Estou no intervalo da aula de comunicação com o 3º ano de Teologia, em Taubaté. Estamos estudando os processos de significação. Utilizamos a reflexão doutoral das duas mineiras Denise e Cirlene, que estiveram presentes em nossa SEMANA TEOLÓGICA, no ano passado. Elas nos auxiliaram a ver a MÍDIA RELIGIOSA com novos olhos. É preciso passar de um paradigma informacional para um paradigma relacional. Isto muda quase tudo em nossa forma de presença midiática. Ao ler o artigo abaixo você entenderá por que gasto mais tempo com Mídias Sociais do tipo BLOG  e TWITTER do que com TV. São “sinais dos tempos”. O artigo abaixo é um aperitivo do que será publicado em nosso livro IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS NA MÍDIA, que sairá por LOYOLA, em abril.

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Midiatização: processo social contemporâneo

 

 

Cirlene Cristina de Sousa

Mestra em Comunicação Social pela UFMG

 

Denise Figueiredo Barros do Prado

Doutoranda em Comunicação Social pela UFMG

 

 

 

Ao refletirmos sobre as relações institucionais entre mídia e Igreja, somos compelidos a pensar nos pontos de intercessão entre essas duas instâncias e focamos nas suas relações mais imediatas: programas de televisão religiosos, jornais, revistas, sites e, porque não, empresas de comunicação e canais. No entanto, vemos que as relações entre essas instâncias acontecem para além dos seus produtos: mídia e Igreja são constituídas e constituintes da sociedade onde estão inseridas e são afetadas pelos processos sociais dinamizadores dessa cultura. Desse modo, a nossa contribuição aqui não se propõe, inicialmente, a olhar para os artefatos midiáticos que são produzidos pela Igreja, mas para as interações sociais que ocorrem no ambiente onde esses produtos têm lugar.

Para compreendermos essas relações para além do substrato material que produzem, adotamos uma perspectiva de comunicação diferenciada, a compreensão da comunicação enquanto interação. Isso se revela de grande importância porque no paradigma clássico ou o paradigma informacional em que os estudos da comunicação estavam assentados, lançava-se luz sobre os produtos, sua materialidade e estrutura enquanto informação elaborada; pensava-se a instância de produção como emissora e a instância de recepção como mero receptáculo dessas informações e viam-se as relações sociais como marcadas por um contexto de dominação e controle de informações e sentidos. Nesse paradigma, a comunicação tem como finalidade a transmissão de informações: busca-se a eficácia comunicativa, tentando mensurar o grau de apreensão das informações veiculadas.

Assim, seja na forma de produtos midiáticos, como telejornais, revistas, programas de entretenimento, seja nas relações face a face, a comunicação se realiza entre duas instâncias: uma “que sabe”, que transmite a informação, e outra que apreende, decodifica. O objetivo último dessa relação é que o pólo transmissor consiga produzir, suscitar efeitos, imagens, representações no pólo receptor.

Através dessa perspectiva, as tecnologias da comunicação não passariam de canais que suscitariam representações do real apreendido pelas instâncias transmissoras: não há a menor possibilidade de se pensar a midiatização como processo social, como reconfiguradora das interações. Aliás, nem se fala em interação, posto que pressupõe o distanciamento entre os pólos que somente se ligam pela informação capturada.  Tal modelo é criticado pela sua simplicidade e linearidade, sua concentração no nível das trocas de mensagens e pela ausência de uma concepção mais complexa da própria comunicação. Ele negligencia a intervenção dos homens na vida social e omite a complexidade simbólica presente em todo processo comunicativo. Nesse sentido, a comunicação é vista como um processo unidirecional, transparente de sentidos.

Em contraposição a essa perspectiva, propomos a adoção do modelo praxiológico ou relacional[1], para pensarmos as relações interativas entre as instituições mídia e Igreja, a fim de apreendermos as interações comunicativas de modo mais complexificado, como lugar de interação social, de produção de sentidos. No modelo praxiológico, alguns elementos que não faziam parte da compreensão do momento da comunicação no paradigma clássico têm lugar: valoriza-se o contexto social mais amplo e a cultura da sociedade em que essa interação acontece; vê-se a situação comunicativa como ambiente conformador e significante a partir da relação estabelecida entre sujeitos com esse ambiente; analisam-se os discursos para além da sua verbalidade, observando gestos, expressões e componentes de sentido não-verbais; atentam-se aos posicionamentos dos interlocutores enquanto relações de mútua afetação e vemos a ação prática dos sujeitos na interação, tentando apreender sua compreensão do quadro interativo pela ação situada.

Assim, a comunicação depende do esquema da constituição de um mundo comum pela ação, ou como se diz às vezes em ciências sociais, da “construção social da realidade[2]. Nesse paradigma relacional, a comunicação cumpriria um papel de constituição e de organização do posicionamento dos sujeitos, das relações entre os interlocutores e do mundo partilhado.

Notamos aqui dois elementos que ganham relevância pelo modelo praxiológico ou relacional e que estavam obscurecidos pelo modelo clássico: a compreensão dos interagentes como sujeitos e a importância do contexto social onde as interações têm lugar. No modelo clássico, tem-se um sujeito que não fala com o outro, mas sim que fala para (ou sem considerar) o outro.  Destituída de qualquer esforço próprio de criação e de crítica, a relação se faz mecânica. O comunicar se torna, assim, monológico – um falar sem o outro; um dos pólos é monovalente – dotado de uma única “valência”, uma única possibilidade de estabelecer ligação com o outro[3].

Quanto ao modelo praxiológico, os sujeitos se constituem na interação, numa relação de ambivalência. É um sujeito que não só fala com o outro, mas que só se reconhece enquanto sujeito diante do outro. França (2006) ressalta que “essa distinção (monológico/dialógico) não diz respeito à postura (mais ou menos aberta) dos sujeitos, mas trata-se antes de uma categoria de compreensão”[4].

Conforme essa perspectiva, outro fator que ganha saliência para a análise das dinâmicas interativas é a relevância do contexto social mais amplo onde as interações têm lugar. Ao nos questionarmos sobre o cenário contemporâneo que abriga as interações, assistimos o desenvolvimento de uma cultura midiática e uma nova processualidade que imprime dinâmica nas relações sociais: a midiatização.

Compreender a midiatização como processo social altera o modo de conceber a comunicação e suas questões, pois se vê a multiplicação das estruturas organizacionais da vida social, pluralizando-se, midiatizando-se. A comunicação se tornou mais ampla, dinâmica, abrangente, polifônica. A onipresença da mídia nas ruas, nas famílias, nas escolas, nas igrejas, no mundo do trabalho, do lazer e na vida política, fez do comunicar uma experiência vital na sociedade contemporânea midiatizada.

Mais do que apontar a onipresença da técnica, a facilidade de captação e reprodução de informações, pensar na sociedade contemporânea como midiatizada é compreender um processo social em trânsito instaurador de novas formas de interação. Nessa perspectiva, os meios não são dispositivos de reprodução, mas dispositivos de produção de sentido.  Muitos estudos da comunicação apontam a midiatização[5] como um fenômeno contemporâneo que, além de reger as relações sociais, é capaz de criar uma nova ambiência de relacionamento social e instituir novas formas de interação.

As formas de interação social contemporâneas estão atravessadas pela possibilidade de estabelecimento de relações sem necessidade de co-presença; pela disponibilidade de conhecimento “não local” a populações mais amplas; pelo campo de visibilidade ampliado e modelado pelas potencialidades técnicas; pela não restrição às dimensões espaço-temporais e pelas relações compreendidas dentro dos quadros das novas formas de interação[6].

 

Dito isso, cabe perguntar: que potência essa mudança de paradigma, do clássico para o praxiológico, traz para o estudo das relações mídia e Igreja? Para se compreender uma relação comunicativa é preciso olhar não só para o produto e para o contexto que a abriga, mas também para a interação entre os sujeitos que nela se constituem, constroem e partilham sentidos. Então, quando a Igreja se propõe a compreender a sociedade midiatizada contemporânea não basta olhar apenas para os artefatos midiáticos, dominar linguagens para enquadrar seus conteúdos nem elencar as características de uma cultura midiática: é preciso dar conta da comunicação como atividade organizante que entrelaça essas instâncias; dá a ver as relações intersubjetivas, seus conflitos e atualizações de sentidos socialmente partilhados e dialógica em sua (con)vivência.

Essa mudança de paradigma também nos permite compreender que a cultura midiática não é só um conjunto potencialidades técnicas e de produtos midiáticos, mas sim processo social maior, a midiatização, que reconfigura e cria novas formas de interação. Exatamente porque a constituição dos sujeitos contemporâneos se dá no seio dessa nova processualidade, a sua experiência é marcada por essas novas formas de interação e seu posicionamento na vida social inaugura formas de estar e se colocar no mundo. Mediante um processo de contínua atualização institucional – e reconhecendo que ela mesma se encontra atravessada e afetada pela midiatização – a Igreja poderá estabelecer uma relação cada vez mais comunicativa com esse novo sujeito que emerge.

 

 

Referências bibliográficas:

 

BERGER, P. e LUCKMANN, T.. A construção social da realidade. 19ª ed., Petrópolis: Vozes, 2000.

BRAGA, José Luiz. Midiatização como processo interacional de referência. In: Ana Sílvia Médola; Denize Correa Araújo; Fernanda Bruno. (Org.). Imagem, Visibilidade e Cultura Midiática. 1 ed. Porto Alegre: Sulina, 2007, v. 1, p. 141-167.

FRANÇA, Vera Regina Veiga. L. Quéré: dos modelos da comunicação. Revista Fronteira (UNISINOS), São Leopoldo, v. V, n. 2, p. 37-51, 2003.

IMBERT, Gerard. El zoo televisual:de la television espetacular a la television especular. Madri, Gedisa: 2003.

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia: estudos culturais: identidades e política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru: EDUSC, 2001.

PASQUALI, Antônio. Sociologia e comunicação. Petrópolis: Vozes, 1973.

SODRÉ, Muniz. Eticidade, campo comunicacional e midiatização. In. MORAES, Denis de. (org.). Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006. (p.19-31)

VERÓN, Eliseo. El cuerpo de las imágenes. Buenos Aires: Editorial Norma, 2003.

THOMPSON, John. A nova visibilidade. MATRIZes. São Paulo, Revista do programa de pós-graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo. Abril, 2008. 

_____. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Editora Vozes,1994.

 


[1] Cf. Quéré, 1991; França, 2003.

[2] Cf. Berger & Luckmann, 2008.

[3] C.f. França, 2003; Pasquali, 1973.

[4] FRANÇA, 2003, p.54.

[5] Cf. Verón, 2003; Imbért, 2003; Sodré, 2006; Kellner,2001 ; Braga, 2008. 

[6] Cf. Thompson, 1994, 2008.