: T. SCHNEIDER (org.), Manual de dogmática,Vozes, Petrópolis, 2002, vol. II, p. 340; Ainda sobre o “já e ainda não”, podemos encontrar em: ELOY BUENO DE LA FUENTE, Esperanza, in: Diccionario de Misionologia y Animación misionera, Dir. Eloy Bueno – Roberto Calvo, Editorial Monte Carmelo, Burgos, 2003, 351.
[6] LUIZ F. LADARIA, Introdução à Antropologia Teológica, São Paulo, Loyola, 1998, 135.
[7] 1Cor 15,19.
[8] JOSEPH RATZINGER, Escatologia, morte e vita eterna, piccola dogmatica cattolica, ac. di Carlo Molari, Cittadella Editrice, Assisi, 4 ed. 2005, 243. (trad. do autor).
[9] Ibid., 243-244. (trad. do autor).
[10] At 10,38.
[11] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1820.
[12] Cfr. Mc 10,45.
[13] Nosso entendimento por Reino de Deus é: o governo de Deus sobre o mundo. Com a presença de Jesus Cristo é instaurado o Reino de Deus, ele mesmo é o Reino. Neste o homem tem a sua libertação; estar no Reino é estar em Deus mesmo, sob a autoridade do seu amor. Este Reino já está no meio de nós (Cfr. Lc 11,20) e que chegará a sua plenitude na parusia, é acima de tudo um dom de Deus para o mundo. Cfr. JOSEPH RATZINGER, op. cit., 54-55.
[14] CONCILIO VATICANO II, Gaudium et Spes, 21.
[15] Cfr. Lc 17,21.
[16] ANDRES T. QUEIRUGA, Recuperar a salvação: Por uma interpretação libertadora da experiência cristã, São Paulo, Paulus, 1999, 207.
[17] LUIZ F. LADARIA, op. cit., 136.
[18] O Concilio, na constituição dogmática Lumen Gentium, também nos exorta a fazermos orações e unir os nossos trabalhos e sofrimentos para santidade, salvação e progresso da sociedade. Cfr. Lumen Gentium, 41.
[19] BENTO XVI, op. cit., 34.
[20] Ibid., 35.
[21] JUAN ALFARO, Speranza Cristiana e liberazione dell’uomo, in: Biblioteca di teologia contemporanea, 10, Queriniana-Brescia, 2 ed., 1971, 171. (trad. do autor).
[22] SANTO AGOSTINHO, Sermo 340,3: PL 38,1484.
[23] ELOY BUENO DE LA FUENTE, Esperanza, in: Diccionario de Misionologia y Animación misionera, Dir. Eloy Bueno – Roberto Calvo, Editorial Monte Carmelo, Burgos, 2003, 351. (trad. do autor).
[24] Cfr. V CONFERENCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO AMERICANO E CARIBE, Doc. Aparecida, 2007, 98.
[25] CONCILIO VATICANO II, Gaudium et Spes, 21.
[26] ERNST BLOCH, in: JURGEN MOLTMANN, Teologia da Esperança: estudos sobre os fundamentos e as conseqüências de uma escatologia cristã. 3ª. ed. São Paulo, Teológica, Loyola, 2005, 423.
[27] PAPA BENTO XVI, Spe Salvi, 34.
[28] Cfr. Rm 4,18; Mc 10,27; WALTER KASPER, Fede e storia, in: Biblioteca di Teologia Contemporanea 22, Queriniana – Brescia, 1970, 152. (trad. do autor).
[29] GIOVANNI PAOLO II, Trittico Romano, Meditazione, Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2003, 15. (trad. do autor).
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