Pe. Joãozinho, scj[1]
Durante o 12º Congresso Mariológico, em Aparecida, em 2018, tive a oportunidade de apresentar ao povo um livro publicado por um irmão redentorista. Falei da capa, do título e do conteúdo. Achei a temática muito interessante por ser um resgate fiel dos fatos que deram origem ao Santuário Nacional que acolhe milhões de peregrinos todos os anos. Gostei daquilo que li. Era uma pesquisa séria e um texto bem escrito. Mas confesso que era letra morta. O livro não tinha vida. De repente em um recorte de tempo que apareceu durante o Congresso tive o impulso de chamar o Ir. José Mauro Maciel, para ele mesmo falar de sua obra. Misturando amor com humor, saber com sabor, o escriba deu vida ao livro. Em menos de 10 minutos ele mostrou que sabia seu livro de cor (que vem do latim: de coração). Falou os pontos essenciais com fluência e simplicidade. Ele enfrentou a complexidade do tema em horas de pesquisa silenciosa e, por isso, tinha habilidade de falar de modo simples. Se escritor é isso. É viver no silêncio contemplativo da pesquisa dias, meses e até anos. A gestação de um livro dura bem mais que nove meses. Por isso todo livro é um filho e o parto é mais que dolorido. Escrever dói! O autor não vê seu livro como um produto ou como um impresso qualquer. É um membro de seu corpo. Tem alma e personalidade. É único. É o retrato eternizado de uma parte do seu ser.
Mas nem tudo são flores e amores na vida do escritor. Quando escrevi meu primeiro livro, ainda na mais tenra juventude, o saudoso Pe. Galache, jesuíta diretor da Loyola, insistiu diversas vezes com aquele vigor típico de espanhol para que eu lhe entregasse os originais para a publicação. Da minha parte sempre pedia mais um tempo pois achava que havia algo para melhorar. Depois fui perceber que todo escritor é assim. Seguramos o livro até que nos arrancam a criança dos braços. E assim fez o Pe. Galache dizendo: “Meu jovem, marque o que vou dizer… nenhum autor entrega seu livro para a editora. Todos se livram de um problema que têm em casa”. No meu ingênuo idealismo juvenil achei aquilo vigoroso demais. Hoje vejo que é um fato. Os editores “ajudam” os escritores. Eles nos livram de ideias mirabolantes e completamente fora do interesse do público. O livro é escrito para ser lido e não apenas como um desejo de exprimir algo.
A vida me levou intensamente para o lado das letras. Já são mais de cinquenta livros nestes quase trinta anos dedicados à escrever. Além disso, tenho minha obras secretas… duas teses de doutorado ainda não publicadas. Sempre acho que ninguém irá ler. De fato a primeira tese foi publicada como uma espécie de reconhecimento da editora por meus outros livros populares mais vendidos. Esse “livro científico” ficou na prateleira. Mas tenho imenso orgulho quando tomo nas mãos meu livro “Teologia da Solidariedade”. Um dia alguém descobrirá intuições interessantes ali.
Recentemente descobri a vocação de tradutor. Tive oportunidade de traduzir o livro do papa Francisco “Deus é Jovem”. Alguém poderia imaginar que esse é um trabalho mecânico e sem graça. Nada disso. Após a tradução literal vem o trabalho de fazer a versão. Isso significa dar o tom, o sotaque, a fluência portenha para o livro. É como se fosse uma música. Não basta traduzir a letra e ser rigorosamente fiel ao sentido. É preciso grudar as palavras na melodia. Uma pessoa comentou comigo ao ler o livro de Francisco que traduzi: “Parece que a gente escuta o papa falar”. Pensei: essa pessoa nem imagina o trabalho que deu para me esconder nas palavras e evidenciar o jeito do autor. Não tenho pudor de autografar a tradução quando me trazem. Traduzir é de certa-forma ser co-autor.
Escrever tem sua sacramentalidade pois o Verbo se fez carne e habitou no meio de nós, armou entre nós sua tenda na no livro que chamamos de Bíblia (cf. Jo 1,14). Aliás, voltando ao começo deste escrito, a Bíblia é mais que um livro: É UMA PESSOA.
[1] João Carlos Almeida, nasceu em Brusque-SC (10.05.1964) e é sacerdote religioso da Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus (Dehonianos). Tem cerca de 50 livros publicados por diversas editoras e mais de dois milhões de exemplares vendidos. Doutor em Teologia pela Pontifícia Faculdade N. Sra da Assunção (SP), em Educação pela USP e em Espiritualidade pela Gregoriana (Roma), atualmente é professor de Teologia da Faculdade Dehoniana, em Taubaté-SP.