Pe. Joãozinho, scj

Teólogo e Comunicador

 

Neste artigo gostaria de refletir sobre este binômio que ocupa diariamente os debates entre os músicos católicos: Ministério & profissão. Começo pelos termos para entendermos bem do que estamos falando.

Ministério

Pode-se utilizar o termo “ministério” para o serviço da música em nossas liturgias e eventos de evangelização? A questão não é muito simples. Em 1999 a CNBB publicou o Documento 62 sobre a “Missão e Ministério dos Cristãos Leigos e Leigas”.

O texto demorou a ser aprovado exatamente por debates sobre se seria próprio ou não utilizar a terminologia “ministério” para as tarefas eclesiais desempenhadas por leigos que, por definição, vivem suma missão própria no mundo e não necessariamente ao interno da Igreja. Mas estas definições eclesiológicas estavam em crise e já não se sustentavam. O Papa João Paulo II, então, encomendou um estudo específico sobre este tema à Congregação para a Doutrina da Fé, presidida pelo então Cardeal Joseph Ratzinger. O resultado foi um sólido estudo que ficou conhecido como  “Instrução acerca de algumas questões sobre a colaboração dos fiéis leigos no sagrado ministério dos sacerdotes” (1997).  Logo no início a instrução coloca com clareza teológica a diferença entre o ministério ordenado dos sacerdotes e os ministério confiados aos leigos mediante o sacerdócio comum recebido no batismo: “Tanto o sacerdócio comum dos fiéis como o sacerdócio ministerial ou hierárquico ‘ordenam-se um ao outro, embora se diferenciem na essência e não apenas em grau, pois ambos participam, cada qual a seu modo, do único sacerdócio de Cristo’. Entre eles dá-se uma eficaz unidade, porque o Espírito Santo unifica a Igreja na comunhão e no serviço e a provê de diversos dons hierárquicos e carismáticos”.

A partir destas ponderadas reflexões pode-se utilizar com segurança a expressão Ministério de Música. Naturalmente não é a pessoa que se auto-institui ministro. É um chamado de Deus que, para esta missão, dá o seu “carisma”. Quem recebe o chamado é acolhido na Igreja que o ajuda a discernir esta vocação e missão e, de alguma forma, o autoriza ao exercício do seu ministério da comunidade. Esta é a dimensão eclesial do ministério. Jamais pode ser discernido e vivido de maneira totalmente pessoal e desvinculada da comunidade. Ministros precisam deixar claro o seu elo de “agregação” à comunidade. Não existe cristão sem comunidade. Isto vale para um Ministro Extraordinário da Sagrada Comunhão ou para alguém que receba o carisma extraordinário de rezar pela cura e torna-se um “ministro de cura e libertação”. Em algum momento seu ministério deve ser explicitamente autorizado pela comunidade. A ministerialidade espontânea e informal se presta a uma série de desvios. Um pregador que vai a outra diocese deve ter o mandato do seu bispo ou pároco. Não deveria ser diferente com os ministros de música que andam pelo Brasil. A este propósito o nº 85 do Documento 62 da CNBB é bastante claro: “Só pode ser considerado ministério o carisma que, na comunidade e em vista da missão da Igreja e no mundo, assume a forma de serviço bem determinado, envolvendo um conjunto maios ou menos amplo de funções, que responda a exigências permanentes da comunidade e da missão, seja assumido com estabilidade, comporte verdadeira responsabilidade e seja acolhido e reconhecido na comunidade eclesial”.

É essencial que o ministério seja recebido e reconhecido pela comunidade eclesial, pois representa uma atuação pública e oficial. O ministro é portador da palavra da Igreja e não fala somente em nome próprio. Existem, porém, diversas modalidade e graus de ministérios. Existem os “reconhecidos”, os “confiados”, os “instituídos” e os “ordenados”. Do meu ponto de vista o Ministério de Música é simplesmente “reconhecido”. Leitor e acólito são ministérios instituídos. Mas nem tudo pode-se chamar de ministério. Alguém que atue na vida política não poderia se chamar “ministro”. Este seria mais propriamente um “serviço”. O mesmo se aplica às demais profissões. Não falamos de ministro do direito ou da padaria. O ministério se aplica mais propriamente a um serviço intra-eclesial.

Profissão

Aqui vem a segunda parte de nossa reflexão. Uma parcela importante de músicos católicos no Brasil se profissionalizou nestes últimos anos. A Igreja como um todo também se profissionalizou. Não se admite hoje, por exemplo, uma secretária paroquial voluntária. Nem se imagina um sacristão de final de semana. Uma paróquia tem seus colaboradores com salário, carteira assinada e todos os direitos previstos em lei. Este avanço organizacional, porém, na maioria dos casos, não chegou aos músicos (nem aos teólogos e teólogas que se formam todos os anos em bons cursos de teologia e normalmente não encontram espaço de trabalho dentro das paróquias… mas este é outro assunto). É raro uma paróquia que tenha um músico contratado para exercer profissionalmente o ministério de música. As que tiveram esta ousadia estão muito satisfeitas com o resultado. Estas palavras podem chocar alguns. Mas estou profundamente convencido de que a música exige uma série de saberes e competências. Isto significa ser profissional. Ter uma profissão é ser dotado de habilidades certificadas pela categoria. No caso da música existe uma Ordem dos Músicos do Brasil. Para exercer esta profissão regularmente via de regra se exigiria um teste para receber a carteira da OMB e pagar a anuidade.

Existe um grande grupo de músicos católicos que já não são apenas voluntários amadores que tocam na missa das 10h. São profissionais que esperam viver deste trabalho. São competentes. Têm uma história dedicada à música e são reconhecidos no meio. Raramente, porém, encontram a porta aberta de uma paróquia. Então acontece uma ruptura lamentável entre ministério e profissão. Estes músicos, não reconhecidos, abandonam a ministerialidade e aventuram-se em pregar a fé cantada em shows de evangelização por todo o Brasil. Organizam seus próprios escritórios de promoção. Têm um site, CDs, material promocional. Isto envolve custos e nem sempre todos conseguem se sustentar. Acompanho o drama de muitos músicos pais e mães de família que precisam ter ao menos quatro shows por mês para pagar as contas e alimentar seus filhos. Este é o drama de todo profissional. Mas exige nossa reflexão quando esta profissão é cantar a fé. Alguns caem nas graças do público e têm muitos pedidos de shows. Já não lhes interessa tanto o reconhecimento eclesial. A maioria dos shows não é pago mesmo pela paróquia. A prefeitura sempre acaba incluindo um show religioso na festa da cidade. Isto envolve uma série de complicadores que não vale a pena tratar aqui. Mas a situação dos nossos músicos profissionais de shows de evangelização não é nada fácil.

Existe neste meio os músicos católicos pobres. São aqueles que nunca conseguem shows e vivem dramas familiares que poucos párocos conhecem. São geniais em sua música, mas não caíram no gosto do povo, ou simplesmente não são bons de marketing. Alguns têm que ouvir coisas do tipo: “por que você não arruma uma profissão?”. Sinceramente não consigo imaginar estes fantásticos compositores, cantores e instrumentistas, fazendo pão durante a semana para poder cantar na quermesse de graça no sábado a noite, vendendo o seu CD promocional a R$ 5,00.

Desculpe o tom nú e cru deste artigo. Mas escrevo vendo as lágrimas de alguns Ministros de Música que receberam de Deus o chamado para avançar para águas mais profundas e para isso eles só precisam da barca de Pedro… sua paróquia!

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