“Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho?” Ao pensar na morte de Dom Henrique, essa frase não me sai da cabeça. “Se és apóstolo”, ensinou São Josemaría Escrivá, “estas palavras dos discípulos de Emaús deviam sair espontaneamente dos lábios dos teus companheiros de profissão, depois de te encontrarem no caminho da sua vida”. Sou missionário católico, e como “companheiro de profissão” de Dom Henrique Soares não só confirmo essa verdade como não tenho visto outra coisa de outros missionários – padres, seminaristas, religiosos, catequistas, consagrados em geral –, pessoas que compartilharam com o bispo de Palmares a tarefa de ser operários da messe. Todos têm relatado experiências profundas com Dom Henrique, tenham-no conhecido pessoalmente ou apenas por meio do seu profícuo apostolado pela internet. O que em Dom Henrique fazia arder o coração de tantas pessoas que com ele se encontravam pelo caminho? Era indiscutivelmente um homem de muitos dons, dono de uma inteligência que, como uma espada afiada, penetrava mistérios e realidades e os tornava acessíveis a todos por meio de uma capacidade de expressão sem par: Dom Henrique era excelente como pregador e como escritor. Suas palavras – escritas ou faladas – eram luz lançada sobre as trevas, vento que soprava a poeira do mundanismo, martelo que despedaçava os corações de pedra, vida que animava a alma moribunda. Mas se eram tudo isso é tão somente porque Dom Henrique não falava por si nem de si, ele anunciava Cristo, nome que saía de sua boca de um jeito tão doce, numa pronúncia tão especial e característica que só de repetir novamente o nome do Senhor – Cristo – é possível ouvi-lo dizer “Crixxto”, com um som de “x” arrastado, demorado, como se ele encontrasse muito gosto e quisesse dizer esse nome mais do que qualquer outra palavra no mundo.
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Sim, Dom Henrique era um homem de muitos dons, mas arrisco-me a dizer que o dom pelo qual o Dom será sempre lembrado é o seu amor por Cristo e por Sua Igreja. Quando ele falava era transparente a sua paixão, o seu amor, a sua alegria em ter investido sua vida no seguimento de Cristo, e isso contagiava a todos. E como Dom Henrique era católico! Que amor manifestado pela esposa de Cristo! Ele foi muito presente na missão da Canção Nova aqui em Aracaju no tempo em que foi bispo auxiliar da nossa arquidiocese. Estava sempre gravando programas, celebrando para nós, dando formação, enfim, sendo pai e pastor. Lembro-me perfeitamente que um desses momentos marcantes que vivi com ele foi na época da renúncia do Papa Bento XVI, quando o jornalismo mundano começou a alardear que aquele era um episódio sem precedentes na história da Igreja e que parecia ser o prenúncio de uma enorme crise para os católicos. Muitos fiéis estavam perturbados, assustados, temerosos. Dom Henrique tinha uma formação agendada com toda a comunidade para tratar de um tema que agora não lembro, mas ele aproveitou a oportunidade para nos dar uma aula de catolicismo e de amor a Cristo. Isso deve ter acontecido no início de 2013, mas suas palavras ainda fazem eco no meu coração: “Não fiquem aflitos, não percam a sua paz. Essa gente que fala que a Igreja está vivendo uma crise sem igual não conhece a história da Igreja. Nós temos dois mil anos de história, já vimos coisa muito pior que essa, sabiam?” E deu vários exemplos, com precisão de um historiador, de momentos conturbados relacionados aos Papas. “Mas a nossa Igreja”, concluiu, “é a Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo, e Nosso Senhor garantiu que as portas do inferno jamais prevaleceriam sobre ela. A Igreja não é dos homens, a Igreja é do Nosso Senhor Jesus Cristo. Não tenham medo”. Ele falou naquele dia exatamente com essas palavras, mas foi isso e muito mais, e como consolou o nosso coração!
Num mundo doente como o nosso, eu sei que sempre vou lembrar de Dom Henrique como um remédio católico, um daqueles raríssimos concentrados especiais que servem para todos os males que ameaçam o catolicismo do crente. Qualquer um que conversasse, lesse, ouvisse uma pregação ou, de maneira especial, participasse de uma celebração eucarística presidida por Dom Henrique, inevitavelmente terminaria a experiência mais católico do que antes. Dom Henrique era vitamina contra aquela anemia católica que nos torna mundanos e desleixados com nossa fé, com sua palavra que sempre exortava a uma vida radical de santidade. Lembro que nesse mesmo ano de 2013 ele presidiu a Santa Missa de Compromisso da Comunidade Canção Nova em Aracaju, no dia dois de fevereiro, e sua homilia foi nesse sentido. Ele nos admoestou a sermos radicais, a darmos frutos para Deus: “Canção Nova, comunidade que tanto amo, eu lhes dirijo essas palavras como bispo, como pastor de vocês: sejam radicais, amem a Cristo mais do que tudo, porque carisma que não dá fruto morre!”
Dom Henrique era antibiótico que matava as heresias e as ideias erradas que nutríamos dentro da “nossa” concepção de catolicismo. Lembro com muita clareza que no dia em que Osama Bin Laden teve seu assassinato anunciado pelo governo dos Estados Unidos (02/05/2011), Dom Henrique estava ao vivo no programa Escola da Fé, com o professor Felipe Aquino. Havia um clima de festa, de comemoração no mundo, nos noticiários, como se um pedaço do Mal tivesse sido arrancado do nosso planeta e o mundo tivesse se tornado um lugar melhor depois de um assassinato. O assunto veio à tona no programa e Dom Henrique foi enfático: “Um católico nunca se alegra pela morte de uma pessoa. A morte de um filho de Deus é sempre motivo para se lamentar. E nós não podemos jamais dizer que esta ou aquela pessoa está no inferno, porque só Deus sabe o que se passou no íntimo de cada um nas suas derradeiras horas”. Mais uma vez, não tenho como lembrar com exatidão as frases proferidas por Dom Henrique, mas o que ele disse foi isso, e mais uma vez fez arder enormemente o meu coração. Dom Henrique era também anti-inflamatório, remédio para aquela fé ferida, machucada, fruto de experiências ruins que fizeram você ter um pé atrás com autoridades, com o próprio Deus. Suas palavras eram bálsamo, porque apesar de ele nunca ter deixado de corrigir seus filhos, exercendo sua missão de pai e pastor, sempre o fazia com tanta ternura que resgatava a ovelha, nunca a afugentava.
“O Céu é logo”, escreveu Santa Teresinha. Ele veio logo para Dom Henrique, que hoje, cremos, intercede por nós. Dom Henrique muito amou e por esse amor fez da sua vida uma oferenda constante, que agora volta para Deus, mas que continuará a dar fruto aqui, entre os caminhantes dessa terra. A missão da Canção Nova de Aracaju experimentou com Dom Henrique um cuidado de pastor que está expresso na oração sacerdotal de Jesus, palavras que a nossa esperança nos diz que hoje ele pronuncia diante do seu Senhor: “Conservei os que me deste, e nenhum deles se perdeu”.
Obrigado, Dom Henrique, por fazer arder nosso coração ao nos falar de Jesus e da sua Santa Igreja. Obrigado, Senhor Jesus, porque nos permitiste ser formados por esse seu discípulo tão dedicado. O Céu é logo.
José Leonardo Ribeiro Nascimento
@leonardonascimentocn
Comunidade Canção Nova
Aracaju/SE