Semana passada, tratamos dos momentos finais da gestação de nosso bebê e seu nascimento. Tão logo ele nasceu, minha esposa começou a passar muito mal, a ponto de ter que ser novamente conduzia à UTI. Minha sogra e eu fomos obrigados a ir embora do hospital deixando ambos, mãe e filho.

Como lidar com os sentimentos ao deixar minha esposa e meu filho na UTI entre a vida e morte?

Todas as pessoas com os quais partilhamos sobre os acontecimentos que precederam o nascimento do André demonstraram os mesmos sentimentos que nos possuía: frustração, angústia, humilhação… Juntava-se a isso uma grande compaixão pela minha situação e de nossos familiares presentes em casa.

 

Minha esposa e meu filho entre a vida e a morte na UTIFoto: Andrei Malov / iStock. by Getty Images

Após o parto, as complicações

A pressão da Elisa tornou a subir após o parto, contrariando assim toda a expectativa da médica e nossa. O processo normal de recuperação da eclâmpsia seria diminuir a pressão após a retirada do bebê, no entanto, essa certeza foi substituída por um descontrole total da pressão. Ela desenvolveu uma síndrome rara chamada Hellp, sofrendo novo aumento de pressão, inchaço e insuficiência renal aguda. Felizmente, ela não desenvolveu todo o quadro da síndrome, pois seria fatal. Eu nem sei quantos remédios de controle de pressão ela estava tomando, mas eram vários.

Leia os textos anteriores deste testemunho.

:: Deus não faz o milagre pela metade
:: Eclâmpsia, uma notícia fulminante
:: Na hora da provação, a importância de um amigo
:: Nasce nosso filho ao sexto mês de gestação

Fomos visitá-la no outro dia. Ela estava ainda muito emocionada e nós também. O médico plantonista da UTI nos deu a informação sobre o problema renal agudo pelo qual ela estava passando. Procuramos dar-lhe forças, embora sem saber bem o que dizer. Estávamos muito perdidos, ainda tentando superar a expectativa frustrada de melhora que deveria vir após o parto. Não pude ficar muito com ela, pois o horário de visitas na UTI de adulto e na UTI infantil era o mesmo. Deixei-a com minha sogra e fui visitar o André na UTI neonatal.

Da UTI de adulto para a UTI infantil

O que dizer? Ele cabia dentro da palma de uma mão. Seu peso, que após o parto era de 900g, diminuiu para 800g. Era tão pequeno e frágil, que tive medo de tocá-lo. Com a ajuda da médica, fui falando com ele, procurando lhe dar forças. Mas de onde tirá-la? Sair de uma UTI e ir para outra consumia qualquer força que eu pudesse ter. Transmitia-lhe os recados da mãe: “Aguente firme, filho, mamãe está esperando por você. Papai está aqui e nós o amamos”.

Nesse dia, fui encontrar-me com a enfermeira chefe, para lhe pedir que estendesse um pouquinho o horário de visitas na UTI adulto, pois, antes, eu tinha que ir à UTI infantil. Tive de trocar a ordem de visitas e ir primeiro à UTI neonatal, porque a Elisa queria que eu fosse vê-la levando informações do nosso bebê.

Deus sempre nos compreende

O sentimento de deixá-los no hospital era intenso, estranho e difícil. Era como se uma parte de mim ficasse lá. Era descabido ficar longe deles. Meu coração e meus pensamentos permaneciam ali com eles no hospital, e eu ia só com o corpo para casa.

Os dias foram se passando e essa estagnação permanecia. Era como se, na minha vida, houvesse uma pausa temporal, pois eu não tinha lucidez completa em nada do que vivia. Era como se eu não estivesse em nenhum lugar que não fosse no hospital. Rezava muito, todos os dias, sem esmorecer. Era somente com Deus que eu podia falar absolutamente de tudo o que se passava em mim. Em casa, tive a companhia de muitas pessoas de nossa família, no entanto, não era possível ficar remoendo todos os meus pensamentos e sentimentos com eles, pois acabávamos por nos afundar mais na tristeza. Por isso, aquele que me ouvia nos detalhes era Deus.

Na vida, independente do que passamos, nosso relacionamento com Deus deve transcorrer exatamente dessa forma, verdadeira e transparente. Falar para as pessoas dos nossos sentimentos e pensamentos mais íntimos sempre é perigoso, pois vamos expressar nossas coisas com palavras que tentam chegar perto do que estamos sentindo. Ao passo que o outro vai tentar entender aquilo que falamos da forma com que ele entende essas mesmas palavras. Ou seja, a compreensão nunca vai ser exata. Tanto pela nossa limitação em expressar nossos sentimentos, quanto na compreensão, da parte do outro, do que estamos falando.

No entanto, esse problema não se passa com nosso Deus. Antes de a palavra chegar à nossa mente e aos nossos lábios, Deus já sabe o que está se passando conosco. Mesmo assim, se procurarmos nos expressar ao máximo possível com Deus, nunca haverá um erro de interpretação da parte d’Ele. O Senhor nos acolhe, Ele nos abraça e entende. E mesmo que nosso assunto seja de algo que não aceitamos no coração, mesmo que seja algo vergonhoso, Ele já sabe e nos ama mesmo assim.

Não estou querendo dizer que não devamos nos esforçar para nos expressarmos com Deus, pois é nesse movimento de diálogo com Ele que vamos começar a tomar consciência do que nós mesmos estamos passando. A partir desse conhecimento, poderemos nos posicionar frente ao que estamos passando e dar passos concretos para a nossa própria cura e conversão.

Ela desistiu de viver

Os dias foram se passando. Os rins ainda não funcionavam. Por causa disso, a Elisa passou a ter de fazer hemodiálise. O fato de os rins não funcionarem trazia para ela um inchaço tremendo, o que não permitia que sua pressão baixasse. Tudo era tão difícil, que chegou um momento em que ela me confidenciou, entre uma dessas hemodiálises, que não estava mais aguentando, que estava entregando os pontos e não lutaria mais para viver.

Sobre isso, continuaremos semana que vem.

Próximo texto.

 


Roger de Carvalho, natural de Brasília – DF, é membro da Comunidade Canção Nova desde o ano 2000. Casado com Elisangela Brene e pai de dois filhos. É estudante de Teologia e Filosofia.

 

7 Comentários

  1. Francisco Gondin

    Força. Confia. Isso não é tão incomum assim. É grave? Sim. Pode-se esperar um bom desfecho? Sim.

  2. Maristela Inocêncio Nascimento

    Dizer sempre: aguenta firme, meu irmão e minha irmã! Coloque tudo nas mãos de Deus e confie pois ele sabe o que é melhor! Através do sofrimento Deus está agindo. Apenas confie Naquele que tudo pode.

  3. Desejo um milagre de Deus para o seu lar. É difícil demais viver momentos diferentes do que esperamos, mas Deus sempre nos abraça e nos fala ao coração.

  4. Iraneide Maria Matos de Sousa

    Que Deus continue lhe dando muita força e coragem para saber lhe dar com todas essas adversidades, estarei aqui na torcida é rezando por todos vocês, também já passei por adversidades, mas nada se compara ao sofrimento do outro, Deus só dá o fardo a quem sabe carregar, ninca desista independente da situação, Deus está vendo sua luta, tudo acontece no seu tempo e não no nosso, Deus no comando de tudo e nossa Senhora também interceda por vc é todos os seus!!! Que Jesus misericordioso tenha misericórdia de você e de sua família!!!!

  5. eudocino alexandre de souza

    Salve Rainha, Mãe de Misericórdia, vida e doçura esperança nossa salve! A vós bradamos degredados filho de Eva.

    A vós suspiramos gemendo e chorando neste vale de lágrimas.

    Eia pois advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei, e depois deste desterro, mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre, ó clemente, ó piedosa ó doce e sempre Virgem Maria.

    Rogai por nós Santa mãe de Deus, para que sejamos dignos da promessa de Cristo. Amém.

  6. Passamos por situação semelhante em nossa família com um tio na UTI com super bactéria. Mesmo com muita oração, víamos a situação dele ora melhorar e ora piorar. Os médicos davam o seu melhor, mas nem sempre a reação era positiva. A nós só cabia a confiança em Deus expressada pelas nossas orações, não para que ele saísse dessa mas sim que fosse feita a vontade do Pai. Graças a Deus ele saiu dessa, está se recuperando bem, e pode agora testemunhar o quanto as orações que fazíamos em seu leito de UTI o ajudaram a ser liberto daquela força que tentava puxá-lo para o outro lado.
    Sabemos o quanto pode ser doloroso, mas temos que entregar o destino à vontade do Pai, e assim conseguiremos a paz em nossos corações. Que o Nosso Senhor possa olhar pela sua família e em sua misericórdia ir em auxílio dos vossos. Que Deus abençoe!!!

  7. Pingback: Foram mais de sessenta dias na UTI - Roger de CarvalhoRoger de Carvalho

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