O meu coração triunfará

Fátima, lugar – como um grande cenáculo – custodia Maria que vela para que a fé continue intacta. Desfigurar a fé significa desfigurar o rosto de Jesus, significa tirar do Evangelho a espinha dorsal da graça, da vida sobrenatural; é reduzi-lo a um manual de sabedoria humana. As aparições de Nossa Senhora convocam-nos ao coração da fé, sem o qual a vida seria assimilada pela lógica do mundo.

A 13 de Maio de 1917, na Cova de Iria, a Virgem Santa aparece aos simples, os três pastorinhos, que vivem as bem-aventuranças sem presunção: Deus resiste aos soberbos e oferece-se aos humildes. Em Fátima tudo acontece na luz: os relâmpagos, a luz sobre a árvore, o milagre do sol… tudo é luminoso. Mesmo as palavras mais sérias e as mensagens mais exigentes iluminam a fé, a vida da Igreja, a história do mundo.

A mensagem de Fátima concentra-se em duas palavras: oração e penitência! Uma certa maneira de contar as notícias hoje em dia quer fazer-nos crer que tudo é sombrio e que já não há esperança. Mas a realidade não é assim: se olharmos as coisas mais de perto, descobrimos Deus em ação. Nos apelos de Nossa Senhora temos uma visão elevada da vida, do homem, da história; vemos que a fé abraça todo o horizonte da existência. Nada fica de fora dessa luz, e nós somos chamados a morar nessa luz, a não nos afastar da autoridade de Cristo, sabendo que servir Deus não é senão deixarmo-nos salvar por Deus.

A oração e a penitência que nos recomenda Nossa Senhora, não são uma visão triste e sombria do mundo e da vida, mas, pelo contrário, exprimem a seriedade do amor de Deus por nós que somos obra das suas mãos. A superficialidade, e o desejo de possuir e de ter prazer, o desejo de fazer o que queremos sem nos referirmos a Deus, impedem-nos de ver a beleza e a seriedade do amor divino. Amar e ser amado é para nós tão necessário como o pão, mas não é um jogo: o Filho de Deus amou-nos até ao Calvário! O dom da vida é a medida decisiva e última do amor: dar a vida não é uma poesia ou um gesto sentimental, mas algo de terrivelmente sério, de trágico. Este é o Mistério da cruz: que mais poderia fazer um Deus que ama? A contemplação do crucificado expulsa de nós o torpor e a indolência, e desperta para o ardor da fé.

Fora do mistério da cruz, fora da seriedade do amor, até o pecado perde seriedade, e fica reduzido a uma norma à qual se pode dar a volta; a imortalidade da alma deixa de nos atrair, a vida eterna parece abstrata, o presente impera. A virtude da paciência, ou seja, o esforço das pequenas coisas do dia-a-dia aborrece-nos, a conversão deixa de ter um rosto religioso; rezar pelos pecadores, que somos todos nós, afigura-se como algo longínquo, quase uma insolência. Entramos assim no modo de pensar do mundo. Mas a Santa Virgem, com persistente paciência de Mãe, volta e voltará para preservar a fé e nos reconduzir à luz de Jesus: “O meu Imaculado Coração triunfará”, repete Maria aos Pastorinhos. Mas quando? Certamente no fim do mundo, quando Deus será tudo em todos: será então um triunfo glorioso e visível. Mas o coração triunfa já secretamente em tantos corações: é o triunfo de Belém, de Nazaré, do Calvário… é um triunfo secreto, mas não menos glorioso, fascinante e eficaz.

Cardeal Ângelo Bagnasco,

Arcebispo de Génova