Tempo de sofrimento pode ser tempo de crescimento

Faz certo tempo que tenho partilhado o testemunho de minha família. Dos milagres que nosso Senhor operou durante a gestação e nascimento de nossos dois filhos. Foram três experiências de UTI devido aos problemas nas duas gestações.

Nosso primeiro filho nasceu ao sexto mês de gestação por força do flagelo da eclâmpsia. Ele ficou mais de 60 dias na UTI, como também minha esposa, que passou 22 dias hospitalizada.

No último texto, partilhei sobre nossa filha, que nasceu bem no oitavo mês de gestação. No entanto, por ser pequena e estar abaixo do peso, precisou ir para a UTI, a fim de ganhar peso. Porém, lá ela contraiu uma infecção. Foi desenganada pelos médicos a ponto de recebermos, na madrugada, a ligação do hospital, para irmos nos despedir dela.

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Foto: KatarzynaBialasiewicz by Getty Images

O trauma de receber a ligação

Já não tenho certeza se voltamos a dormir naquela madrugada, mas me lembro de como passamos aquele dia, até a hora da visita na parte da tarde. Em 2013, não tínhamos os meios de comunicação que temos nos dias de hoje em nossos celulares. Para sermos encontrados, era preciso efetuar uma ligação para nós. Como isso não é barato, o telefone tocava poucas vezes. Com a experiência do susto do telefonema que havíamos recebido na madrugada, cada vez que o celular tocava, sentíamos gelar a alma! Imagine a experiência de aguardar a morte tocar ao telefone… E quantos não estão, neste exato momento, passando por isso!

São várias crianças na UTI neonatal. Não podíamos passar muito tempo com eles na hora da visita. Eram 30 minutos certinhos. Revesávamos esse tempo entre minha esposa e eu, cada um ficando 15 minutos com nossa filha. Como a hora da visita era a mesma para todo mundo, ali, na sala de espera da UTI, interagíamos com outros casais em situação semelhante a nossa.

De modo particular, consigo me lembrar de um casal que vinha sofrendo muito. Seu bebê estava em situação gravíssima há vários dias. Estava à beira da morte constantemente. Todos os dias, aquela mamãe saía chorando da visita. As outras mães tentavam consolá-la. Estávamos há 16 dias, diariamente indo à UTI, e quase sempre precisávamos dar uma atenção àquele casal.

Leia as partes anteriores
:: Na UTI, ela passou por uma parada respiratória
:: Os traumas da primeira gestação nos acompanharam
:: Após a eclâmpsia, decidimos ter outro filho
:: Nasceu com seis meses de gestação e não ficou com sequelas

No dia que se seguiu à parada respiratória da nossa filha, fomos à visita com o coração dividido. De algum modo, agradecidos a Deus por não ter recebido, até aquele momento, nenhuma ligação a mais da UTI neonatal. Isso significava que ainda era possível visitar nossa filha viva. Por outro lado, permanecíamos aflitos. Nessa primeira visita que se passou, quem nos consolou foi o mesmo casal que procurávamos consolar todos os dias. Nós, relativamente serenos nos dias anteriores, naquele dia tomamos o papel deles, e nos permitimos mostrar nossa dor aos demais. Aquela mesma mãe, que há dias já vinha sendo calejada pela quase morte de seu bebê, teve a força de segurar a mão da minha esposa e lhe dizer palavras de força e fé para sustentá-la.

Como pode? Cada qual ali, com seu bebê na UTI, uns mais graves, outros menos; uns fortes, outros prostrados; completamente desconhecidos uns aos outros, e ainda sobrando alguma força interior para partilhar uns com os outros!

A importância do amor mútuo

É assim que se forma uma comunidade humana, a partir do amor mútuo! Nessa hora, sabemos do que somos feitos, sabemos do que somos capazes, sabemos ser gente, desgarramo-nos das picuinhas e arrogância, e nos colocamos no papel que Deus nos deu a cada um: somos irmãos e podemos sustentar uns aos outros.

Sabíamos, mais ou menos, quais eram os casais que veríamos por pouco tempo, pois partilhávamos, cada qual, a situação de seu próprio bebê. Alguns vinham numa crescente melhora e, com o peso adequado e sabendo mamar, logo a UTI os liberava. Mas quando, repentinamente, sentíamos falta de um casal, corríamos o olhar pela sala onde ficam as incubadoras, e se não víamos mais o bebê ali, significava uma morte. Convivíamos com isso naquelas visitas. Não era fácil controlar os pensamentos, pois sempre pairava o medo de sermos os próximos.

A nossa filha permanecia quase igual à madrugada, entubada, com acesso na veia, com seu corpinho prostrado pela força dos medicamentos.

Até aquele momento, ainda não eram claros os motivos da sua parada cardiorrespiratória da madrugada. Ainda aguardávamos os resultados de exames. No entanto, para nos trazer um certo alívio, já havia sido descartada alguma anomalia cerebral.

Sem mais nenhuma intercorrência, agora sem expectativa de ver o dia de sua saída dali, fomos embora.

Até o próximo texto.

 


Roger de Carvalho, natural de Brasília – DF, é membro da Comunidade Canção Nova desde o ano 2000. Casado com Elisangela Brene e pai de dois filhos. É estudante de Teologia e Filosofia.

 

2 Comentários

  1. Olá adorei o blog da canção nova e da matéria

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