Só pode testemunhar aquele que viu ou vivenciou algo; e é justamente isso que venho fazendo desde os últimos posts. Tenho partilhando tudo o que pude lembrar daquilo que o Senhor fez na vida de minha família. De modo particular, a gestação e o nascimento de nossos dois filhos, o André e a Maria Júlia.

No último texto, eu falei sobre o que foi a gestação de nossa filha, que, ao nascer, foi conduzida para a UTI neonatal para ganhar peso, pois, ao oitavo mês de gestação, devido a uma má irrigação sanguínea no útero, estava com somente 1300g. Em torno do décimo quinto de dia UTI, ela foi acometida de uma infecção generalizada, o que causou uma parada cardiorrespiratória. Fomos chamados às pressas para nos despedirmos dela ainda com vida.

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O susto da ligação do hospital foi muito grande

O toque do telefone estava alto, e aquele som ficou gravado em nosso interior de tal forma que, toda vez que ele tocava novamente, vinha a dolorosa recordação do que ele anunciara naquela madrugada: a médica da UTI que nos chamava para ver nossa filha pela última vez viva. E esse toque, por assim dizer, fúnebre, desesperado, doloroso, lembrava-nos que algo ainda pior poderia ser anunciado novamente. Por fim, troquei o som. Inútil foi, pois enquanto a Maria Júlia estivesse em estado grave na UTI, qualquer ligação nos assustaria.

Ao dirigir às pressas para o hospital, tomei consciência da gravidade da coisa e rompi o silêncio no carro: “Amor, você sabe que quando nos ligam assim, fora da hora de visita, é para se despedir, né?”. A Elisa só sinalizou com a cabeça.

Saímos de casa já em oração. A confusão no coração era muito grande. Um monte de coisa vem e vai e não dá tempo de pôr em ordem. Quando, na oração, as palavras faltaram, passamos a repetir a jaculatória “Vinde, Deus, em nosso auxílio. Socorrei-nos sem demora”. E assim fomos repetindo até chegar ao hospital, cerca de 20 minutos de onde moramos.

Na recepção, nós nos identificamos e os guardas já sabiam do que se tratava. Foram abrindo as portas depressa até chegarmos frente à médica da UTI. Lembro-me como se fosse ontem: eu estava com uma camisa polo azul escura. Ao sentarmos com a médica, ela usou a cor da minha camisa para exemplificar até que ponto se turvou a cor da Maria Júlia, sem respirar. Desde as 22h30, eles estavam lutando para mantê-la viva, com estímulos e medicamentos. Ela havia nos ligado no calor de uma parada respiratória, cerca das 2h30 da manhã.

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Naquele exato momento, ela estava estabilizada. A médica disse que havia conseguido nos últimos 20 minutos. Lembrei-me que foi enquanto rezávamos a jaculatória: “Vinde, Deus, em nosso auxílio. Socorrei-nos sem demora”.

Ao entrarmos no recinto onde estava a incubadora, vimos a Maria Júlia. Ela estava de um jeito que ainda não havíamos visto: entubada, com acesso na veia, soro, completamente imóvel, de certa forma, parecia prostrada, como que entregue ao torpor dos tantos medicamentos usados, com seu corpinho todo rendilhado e ainda escurecido devido à parada respiratória.

Começamos a chorar.

Nós a batizamos

Os olhares das enfermeiras eram tristes e cheios de compaixão. Perguntei se ela havia sido batizada. Foram atrás do prontuário e ali não havia registros. Pedi um pouco de água, molhei a ponta do dedo e fiz o sinal da cruz na sua testinha, e com a voz embargada disse: “Minha filha, eu a batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Em situações como essas, a nossa mãe Igreja nos permite fazer o batismo.

Enquanto isso, minha esposa rezava muito, com suas mãos nela, pedia o milagre de sua recuperação para Deus, assim como foi com nosso primeiro filho. Logo, tivemos de sair, com o desespero no coração de realmente ter sido a última vez que a vimos viva. A médica nos despediu, disse que não adiantava ficar por ali, uma vez que ela havia se estabilizado. Disse que se a oscilação voltasse, ela tornaria a nos ligar.

Fomos, corpos ocos, embora, pois a mente e o coração ficaram junto à nossa filha.

Agradecemos a Deus por tudo até ali.

:: Próximo texto.


Roger de Carvalho, natural de Brasília – DF, é membro da Comunidade Canção Nova desde o ano 2000. Casado com Elisangela Brene e pai de dois filhos. É estudante de Teologia e Filosofia.

 

4 Comentários

  1. Lembro-me deste dia, eu estava em um misto de emoções pois estava feliz com o nascimento do Raul, mas ao mesmo tempo muito triste pois como mãe eu pensava e me colocava no lugar de minha irmã que estava sofrendo com a pequena Maria Julia… e pedia que Maria nos ajudasse nesse momento. E Ela foi acalmando meu coração como se falasse pra mim calma tudo vai dar certo.

  2. – Olá. Espero que estejam bem…
    Procuro sempre por histórias assim; p/ tentar fortalecer minha alma; minha mente…
    P/ fortalecer minha fé…
    Enfim.
    Obrigado, por está compartilhando…
    Às vezes; é só vendo esses exemplos de vitória; que ponho novamente os pés no chão… A cabeça no lugar…

  3. Bom dia, eu sempre volto aqui todos os dias desde o dia 14 de setembro de 2016, com esperança de você ter escrito mais algum testemunho de sua linda história, saiba que você e sua linda família são milagres de Deus, espero que volte a nos contar sua linda história, e saiba que tem uma pessoa aqui torcendo e rezando muito vocês.

    Quem estiver lendo este comentário e também quer que o Roger volte a escrever, comente também, juntos somos mais fortes…um grande abraço.

  4. Pingback: Sou de Deus e tenho depressão - Roger de CarvalhoRoger de Carvalho

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