A reparação como via de consolação

Na mensagem de Fátima a temática da reparação surge preferencialmente como a consolação a Deus e não tanto como a consolação de Deus. Trata-se de traduzir, na primeira acepção, o contribu­to que o mundo da credulidade pode dar à consolação para o próprio Deus e para o mundo, sendo este mundo na mensagem de Fátima quer o mundo presente quer o mundo post mortem. Com efeito, é comum nas aparições ver Nossa Senhora pedir a reparação dos pecados cometidos contra o seu Imaculado Coração ou contra o próprio Senhor Jesus. Para atenuar este sofrimento infligido quer à Mãe do céu quer ao Seu Filho, Nossa Senhora propõe a oração e outras práticas pedagógicas como a consagração dos primeiros sábados, a adoração eucarística ou a recitação do rosário.

É fre­quente na mensagem de Fátima encontrarmos o convite para atenuarmos o sofrimento de Deus e do seu Filho Jesus. Para tal, a mensagem de Fátima propõe que façamos memória do sofrimento do mundo. Rezar pelas almas dos pobres pecadores é um remédio para atenuar as suas penas no purgatório, assim se exprime a linguagem tradicional e da época das aparições. Isto significa que a comunhão dos santos é efetiva, ela prolonga-se para lá da morte. A nossa oração tem, por isso, grande valor, na medida em que pede a intercessão pelos pecadores para que sejam consolados e descubram a beleza da fé e da vida em Cristo. Isto é tornar a reparação orante, neste caso, um ca­minho de consolo.

Esta troca inspira-se na ação benevolente de Deus segundo 2Cor 5,21, onde Paulo ensina que Deus colocou o Seu Filho reparador (conciliador e salvador) como pecado no lugar dos irreparáveis (dos pecadores) não sendo pecador. Ao fazer isto, Cristo torna-se para o mundo o grande consolo na me­dida em que nos repara, reconstrói, reconcilia, em suma, nos salva, tira-nos de onde não consegui­mos sair por nós mesmos devido ao nosso pecado. Permitindo que participemos na sua vida, Cristo consola-nos. Tal acontece por seu mérito, por graça. É espiritual e humanamente gratificante a consciência deste dom. Dar-nos o que por nós não conseguimos alcançar é consolador. Essa dádiva é uma reparação. Cristo reparou e repara sempre em nós. Isso é consolador. Por isso, a reparação (a dádiva da vida, da fé, da graça, da solidariedade) é em primeiro lugar um consolo para o próprio como também uma graça para os que são objeto dessa dádiva.

Ao realizar o que o outro por si só não consegue mas deseja, isso é consolador, gratificante. Na verdade, a consolação não acontece apenas para aquele que é consolado, para aquele que é objeto de reparo (sobre o qual se olha com um olhar de benevolência). Antes, a consolação começa no consolador(a), no reparador(a). Nesse momento descobre que saiu do círculo da violência, está acima dos acontecimentos e compreende verdadeiramente quem sofre ao ponto de um amor maior. Neste sentido, quem repara em quem sofre, quem repara por quem sofre ama, e ao amar consola. O amor do amante recai sobre o ama­do.

A consolação de quem repara, de quem tenta ou consegue refazer as contas da história atinge/recai sobre quem é amado, sobre quem é reparado, sobre quem se faz parar o olhar de misericórdia, o que faz da reparação um caminho de consolação quer sobre quem é consolado quer sobre quem consola, sobre quem é reparado e sobre quem repara, sobre quem é amado e sobre quem ama, pois quem dá recebe ainda mais tal como promete o evangelho (cf. Mc 10,29-30).

Por José Carlos Carvalho