O brilho da santidade hoje é amarelo como o sol

A memória é algo bastante curioso. Nossos sentidos captam uma quantidade indescritível de informação a cada momento. Sons, cheiros, texturas, cores, gostos e formas vão se acumulando em profusão no nosso cérebro. É um milagre encantador que em meio a esse emaranhado de lembranças nós consigamos reproduzir em nossa memória fatos ocorridos anos, décadas atrás com razoável precisão.

Nesse sentido, uma ideia que me fascina são os “gatilhos de memória”. Nem sei se é assim que se chamam, mas explico o que quero dizer com um exemplo: até hoje, quando sinto cheiro de cola para canos de PVC, de imediato viajo trinta anos no passado e me vejo criança, observando meu pai trabalhando para ligar a nossa casa à rede de água encanada.

O outro exemplo diz respeito à pessoa sobre quem quero falar nesse texto: Jolina Pedreira de Jesus, ou apenas Jolina, membro da comunidade Canção Nova. Amarelo é a minha cor favorita, assim como é a cor favorita de Jolina. Lembro como ela gostava de se vestir com muita elegância e como eu e minha esposa sempre comentávamos que ela ficava muito bem, muito chique de amarelo. “Chique é ser de Deus”, ela respondia, com aquela risada tão sonora e cheia de energia que tornava quase impossível não rir com ela.

Jolina morou muitos anos na frente de missão da Canção Nova de Aracaju, e vivi muitas experiências com ela. Muitas escalas, muitas partilhas, muito trabalho. Ela era a formadora da missão quando me fez o convite para ser, pela primeira vez, auxiliar de formação e sempre lembrarei disso com muito carinho. Ela frequentou bastante a nossa casa, assim como nós frequentamos a casa dela. Em meio a tantas lembranças envolvendo Jolina, contudo, há um gatilho que permanece incrivelmente eficaz: até hoje, quando eu vejo uma blusa feminina amarela, lembro de Jolina. Quantas vezes eu estava andando num shopping com minha esposa e quando avistávamos uma blusa amarela, comentávamos um para o outro algo como: “Jolina iria amar aquela blusa”.

Jolina, contudo, é mais, muito mais que sua preferência por roupas amarelas. Também é muito mais que alguém alegre, que gostava de brincar dizendo que “chique é ser de Deus”.

Só Deus conhece perfeitamente o interior do coração de cada um, e todos sabemos bem disso. Assim, só o próprio Senhor sabe quão íntima Dele cada alma é. Mas assim como, por motivos curiosamente insondáveis, quando eu via uma blusa amarela eu lembrava de Jolina, após esses anos de luta e provação na saúde dela, sempre que eu a vi ou conversei com ela, imediatamente meu cérebro passou a evocar a imagem dos santos forjados pela dor.

Jolina rescendia a santidade. Isso estava no aroma, no som, nas cores, era quase um gosto em minha língua. Eu olhava para ela, eu a ouvia falar e só pensava em como Deus a queria santa, porque Nosso Senhor não lhe poupou provas e dores. Uma visita de Deus atrás da outra, um golpe atrás do outro e Jolina abraçava a Cruz, dando um sentido palpável à exclamação de Santa Teresa d’Ávila:

Sê bem-vinda, Cruz querida!”

A força e a coragem dos santos é sempre algo que me assombra, porque neles é possível ver o que Deus poderia fazer em mim se eu não fosse tão egoísta, miserável e infiel. Jolina partiu ontem para a eternidade, mas dela se pode dizer que foi obediente ao conselho tão famoso de São Josemaria Escrivá:

Que a tua vida não seja uma vida estéril. – Sê útil. – Deixa rasto. – Ilumina com o resplendor da tua fé e do teu amor.”

A vida de Jolina não foi estéril. Seu rasto é visível para tantos quantos acompanharam sua doença. Percebo minha vida iluminada pelo resplendor da fé e do amor que ela sempre demonstrou, e penso que muita gente que conviveu com ela pode fazer eco às minhas palavras.

Missionária até o último instante, tenho certeza de que a obra evangelizadora de Jolina está apenas começando. Filha de Dom Bosco, ela se gastou, não mediu esforços, não se acomodou. Como diz a música, sua vida foi uma vela consumida no altar. Fica a saudade, a dor da ausência, mas nos consolam e nos animam a esperança da ressurreição e a certeza de que hoje Jolina ouve a voz suave de Cristo a lhe dizer: “Jolina, já não vos chamo serva, mas amiga”.

A nós, que permanecemos aqui, na batalha pela santidade, resta pedir a Deus a graça de sermos firmes e perseverantes na fé, na esperança e na caridade como você se mostrou, Jolina.

Por fim, preciso dizer que se a santidade tem cor, hoje ela é amarela, como as roupas, os brincos e os esmaltes que sempre deixaram Jolina tão chique e tão bela.

.

Homenagem Canção Nova Aracaju, texto por Leonardo Ribeiro.

Comments

comments