17. setembro 2020 · Comentários desativados em ALIMENTO: DÁDIVA DIVINA PARA O HOMEM! · Categories: Obesidade, SAÚDE E ESPIRITUALIDADE · Tags: ,

As religiões têm diferentes crenças, rituais e práticas que variam conforme seus laços culturais, históricos e geográficos. A maioria delas no entanto, tem como principal objetivo o fortalecimento do corpo, a mente e o espírito.

Em quase todas as religiões do mundo existe uma grande preocupação com a alimentação, sendo o alimento considerado uma dádiva divina para o homem. Nas religiões politeístas da antiguidade por muito vemos oferendas de animais aos deuses, sendo a carne desses oferecidas somente aos sacerdotes, tendo em vista a sacralidade da mesma, em outras, outros tipo de oferendas, mas sempre tendo o alimento como foco principal.

No Cristianismo por muitas vezes vemos Deus socorrendo os homens com alimentos. No livro do Exodus 16,4, o Senhor manda o Manah, o  “pão dos céus”, para os hebreus famintos no deserto. Em João, 6-8, no milagre da multiplicação dos pães, vemos Jesus com  cinco pães de cevada e dois peixinhos alimentar uma multidão de pessoas. E o clímax acontece na Última Ceia, quando Jesus consagra o pão e o vinho, alimentos comuns da mesa dos judeus da época, como descreveu Marcos em 12, 22-24.

            “Durante a refeição, Jesus tomou o pão e, depois de o benzer, partiu-o e deu-lho, dizendo: “Tomai, isto é o meu corpo”. 23. Em seguida, tomou o cálice, deu graças e apresentou-lho, e todos dele beberam. 24.E disse-lhes: “Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado por muitos.”

Uma das situações comuns a quase todas as religiões é a prática do jejum, onde a abstinência de alimentação é oferecida ao Sagrado, para purificação do espírito, facilitando assim a comunicação com o Divino.

Na Bíblia Sagrada encontramos várias passagens onde encontramos descrições sobre o jejum, como o da Rainha Ester, que desejando salvar o povo judeu do extermínio, clama a Deus pela vida dos seus:

            “Vá reunir todos os judeus que estão em Susã, e jejuem em meu favor. Não comam nem bebam durante três dias e três noites. Eu e minhas criadas jejuaremos como vocês. Depois disso irei ao rei, ainda que seja contra a lei. Se eu tiver que morrer, morrerei”. Ester 4,16

Mas o jejum mais contundente foi o de Jesus, que passou quarenta dias no deserto, preparando-se para enfrentar as tentações do demônio, para depois começar a sua vida pública, mostrando que a restrição de alimentos melhora a nossa espiritualidade e nos faz capaz de vencer as ofertas “encardidas” do mundo.

            “Jejuou quarenta dias e quarenta noites. Depois, teve fome.” Mateus 4,2

Várias são as formas de jejum que encontramos na historia da humanidade, mas vamos nos deter nas mais conhecidas e mais comuns como, o Jejum dos Cristãos Ortodoxos Gregos, o Jejum do Ramadã, o Jejum do Judaísmo, o Jejum de Daniel, Jejum das religiões orientais e Jejum da Igreja Católica Apostólica Romana.

Jejum dos Cristãos Ortodoxos Gregos

O jejum ortodoxo é um jejum sazonal praticado durante o Natal, Quaresma e na data da Assunção de Nossa Senhora (15 de agosto). Consiste em abstenção de produtos lácteos, ovos e carne e de peixe e azeite às quartas e sextas-feiras. Durante o esse jejum, pode-se consumir pão, frutas, legumes, nozes e frutos do mar. Esse jejum acontece 180 a 200 dias por anos, divididos, em 40 dias antes do Natal, 48 antes da Páscoa e 15 dias em agosto, antes da data da Assunção de Maria, além de outras datas adicionais como Epifania etc. Durante o período de jejum o álcool não é permitido.

O jejum ortodoxo é considerado uma forma de restrição calórica e semelhante a dieta mediterrânea, que tem sido associada à longevidade e baixa prevalência de doenças cardiovasculares. Os períodos de jejum são praticados de forma consistente, bem tolerada, sem alterações prejudiciais no balanço eletrolítico ou doenças cardiovasculares.

Estudos demonstraram que a prática do jejum ortodoxo durante 1 ano pode levar uma diminuição significativa da ingestão total de energia, de  proteína e de gordura, com uma redução significativa no colesterol total, no LDL- colesterol e IMC.

Jejum do Ramadã

Os muçulmanos jejuam do nascer ao pôr do sol durante o nono mês do calendário islâmico (Hijra), que é o mês do Ramadã. Durante esse período, comida e bebida são proibidas durante o dia; o jejum é quebrado tomando duas refeições sem restrições (após o pôr do sol e antes do amanhecer). É um tipo de jejum intermitente, consistindo em períodos alternados de jejum e festa. Crianças, idosos, doentes crônicos, grávidas ou mulheres que amamentam e  viajantes de longas distâncias são isentos. A duração do jejum é variável, uma vez que a data do Ramadã obedece o calendário lunar, caindo em diferentes períodos do ano, ao longo de um ciclo de 33 anos. Esse período dura 29 a 30 dias e o tempo médio de jejum dura em média 12 a 14 horas, mas pode se estender ate a 18-22 horas dependendo da latitude. Durante o jejum do Ramadã, a abstenção do tabaco e cafeína é recomendada como parte dessa crença cultural. Existem inúmeros estudos sobre os efeitos fisiológicos do Ramadã, e a maioria deles descreve um efeito positivo na composição corporal e metabolismo, mas há resultados que não mostram esses benefícios, tendo em vista a diversidade alimentar entre os fiéis de várias partes do mundo. Uma metanálise, incluindo 35 estudos, encontrou uma tendência para perda de peso de 1,2 kg durante o período de jejum, seguido de um aumento significativo após o período de realimentação 0,72 kg.  Em geral, a maioria dos estudos indica que os possíveis benefícios obtidos durante o jejum do Ramadã podem ser afetados por ingestão calórica, manutenção do IMC, hábitos culturais e país de residência. Os efeitos positivos estão documentados somente durante o período de jejum do Ramadã existindo poucos estudos que avaliem a manutenção desses efeitos a longo prazo.

Jejum do Judaísmo

O jejum do judaísmo, o Yom Kipur, ocorre no décimo dia do sétimo mês do  calendário hebraico, depois de Rosh Hashaná, o novo ano judeucom restrição total de comida e de bebida (até água). Crianças menores de 13 anos são isentos e, conforme a lei judaica, qualquer pessoa cuja vida possa ser comprometida durante o jejum, isto é, mulheres no parto, diabéticos etc. O jejum dura 25h, começando antes do pôr do sol no dia anterior do Yom Kipur, terminando depois do anoitecer no dia seguinte.

No Judaísmo ortodoxo, abstenções de confortos físicos e luxos são considerados propícios à elevação espiritual. No Yom Kipur não pode trabalhar, dirigir, cozinhar, fazer compras etc. Do ponto de vista nutricional, esse jejum é muito curto para causar alterações metabólicas com impactos significativos na saúde. O jejum judaico do Yom Kipur é diferente de outros práticas de jejum porque há uma abstenção completa de comida e água por 25h. Seu potencial imediato efeitos colaterais são dor de cabeça, desidratação e hipoglicemia; devido à sua curta duração, é improvável um impacto a longo prazo na saúde. A falta de consumo de água pode causar problemas fisiológicos estresse e metabolismo lento, com talvez mais regionalmente, ou seja, em países quentes e secos como Israel. Outros efeitos podem incluir risco de hipotermia, dor de cabeça por abstinência em consumidores habituais de cafeína, e náuseas.

Jejum de Daniel

Esse jejum, praticado por alguns cristãos, deriva da Bíblia Sagrada em que o profeta Daniel resolveu não contaminar-se e consumir apenas vegetais e água, inicialmente por 10 dias inicialmente e depois por 21 dias.  O jejum de Daniel moderno envolve a ingestão ad libitum de frutas, vegetais, grãos, nozes e óleo sendo praticado em qualquer época do ano durante 21 dias. É considerado mais rigoroso  do que outras dietas vegetarianas, pois impõe proibições de  farinha branca, conservantes, aditivos, adoçantes, aromas, cafeína e álcool. O jejum de Daniel se assemelha a uma dieta vegana. Efeitos benéficos incluem redução na ingestão total de calorias, proteínas e gorduras animais, com perfil lipídico, glicêmico e oxidativo favoráveis.  Estudos sobre seu impacto nas doenças metabólicas e cardiovasculares mostraram redução significativa do colesterol, LDL-C e pressão arterial, associados a uma melhora significativa na homeostase da glicose, caracterizada por níveis baixos da glicemia , da  insulina em jejum,  do HOMA-IR e da proteína C reativa.

Jejum das religiões orientais

Os padrões de jejum budista consistem em uma dieta vegetariana típica, excluindo carne e laticínios (às vezes leite), que é praticado durante todo o ano. O tipo de alimento varia entre diferentes países e culturas (por exemplo, budistas chineses geralmente consomem leite, enquanto os de Taiwan consomem produtos à base de soja). É proibido o consumo de vegetais picantes como  alho, cebola, cebolinha e alho-poró, além do consumo de álcool. Há falta de literatura sobre o impacto desse tipo de jejum nas populações. 

Jejum da Igreja Católica Apostólica Romana

A Igreja Católica Apostólica Romana tem suas recomendações para jejum e abstinência na quarta-feira de cinzas e na Sexta-Feira Santa, onde os fiéis devem fazer uma única refeição durante o dia, mas não proíbe um pouco de comida de manhã e à noite. Proíbe o consumo de carne, bem como de alimentos e bebidas que, segundo um julgamento prudente, devem ser considerados como particularmente procurados e caros. Em todas as sextas-feiras do ano, a menos que caiam em uma solenidade, deve-se observar a abstinência de carne vermelha. Essas recomendações não são aplicadas a menores de 14 e maiores de 60 anos e em pessoas com problemas de saúde. Não existem dados na literatura médica a respeito dos efeitos desse comportamento alimentar sobre a saúde.

Como o jejum religioso pode ser benéfico a saúde?

Durante um período de jejum prolongado com disponibilidade limitada de carboidratos, é necessária uma mudança na fonte de energia, que induz alterações metabólicas como aumento da gliconeogênese e aumento da oxidação de ácidos graxos, resultando em aumento da produção de corpos cetônicos. Evidências interessantes sugerem que a quebra de proteínas induzida pelo jejum não é aleatória, mas sim um processo organizado através de uma complexa rede molecular que inclui interação AMPK, SIRT1, FOXO e mTOR, levando a modulação da autofagia, focada na destruição proteínas desnecessárias e potencialmente perigosas, como células e auto anticorpos. Essas mudanças metabólicas podem ser obtidas em diferentes níveis com várias modalidades alimentares como restrição calórica diária, jejum em dias alternados, jejum intermitente e a alimentação limitada a um período do dia, observando as variações do ritmo circadiano tanto cerebral como hepático. Esses comportamentos alimentares implicam em redução de 20 a 40% das necessidades calóricas diárias, sem alterar o conteúdo ou a fonte de micro/macronutrientes, sendo associados à melhoria no perfil metabólico, desempenho cardíaco e retardar o aparecimento de doenças auto imunes e degenerativas, promovendo aumento da longevidade.

Referências:

1.         Sadeghirad, B., et al., Islamic fasting and weight loss: a systematic review and meta-analysis. Public Health Nutr, 2014. 17(2): p. 396-406.

2.         de Cabo, R. and M.P. Mattson, Effects of Intermittent Fasting on Health, Aging, and Disease. N Engl J Med, 2019. 381(26): p. 2541-2551.

3.         Venegas-Borsellino, C., Sonikpreet, and R.G. Martindale, From Religion to Secularism: the Benefits of Fasting. Curr Nutr Rep, 2018.

4.         Karras, S.N., et al., Effects of orthodox religious fasting versus combined energy and time restricted eating on body weight, lipid concentrations and glycaemic profile. Int J Food Sci Nutr, 2020: p. 1-11.

5.         Al-Islam Faris, M., et al., A systematic review, meta-analysis, and meta-regression of the impact of diurnal intermittent fasting during Ramadan on glucometabolic markers in healthy subjects. Diabetes Res Clin Pract, 2020: p. 108226.

6.         Rahbar, A.R., et al., Effects of Intermittent Fasting during Ramadan on Insulin-like Growth Factor-1, Interleukin 2, and Lipid Profile in Healthy Muslims. Int J Prev Med, 2019. 10: p. 7.

7.         Koufakis, T., et al., Orthodox religious fasting as a medical nutrition therapy for dyslipidemia: where do we stand and how far can we go? Eur J Clin Nutr, 2018. 72(4): p. 474-479.

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