A reparação como resistência à força do mal

Amar ao ponto de refazer o que foi destruído pelo nosso pecado, quando é reparável, é um ato de amor, de grande humildade e de esperança. Interessa-nos aqui sobretudo o primeiro e o último aspecto. O esforço por tentar consertar o que se estragou nas várias valências da vida humana apon­tadas pelos mandamentos é sinal de esperança numa outra maneira de estar no meio do mundo e de orientar por outros valores que não nos façam propender para o mal. Já o querer não ficar apenas a olhar para o passado e para o pecado que se cometeu, tentando seguir outros caminhos, é um sinal de esperança e de capacidade de luta. Este esforço de reparar o mal cometido ou infligido é um sinal de capacidade de luta contra o mal, dá mostras de que não nos resignamos e encontramos o mundo sempre como lugar de esperança. Esta é a atitude específica da fé cristã, que como fé que é confia no real e encontra o mundo como lugar da esperança, nunca vergado inexoravelmente ao mal, à força do mal para o qual, sabemos, propendemos ao ponto de não fazermos o bem que queremos mas o mal que não desejamos. Apesar desta maldição (Rom 7,24), querer reparar o mal é já sinal de capaci­dade de resistência face ao mal, de que é possível resistir ao mal nos seus efeitos fisiológicos (Übel), na sua malvadez dos malefícios que provoca (Schlecht) e na sua perturbação da ordem moral (das Böse). Reparar o mal significa que ele não é a última palavra da vida humana, que Deus é mais forte do que ele. Resistir-lhe descobre-nos um olhar positivo sobre a vida, pois abre o horizonte para lá do imediato, ao horizonte escatológico, à surpresa, à esperança, à novidade. É um sinal de saúde e de confiança. Reparar o mal só o consegue quem está acima do mal, quem não tem uma visão ma­niqueia ou gnóstica do mundo, quem faz o seu olhar parar em Deus, quem repara n’Ele, quem olha para Ele, quem tem como eixo orientador a transcendência, pois só essa liberta das contingências da história, transcende os nossos limites, transcende o mal, e por isso nos torna livres, não aprisionados. Os maus, as maldades, as coisas más então não nos afogam. Existe sempre algo mais e melhor, nun­ca nos damos por satisfeitos pelo que já temos ou pelo que já somos, pois ainda não está bem.

Texto – José Carlos Carvalho