Rainha do Santo Rosário

 

            A décima primeira das doze invocações de Maria como “Rainha” saúda a Mãe de Deus como “Rainha do Santo Rosário”, em latim Regina Sacratissimi Rosarii. Ela foi inserida oficialmente na Ladainha Lauretana pelo Papa Leão XIII, em 10 de dezembro de 1883, apesar de que já era utilizada pelo povo a mais de duzentos anos.   De fato a Ladainha e o Rosário são “devoções irmãs” que utilizam a repetição de verdades da fé como pedagogia espiritual. O sentido não está propriamente na repetição, mas na meditação e contemplação dos mistérios de nossa salvação, ou seja, no Mistério Pascal de Jesus Cristo. Este é o verdadeiro centro da Ladainha e do Rosário. Na verdade não rezamos “para” Maria mas “com” Maria. Ela não é o destino final de nossa viagem, mas uma placa de beira de estrada que aponta a entrada correta para o céu! Quem já errou a entrada sabe como a indicação do caminho correta pode ser importante, principalmente quando estamos em um país estranho.

O Papa João Paulo II colocou Ladainha e Rosário lado a lado na conclusão de sua última Carta Apostólica: “Rosarium Virginis Mariae”. Ali ele diz de maneira muito bela: “O Rosário, de fato, apesar de sua fisionomia mariana, é uma prece de coração cristológico” (RVM, 1). Ele diz ainda que no  e Rosário é toda a Igreja que “recorda Cristo com Maria”, “anuncia Cristo com Maria” encontra Cristo pela “via de Maria”.

            Algumas pessoas costumam fazer críticas ao Rosário e à Ladainha. A mais comum é que é uma oração monótona e repetitiva. Os que dizem isso normalmente não aprenderam corretamente esta “técnica de contemplação”. Certa vez gravei um disco com a oração do Rosário. No terceiro mistério, ao perceber que sempre eram repetidas as ave-marias, o técnico de som me chamou em um canto e perguntou: – “Padre, vai ser sempre assim… a mesma coisa?” Eu respondi que cada ave-maria era diferente pois as pessoas estavam rezando enquanto meditavam uma cena da vida de Jesus. Não é o mesmo dizer “ave-maria” em Belém e diante da cruz. Ele respondeu que sua máquina só registrava os sons e não os pensamentos. Seria mais fácil gravar uma ave-maria e depois simplesmente fazer uma montagem. Insisti que deveríamos gravar daquele jeito. Hoje, passados dez anos, este técnico continua rezando o “terço” que ele próprio gravou e entendeu que até as máquinas de gravação registram sentimentos e pensamentos.

            Na Ladainha utilizamos a mesma dinâmica do Rosário, só que com uma variação. O Rosário nos conduz a contemplação dos diversos mistérios da vida de Cristo. A Ladainha é nos leva a uma dinâmica catequese mariana, que acaba por nos conduzir ao mesmo ponto: o mistério de Jesus Cristo. Por isso, estas meditações podem ser muito úteis para que a recitação desta prece não se torne monótona e automática. Maria é nossa catequista quando rezamos a Ladainha.

            Outras pessoas dizem que o Rosário é uma oração ultrapassada. Será que a Ladainha também está condenada aos lábios dos idosos? Com certeza que não. Já está terminando o racionalismo da modernidade que só reza aquilo que entende. A razão é um dom precioso, mas nem de longe é o único caminho para chegar a Deus. Aliás, costuma ser uma estrada mais longa e cheia de pedras. Os intelectuais sofrem ao tentar entender os mistérios do céu. Poetas e profetas chegam mais rápido. Nossa juventude hoje tende a rejeitar as formulas artificiais da prece moderna. Por isso muitos preferem crer de um jeito mais oriental. O corpo reza… o murmúrio é orante… a respiração nos re-liga no sagrado… tudo em nós pede o complemento divino. É muito fácil rezar a Ladainha desta maneira. Nada de pressa. É preciso ritmo… rito! Tente gravar a Ladainha com sua própria voz em seu aparelho de MP3 e depois rezar ouvindo enquanto faz sua caminhada diária. Verá que isto lhe trará mais saúde para o corpo e para a alma.

Rainha do Santo Rosário, rogai por nós!

Se você prestar bem atenção verá que esta invocação da Ladainha não aparece na maior parte dos livros de oração. Por que? É que esta belíssima expressão se torna popular somente mesmo a partir do Concílio Vaticano II.  Na ocasião, o Papa Paulo VI declarou solenemente, no dia 21 de novembro de 1964: “Maria é Mãe da Igreja, isto é, Mãe de todo o povo Cristão, tanto dos fiéis como dos pastores”. Um dos principais documentos do Concílio, a Constituição Lumen Gentium, sobre a Igreja, tem um capítulo todo sobre Maria. Em 1968, no Credo do Povo de Deus, Paulo VI voltou a insistir sobre esta verdade: “Nós acreditamos que a Santíssima Mãe de Deus, nova Eva, Mãe da Igreja, continua no Céu a sua missão maternal em relação aos membros de Cristo, cooperando no nascimento e desenvolvimento da vida divina nas almas dos remidos”. Posteriormente, em fevereiro de 1974, este mesmo papa escreveu uma memorável Exortação Apostólica, Marialis Cultus, em que repete, logo na introdução, esta mesma declaração:

“A reflexão da Igreja contemporânea, sobre o mistério de Cristo e sobre a sua própria natureza, levou-a a encontrar, na base do primeiro e como coroa da segunda, a mesma figura de mulher: a Virgem Maria, precisamente, enquanto ela é Mãe de Cristo e Mãe da Igreja.”

A carta inteira do Santo Padre mostra as conseqüências da Igreja ter Maria por mãe e modelo. Nela nós enxergamos o projeto original de Deus para cada um de nós e para a Igreja como um todo. Afinal, se a Igreja é o Corpo Místico de Cristo, e nós somos membros deste Corpo, pelo batismo, então Maria é nossa mãe e Mãe da Igreja! Ela é a Mãe de Jesus, cabeça da Igreja e a Igreja é o
corpo místico de Cristo, princípio e primogênito de todas as criaturas celestes e terrestres (cf. Ef 1,18).

A partir desta intuição de Paulo VI, o título Mãe da Igreja, ou Mater Ecclesiae, em latim, tornou-se bastante popular. No dia 15 de março de 1980, já sob o pontificado de João Paulo II, este título foi acrescentado à Ladainha, após a invocação “Mãe de Jesus Cristo”. Em 1981, o mesmo papa ordenou que se colocasse solenemente a imagem pintada de Maria, Mãe da Igreja, na fachada da Secretaria de Estado do Vaticano, em Roma.

A evolução da Ladainha é algo comum na história da Igreja. No início ela era composta de 43 invocações que foram sendo recompostas ao longo dos séculos. Por exemplo, no século 19, quando se discutia o dogma da Imaculada Conceição, o Papa Gregório XVI (1831-1846), incluiu na Ladainha a invocação “Rainha concebida sem pecado original”. Leão XIII, o papa da Doutrina Social da Igreja, que teve seu pontificado na passagem do século 19 para o século 20, acrescentou duas novas invocações: “Mãe do Bom Conselho” e “Rainha do Santíssimo Rosário”. O papa Papa Bento XV (1914-1922), durante os horrores da Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918), acrescentou a invocação “Rainha da Paz”. O Papa Pio XII (1939-1958), após a Segunda Guerra Mundial, definiu o dogma da Assunção de Nossa Senhora (1950). Na ocasião, acrescentou a invocação “Rainha elevada ao Céu em corpo e alma”. O próprio João Paulo II, além da invocação “Mãe da Igreja”, decretou que se incluísse também uma bela nova invocação: “Rainha da Família”. Esta deveria vir entre “Rainha do Santíssimo Rosário” e “Rainha da Paz”. A intenção era justamente passar a mensagem de que a família que reza, alcança a paz. Maria é mãe na Sagrada Família e na Igreja. Ela é modelo de oração e Rainha da Paz.

A Família é um Santuário da Vida, a pequena Igreja doméstica; a Igreja é uma família, a grande família dos filhos de Deus. Por isso, invocar Maria como Mãe da Igreja, significa reconhecê-la como modelo e intercessora da Igreja e da Família. Peçamos à mãe que cada família se torne uma Igreja e que cada Igreja se torne um lar. Cada pai e mãe sejam sacerdotes que levem sua família à santificação e que cada padre seja um “pai do povo”, que seve sua comunidade à comunhão. Maria, mãe da Igreja, rogai por nós!

A décima das doze invocações de Maria como “Rainha” saúda a Mãe de Deus como “Rainha assunta ao céu”, em latim Regina in Coelum Assumpta. O final da ladainha acena para o mais recente dos dogmas marianos: a assunção de Maria. Pessoalmente tenho um grande carinho por este dogma, pois minha mãe nasceu na véspera da festa da Assunção – 15 de agosto – e se chama Maria da Glória. Nasci e vivi minha infância na cidade de Brusque, em Santa Catarina, onde temos o Santuário de Azambuja, que celebra todos os anos com grande solenidade a festa da Assunção.  

            O Papa Pio XII, em 1950, definiu como dogma de fé que, terminado o curso sua vida terrena, Maria foi “elevada” ou “assumida” de corpo e alma no céu. No mesmo ano esta invocação passou a fazer parte oficialmente da Ladainha. Alguém poderia questionar o sentido destes quatro dogmas. De modo algum é uma forma simplória de elogiar Maria. Ela não foi escolhida por seus méritos, mas pela graça de Deus. Os dois primeiros dogmas, mais antigos e claramente bíblicos, indicam a natureza de Jesus Cristo e garante a verdade fundamental da salvação. Dizer que a “virgem” Maria concebeu do Espírito Santo, significa professar a fé na divindade de Jesus. Nele o “Verbo se fez carne” (Jo 1,14). O céu assumiu definitivamente a terra. Mas para que não reste dúvida da inseparabilidade da divindade e da humanidade de Jesus, dizemos que Maria é “Mãe de Deus”, ou seja, é mãe do Cristo todo, pois nele não existe um departamento humano e outro divino.

            Os dogmas da “imaculada” e da “assunção”, são bem mais recentes. Eles se referem à origem e ao destino da humanidade. Maria é ícone do povo de Deus. Olhando para ela vemos nossa identidade como em um espelho. Ela foi imaculada. Esta é a nossa origem. No princípio era a santidade original. Somente depois veio o pecado original. Um dia, no céu, seremos santos e imaculados. Todos nós queremos ser assumidos no colo de Deus. Cada um terá a sua própria “assunção”.

            Temos que superar aquela visão simplista de Maria sendo elevada por anjos para além das nuvens. Por uma questão de delicadeza teológica, a Igreja evita responder à pergunta se Maria morreu ou não. Na verdade, desde tempos muitos antigos os cristãos festejavam a festa da “Dormição de Maria”. Prefiro a tradução de “assunção” como aquela que foi “promovida”, ou “assumida”.

            Alguém me perguntou se este dogma tem fundamento bíblico. O Magnificat é fundamento suficiente. “Exulta de alegria o meu espírito em Deus, meu Salvador … / Porque fez em mim maravilhas o Onipotente” (Lc. 1, 47.49). Assumir Maria no céu foi a última das grandes Mariavilhas que Deus fez na vida de Maria. Aquela que foi concebida sem pecado e viveu cheia de graça só poderia receber o “prêmio da coroa eterna”. Mas adiante o canto de Maria dirá que Deus “derruba do trono os poderosos e eleva os humildes” (cf. Lc 1,46s). Esta “elevação” é o sentido próprio da assunção. Todos nós devemos viver esta mística em nosso dia-a-dia. Somos chamados a promover as pessoas, a praticar a solidariedade e a promoção humana. Muitos vivem em um verdadeiro inferno de dor, sofrimento, fome, injustiça, pecado. Os pobres esperam a mão solidária que os eleve. Jesus disse que quem pratica estas obras de misericórdia, ou de promoção humana, será acolhido no abraço definitivo, no reino dos céus (cf. Mt 25).

            Os dogmas não são apenas de Maria. Revelam a identidade de Cristo e a face de cada um de nós. Como disse Santo Ambrósio: “Esteja em cada um a alma de Maria a glorificar ao Senhor, esteja em cada um o espírito de Maria a exultar em Deus; se, pela carne, uma só é a mãe de Cristo, pela fé todas as almas geram a Cristo: cada uma, de fato, acolhe em si o Verbo de Deus” (Exp. ev. sec. Lucam, II, 26).       Maria é sinal de esperança, é estrela da manhã que precede o sol nascente, a luz do alto que veio nos visitar. Vamos assumir Deus e promover os irmãos e Deus nos assumirá e nos promoverá ao Reino do Céu. Rainha assunta ao céu, rogai por nós!

A nona das doze invocações de Maria como “Rainha” saúda a Mãe de Deus como “Rainha concebida sem pecado original”, em latim Regina Sine Labe Originali Concepta. O final da ladainha acena para um dos principais dogmas marianos: ela foi preservada do pecado original. Mas qual o sentido deste dogma?

Antes é preciso recordar quais são os quatro dogmas que se referem a Maria: 1. Virgindade Perpétua; 2. Maternidade Divina; 3. Imaculada Conceição; 4. Assunção ao céu. Os dois primeiros dogmas foram definidos na Bíblia e reconhecidos pela Igreja ao longo do primeiro milênio. Os dois últimos são definições recentes da Igreja. Nenhum deles está preocupado em definir a identidade ou os méritos de Maria. Todos os dogmas marianos, na verdade são cristológicos, ou seja, defendem a natureza de Jesus Cristo como Verbo Encarnado, verdadeiramente humano e divino. Isto é importante, pois, como dizia Santo Irineu já no século 2, “o que não foi assumido, não foi redimido”. Se a encarnação foi uma farsa, então não fomos salvos pelo sacrifício de Cristo na cruz.

          No início do cristianismo algumas pessoas achavam que Jesus era simplesmente homem com aparência de Deus. Outros achavam que era Deus com aparência de homem. Era difícil acreditar que Deus infinito e onipotente pudesse se encarnar… assumir os limites de um Galileu de Nazaré! Por isso, a Igreja no Concílio de Calcedônia teve que afirmar que Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, sem confusão nem separação.

          Ao dizer que Maria concebeu do Espírito Santo, ou seja, na virgindade, os evangelistas defendiam que Jesus não era somente humano; era Filho de Deus pela ação direta do Espírito Santo. Portanto, o dogma da “virgindade de Maria”, na verdade afirma a divindade de Jesus!

          Ao dizer que Maria é Mãe de Deus (Theotokos) a liturgia dos primeiros séculos queria afirmar que entre a natureza humana e divina de Cristo não poderia haver separação. Maria é mãe do Cristo inteiro; ou seja, a natureza divina realmente assumiu (e salvou) a natureza humana. Portanto, o dogma da “maternidade divina” de Maria, na verdade afirma a humanidade de Jesus enquanto Deus!

             Mas e o dogma da Imaculada Conceição? Esta verdade de fé demorou muito para ser aceita pelos teólogos. Mesmo Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino tiveram dificuldades de entender a Imaculada Conceição. Se Maria tivesse nascido sem o pecado original, do que então teria sido salva? Ela teria sido a única criatura que não precisou do sacrifício redentor de seu filho? É claro que não.

             Na verdade o povo e a devoção popular acreditavam neste dogma bem antes da sua definição oficial por parte da Igreja. Veja que a imagem que veneramos em Aparecida é a da Imaculada Conceição. Lembre que foi encontrada no Rio Paraíba no século 18 e o dogma da Imaculada Conceição foi definido pela Igreja somente no século 19.

             A solução para este enigma é simples. Aos poucos os teólogos foram entendendo que a salvação oferecida em Cristo é mais do que simplesmente redimir dos pecados. Maria não pecou, mas teve que ser recriada em Cristo; nele todos somos regenerados… gerados novamente para uma vida nova. O dogma da Imaculada Conceição mostra que antes do pecado original existia a graça original. Fomos criados sem defeito de fabricação. Um dia seremos novamente imaculados. Não teremos mancha. Maria nos precede na ordem da graça. Na que foi “cheia de graça” não haveria espaço para a desgraça.

             Devemos caminhar para esta meta. O céu também é conquista. A graça vai nos tornando plenos até ficarmos imaculados.

             Rainha concebida sem pecado original, rogai por nós!

 

 

A oitava das doze invocações de Maria como “Rainha” saúda a Mãe de Deus como “Rainha de todos os Santos”, em latim Regina Sanctorum omnium. Após os apóstolos, mártires, os confessores da fé e as virgens, chegamos a todos os que viveram uma vida exemplar de configuração a Cristo: os santos. Santidade é isso: “amar como Jesus amor, sonhar como Jesus sonhou, viver como Jesus viveu, sentir o que Jesus sentia, sorrir como Jesus sorria!” (Pe. Zezinho, scj). É poder repetir as palavras do apóstolo Paulo: “Já não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20).

          Com Maria não foi diferente. Em sua vida de santidade ela foi se tornando cada vez mais parecida com seu filho. É um caso único. Normalmente os filhos é que nascem parecidos com a mãe. Príncipes são os filhos das rainhas. Mas Jesus não herdou sua realeza de Maria. Ela é que se tornou rainha por ter sido a mãe do Rei dos reis.

          Canta-se por aí que Jesus é o “Filho da Rainha”. Fico me perguntando por que a Igreja não utilizou este título em 2.000 anos de história. Pessoalmente não o utilizaria e se corrigisse a canção sugeriria a mudança para “o Filho de Maria”. Mas não acho que exista um erro teológico na expressão e nem mesmo uma heresia. Somente não é usual, é impreciso e pode exagerar o valor de Maria diante do primado do Filho, que é Rei. As metáforas próprias da expressão poética sempre escondem alguma imprecisão, e talvez seja isso que lhes dê a capacidade de revelar algo a mais do Mistério, muitas vezes inacessível à reflexão teológica. A liturgia é repleta de metáforas. Os salmos exageram nas comparações.

Não podemos negar que Maria é chamada de Rainha em toda a Tradição da Igreja. No tempo Pascal rezamos o Regina Coeli. No final do Rosário rezamos a Salve Rainha. A ladainha mariana exagera no reinado de Maria, chamando-a até de Rainha dos Apostolos (Regina Apostolorum). Temos até mesmo uma esclarecedora Encíclica de Pio XII (1954), sobre a realeza de Maria. A encíclica se reporta a Maria como rainha com expressões como: Mãe do Rei divino, bem-aventurada rainha virgem Maria, Mãe do céu, Mãe do meu Senhor”,”mãe do Rei”, a mãe do Rei, Virgem augusta e protetora, rainha e senhora, Mãe do Rei de todo o universo”, “Mãe virgem, [que] deu à luz o Rei do todo o mundo”, senhora, “dominadora” e “rainha”, “Senhora dos mortais, santíssima Mãe de Deus, rainha do gênero humano, “Senhora de todos aqueles que habitam a terra”,”rainha, protetora e senhora”, senhora de todas as criaturas”ditosa rainha”, “rainha eterna junto do Filho Rei”, rainha de todas as coisas criadas, rainha do mundo e senhora do universo Mãe e Rainha,  Mãe do Rei dos reis etc.

Todos estes títulos apenas encontram justificativa na íntima união entre Maria e seu Filho Jesus, no horizonte da doutrina da recapitulação já delineada por Santo Irineu no século II. É por isso que Pio XII afirma de modo bastante claro: “E certo que no sentido pleno, próprio e absoluto, somente Jesus Cristo, Deus e homem, é rei; mas também Maria – de maneira limitada e analógica, como Mãe de Cristo-Deus e como associada à obra do divino Redentor, à sua luta contra os inimigos e ao triunfo deles obtido participa da dignidade real. De fato, dessa união com Cristo-Rei deriva para ela tão esplendente sublimidade, que supera a excelência de todas as coisas criadas: dessa mesma união com Cristo nasce aquele poder real, pelo qual ela pode dispensar os tesouros do reino do Redentor divino; finalmente, da mesma união com Cristo se origina a inexaurível eficácia da sua intercessão junto do Filho e do Pai” (nº 37).

 Recordo que quando era criança, em Brusque, a todos que perguntavam quem eu era, respondia: “O filho da Dona Glória”. Hoje minha mãe costuma ter que se apresentar dizendo que é a mãe do Padre Joãozinho. Mas realmente existe alguma diferença? Rainha de todos os Santos, rogai por nós!

A sétima das doze invocações de Maria como “Rainha” saúda a Mãe de Deus como “Rainha das Virgens”, em latim Regina Virginum. Após os apóstolos, mártires e confessores da fé, já nos primórdios do cristianismo, as pessoas que optavam pelo estado de vida que Jesus escolheu começaram a ser reconhecidas por sua vocação. Aqueles e aquelas que não casavam para dedicar-se inteiramente à comunidade, ao Evangelho, aos pobres, eram conhecidos(as) como “virgens consagradas”.

Formar uma família é uma vocação belíssima. Deus escolheu nascer em uma família de periferia. Porém, o próprio Jesus não formou uma família humana para se dedicar inteiramente a fazer da terra uma grande família de irmãos. A isso chamamos opção celibatária. O normal seria casar e ter filhos. Afinal, esta foi a ordem primordial que o Criador nos deixou:

“Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. Deus os abençoou: ‘Frutificai, disse ele, e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra.’ […] Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o sexto dia.”  (Gn 1,27-31)

          Qual seria então o sentido de algumas pessoas renunciarem a formar família para viver algum tipo de virgindade consagrada? No ano 2008, o papa Bento 16 recebeu no Vaticano 500 mulheres pertencentes à Ordem das Virgens Consagradas. Apesar de existir desde o início do cristianismo, esta Ordem foi restaurada pelo Concílio Vaticano II. Na ocasião o papa disse que esta vocação é um “dom na Igreja e para a Igreja” e convidou-as “a crescer dia após dia na compreensão de um carisma tão luminoso e fecundo aos olhos da fé, quanto obscuro e inútil para os do mundo”.

De fato a vida consagrada é sempre um sinal de contradição. Em outras palavras poderíamos dizer que ela é um grito profético. O profeta denuncia e anuncia. Os consagrados são profetas por meio dos votos de castidade, pobreza e obediência.

Pelo voto de castidade, os religiosos e religiosas, denunciam a idolatria do prazer e anunciam o reino da fraternidade universal. O consagrado vive antecipadamente aquilo que um dia viveremos no céu. Por isso, ele é um sinal de esperança no meio do povo. É bonito quando todos chamam aquela mulher de “irmã” ou “madre” (mãe). Pense, por exemplo, em Madre Tereza de Calcutá ou em Irmã Dorothy Stang, assassinada em 2005. São pessoas que reconhecemos como consagradas a uma causa justa. Elas nos ajudam a entender perfeitamente o sentido da “virgindade consagrada”.

Pelo voto de pobreza o religioso denuncia a idolatria do ter e anuncia o reino da solidariedade universal. Os consagrados não retém os bens em seu próprio favor. O que eles têm é colocado a serviço da missão. Vivem da Divina Providência e dedicam seu tempo e sua vida a causa dos mais pobres.

Pelo voto de obediência o religioso denuncia a idolatria do poder e anuncia o reino da disponibilidade universal. Vivemos em um mundo onde “quem pode mais chora menos”. Para muitos a vida é uma corrida onde só vale a pena se “eu” chegar primeiro. Os consagrados aceitam o último lugar. Sabem que servir vale mais do que ser servido. Abrem mão de projetos pessoais em nome do bem comum.

Você pode ter a vocação de colocar seu coração nas mãos de Deus em total consagração. Vá em frente. Vale a pena. Pode ser em uma congregação religiosa ou comunidade de vida; mas pode ser também na Virgindade Consagrada. Procure seu bispo. Ele pode receber sua consagração secreta. Ninguém precisará saber. Existe até um rito oficial para esta consagração. Você não formará uma família na terra para viver um matrimônio místico com o Esposo da Igreja, Jesus Cristo. E não esqueça que Maria reza de um modo todo especial por você. Rainha das Virgens, rogai por nós!

A sexta das doze invocações de Maria como “Rainha” saúda a Mãe de Deus como “Rainha dos Confessores da Fé”, em latim Regina Confessorum. Após os apóstolos e mártires, os confessores da fé foram venerados em sua santidade desde os primórdios do cristianismo. A partir do século IV, quando cessaram as perseguições contra os cristãos e, naturalmente, diminuiu o número de mártires, a categoria dos “Confessores da Fé” começou a ser venerada por seu testemunho de santidade. Confessor era aquele que dava um testemunho público e notório de sua fé, especialmente por seu testemunho de vida cristã. Inicialmente somente os mártires recebiam o culto de “santidade”, por seguir Jesus até a cruz. Aos poucos a Igreja foi entendendo que existem outras formas de martírios que nos tornam discípulos-missionários de Jesus Cristo. Confessar a fé em palavras e gestos é uma forma de ser santo, ou seja, configurado a Jesus.

          Inicialmente os Confessores da Fé eram reconhecidos pelo bispo local, que tinha como um dos critérios a Vox populi, ou seja, a fama de santidade que a pessoa tinha no meio do povo. Pessoas reconhecidas por sua santidade passavam a ser espontaneamente veneradas como “santos” e “santas” sem que fosse necessário um longo e minucioso processo de “beatificação” e “canonização”. A partir do século X o reconhecimento oficial da santidade começou a ser feito por Roma. A partir do século XVI todos os processos de reconhecimento da santidade passaram a ser feitos pela Congregação para a Causa dos Santos, em Roma. Existem, basicamente, dois momentos. Primeiro se reconhece a santidade permitindo o culto local: é a beatificação. O próximo passo é a canonização, que permite o culto do santo em toda a Igreja, ou seja, no mundo inteiro. A palavra “canonização” significava a inserção do nome do santo no Cânon romano da missa, ou seja, na Oração Eucarística.

          Maria é a Rainha dos Confessores da Fé, ou seja, de todos os que não têm receio de dar testemunho público de que acreditam em Jesus e vivem o que ele pregou, mais que isso, vivem como ele viveu. Poderíamos até arriscar dizer que Maria foi a primeira confessora da fé. Ela não sofreu o Martírio do sangue; não esteve entre o grupo dos doze apóstolos. Sua santidade é toda especial.

          Há um episódio na vida de Jesus em que ele mesmo reconhece que a santidade de Maria não se resumiu no fato de ter sido escolhida para ser a mãe do messias. Claro que em primeiro lugar sempre vem a Graça de Deus. Mas logo em seguida vem a nossa resposta em gestos a esta Graça. Vejamos o texto:

“(…) uma mulher levantou a voz do meio do povo e lhe disse: Bem-aventurado o ventre que te trouxe, e os peitos que te amamentaram! Mas Jesus replicou: Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e a observam! “  (Lc 11,27-28).

Maria permaneceu bendita entre todas as mulheres da Terra, porque respondeu à Graça. Ela ouviu a Palavra de Deus e a observou em sua vida. Em Cana este foi o conselho que ela deu aos servos: “Façam tudo o que meu Filho vos disser”. Isto é ser Confessor da Fé. É ouvir atentamente a Palavra de Deus e encarná-la em nossos gestos, em nosso dia-a-dia.

Maria é a rainha de todo aquele que se esforça por dar testemunho em todos os lugares. Quando você usa um sinal externo que testemunha a sua fé… está sendo confessor. Quando você conversa com um colega de trabalho e não tem vergonha de dizer que é feliz por ser católico, que lê a Bíblia, que reza em casa, que vai na Missa… isto é ser confessor. Quando você testemunha com seus gestos de caridade, de justiça, de solidariedade que ama os pobres e vê neles a imagem do próprio Cristo… está sendo um confessor. Confessar a fé é buscar a santidade. Não buscamos o culto, nem o reconhecimento. Mas ninguém acende uma vela para esconder sob a cama. É preciso que as pessoas percebam nosso testemunho. Mais do que com palavras, acredite que o testemunho dos gestos convence. Muitas pessoas vão fazer de conta que não viram, mas o confessor é uma luz em sua família e em seu bairro. Não tem como negar. Ele é reflexo vivo de Jesus Cristo. Maria nos ensinou este caminho! Rainha dos Confessores da Fé, rogai por nós!