Finalmente, encerramos com um Posfácio, “Imago Dei, imago hominis” escrito por Marcial Maçaneiro, doutor em teologia sistemática e especialista em ecumenismo e teologia das religiões. Em uma deliciosa e erudita reflexão estético-teológica, o autor retoma as perspectivas abertas pela “Criação de Adão”, cuja releitura ilustra a capa deste livro. Procurando entrar na alma criativa do artista, percebe seu humanismo renascentista genial. O autor encerra fazendo uma ponte surpreendente entre a “quase eterna” pintura de Michelangelo e as tão passageiras imagens da TV e da Internet: ambas colocam o poder criativo no toque dos “dedos”. Literalmente estamos diante de representações “digitais” e, como disse Bento 16, neste “continente digital” a Igreja é chamada a exercer a “diaconia da cultura”. A “nova criação” passa pela ponta dos nossos dedos!

No Capítulo dez, as quatro maiores emissoras de TVs Católicas do Brasil expõem de modo praticamente inédito a sua “linha editorial”. Grandes representantes de cada uma destas emissoras estiveram frente a frente, em debate promovido pela Faculdade Dehoniana, em outubro de 2009. Observamos que cada uma delas tem um público-alvo diferenciado e procura formatar a sua mensagem de acordo com alguns critérios mais ou menos definidos. Hoje é enorme a influência destas TVs no imaginário religioso dos católicos brasileiros. É possível que a “imagem televisual” de Deus atinja, semanalmente, mais pessoas que a “imagem paroquial”. Qual o impacto eclesial desta nova realidade? Onde estaria o laço de comunhão entre o televisual e o territorial? Se pensarmos ainda no virtual é tempo de refletir sobre laços institucionais que garantam uma imagem de Deus coerente com a fé professada pela Igreja Católica.

No Capítulo nove, reunimos os relatos de dois irmãos dedicados ao mundo da comunicação: Vicente e Célio. Vicente Abreu escreve e dirige roteiros para a TV Século 21. Seu olhar é bastante diferente dos olhares que tivemos até este momento neste livro. Normalmente foram estudiosos diante da imagem. Agora temos a meditação de alguém que conhece “Os bastidores da produção”.  Mais do que fazer teoria, Vicente descreve os passos de uma produção cinematográfica concreta, ambientada na cidade de Aparecida-SP. Percebe-se, nas entrelinhas, a preocupação em passar uma verdadeira imagem de Deus.

Célio Abreu, por sua vez, dedica-se ao “continente virtual”. Sua contribuição reflete sobre “A imagem de Deus na Internet”. Segundo o relato da sua experiência, a imagem virtual de Deus pode ser real. Mais do que montar sites e disponibilizar conteúdos, é necessário refletir sobre a forma como apresentamos a imagem de Deus. A dinâmica dos relacionamentos possibilitados por esta nova tecnologia precisa levar as pessoas à solidariedade e não ao isolamento e à auto-suficiência.

No Capítulo oito, mudamos novamente de estilo, fazendo uma espécie de estudo de caso. No seu artigo “O Mel’odrama do deicídio – considerações sobre o filme A Paixão de Cristo”, o exegeta Walter Eduardo Lisboa utiliza uma série de critérios bíblico-teológicos para apreciar o roteiro do famoso filme de Mel Gibson.  Por trás dos diálogos, imagens, cenários e jogos de câmera, esconde-se uma imagem de Deus que Walter procura desvendar. O texto está longe de ser meramente opinativo. O autor utilizou seus amplos conhecimentos de exegese bíblica para demonstrar que a caricatura de Deus proposta por Gibson, promete, mas não cumpre a promessa de ser absolutamente coerente com os relatos originais. Há opções ideológicas de duvidoso valor. Há erros históricos. Há reducionismos facilmente perceptíveis. Reduzir a vida de Jesus aos seus momentos finais pode realizar a reafirmação do sacrifício salvífico, mas esquece que este sacrifício não teve seu início na cruz, mas na encarnação; esquece também que a missão salvífica de Cristo se prolonga na ressurreição e ascensão. Toda esta dinâmica é praticamente ocultada pela proposta sacrifical de Gibson. Assistir este filme sem estas informações até emociona o espectador, mas pode aprisioná-lo em uma imagem reducionista do Deus revelado na Bíblia. Voltamos ao terror de Isaac e perdemos o Abbá de Jesus. Estamos diante de uma construção da caricatura de Deus à imagem e semelhança do humano Gibson. É de se perguntar quais os impactos disso no imaginário do nosso povo.

No Capítulo sete, o teólogo Mário Marcelo Coelho procura desvendar “O impacto da Mídia em questões de Teologia Moral”.  A formação interdisciplinar deste autor chama a atenção. Especializado originalmente em zootecnia, fez filosofia, teologia e defendeu tese de mestrado na área de Teologia Moral com tese sobre xenotransplantes. O mundo da Bioética é tão atual quanto complexo e às vezes hermético para o leitor não especializado. Mario Marcelo, em breve ensaio, procura exprimir alguns princípios de modo simples para a compreensão do grande público. Esta é também a sua principal conclusão. No mundo de rápidas mudanças em que vivemos, a linguagem moral corre o risco de ficar estagnada em fórmulas dogmaticamente seguras, porém pouco compreensíveis às novas gerações. O grande desafio é retraduzir permanentemente a linguagem moral, sem perder a identidade e os valores que têm como referencial permanente a luta em defesa da vida.

No Capítulo seis, José Knob, outro representante da teologia dogmática, faz a pergunta que já estava latejando no discurso feito até aqui: “como falar de Deus num mundo secular?” Isto lembra o antigo lamento do povo de Deus no exílio: “como podemos cantar a Deus em uma terra estrangeira?” Lembra também a provocação de Gustavo Gutiérrez em sua clássica leitura do Livro de Jó: como “Falar de Deus a partir do sofrimento do pobre”? Nosso discurso precisa ser situado, ou será mera ideologia com frágil tintura religiosa. O método teológico exige engajamento. Mais uma vez a solidariedade aparece, desta vez, como pressuposto metodológico de todo discurso conseqüente. Em estilo tão coloquial quanto profundo o autor lembra alguns princípios irrenunciáveis do discurso religioso, hoje. Transitando entre algumas questões filosóficas pertinentes à reflexão teológica, o autor enfrenta a incômoda pergunta: Deus criou o homem à sua imagem, ou somos nós que recriamos Deus a cada dia segundo a nossa imaginação? O autor ensaia uma lista de argumentos para afirmar que a religião bíblica não é pura projeção da mente humana. Para aprofundar o seu discurso recorre à distinção entre fé e religião. Jesus provoca uma “ruptura” com o sistema religioso de seu tempo e reafirma a fé, expressa na categoria de “reino de Deus”. A verdadeira imagem de Deus é revelada como libertadora. Já não estamos no terreno do deus terrível que pede o sacrifício de Isaac, mas no âmbito do Abbá, revelado por Jesus. O autor conclui de modo moderno e surpreendente: “Abbá é a senha de acesso à experiência religiosa de Jesus.”

No Capítulo cinco, Osmar Cavaca, formado em física e em teologia dogmática, lança o olhar da antropologia teológica: “Imago Dei, imago Christi”; em uma tradução livre: Jesus Cristo é a imagem de Deus! É a mesma temática do capítulo anterior, com algumas inevitáveis repetições. Mas a leitura dos dois enfoques revelará nuanças que apenas a diversidade de perspectivas é capaz de identificar. O ser humano, feito no sexto dia, aparece como obra inacabada. Ainda há o que fazer. O Criador marca a identidade humana com o dom da sua imagem e semelhança, junto com a tarefa de completar a obra criada. Em uma reflexão teologicamente madura, profunda e bem documentada Cavaca conduz o leitor a compreender os diversos significados possíveis da imago Dei e as conseqüências negativas de “apropriar-se” egoisticamente deste dom; descreve também o que chama de “desapropriação” da imago Dei, onde, segundo ele, reside a salvação. É o que se realizou em Jesus de Nazaré por meio de sua Encarnação, que representou um esvaziamento de si (quênosis) para, passando pela morte de cruz, alcançar a glória. Ele é a realização mais perfeita da imago Dei. Esta dinâmica de “esvaziamento obediente” é praticamente sinônimo do que, nos capítulos anteriores, aparecia como solidariedade, relacionalidade ou interatividade. Vemos, assim, que os diversos autores, cada qual com seu método e conjunto de saberes, vão encontrando um ponto de convergência: comunicação é a dinâmica de construir a comunhão por meio da solidariedade!