A consolação de Deus, no perdão

Há primeiro que ter em conta que as categorias de “consolação”, “reparação” e “perdão” aplicadas a Deus não atingem cada uma delas o mesmo grau nem a mesma aplicabilidade. Na sequência do que até agora vem sendo dito, a consolação de Deus é assim uma categoria com a qual traduzimos a ação benevolente pela qual o Pai do céu repara em nós, olha atenciosamente para nós, SE (pre)ocupa-Se connosco. Mas ela não se fica apenas como descendo dos céus, ela prolonga-se na terra. Com efeito, Deus consola para que consolemos, e podemos fazê-lo quer a Ele quer ao mundo. A consolação de Deus chega-nos no perdão quando somos perdoados, mas ela também advém ao mundo quando perdoamos o mundo, fazendo desse perdão um lugar ou tempo de consolação por onde se intui a consolação de Deus, por onde se abre o caminho da transcendência. Deus quando perdoa pretende restaurar a aliança. Quando perdoamos consolamos, aliviamos, damos conteúdo ao amor de Deus, aos seus gestos reparadores, restauradores, salvíficos.

O gesto gratuito do perdão de Deus é imerecido, fruto de uma misericórdia imotivada. Logo à par­tida, por isso é consolador, é restaurador das forças e reparador da esperança. É a tradução do Deus amor em si mesmo consolação ao Filho no Espírito. Na mensagem de Fátima encontramos várias vezes o convite para consolarmos a nosso Senhor porque é terrivelmente ofendido pelos nossos pecados. O ato de consolar (na altura das aparições traduzido com a linguagem do desagravo) surge na mensagem de Fátima muito direcionado para Deus, sendo aí Deus objeto e não sujeito da consolação. Ora, Deus é con­solável mas não reparável, pois não precisa de reparação em Si se entendermos aqui a reparação como o processo de reconstrução de algo que ficou diminuído ou que foi destruído. Por isso, «o mistério da reparação toca a essência da cristologia. Enfrenta os problemas nevrálgicos do sofrimento de Deus e da consciência do Cristo…»21. O nosso Deus não fica indiferente, podemos consolar a Deus. A única e substancial diferença é que Deus não precisa de ser perdoado. No entanto, a consolação de Deus não se restringe apenas ao perdão que nos concede. A consolação de Deus no perdão também vai no perdão aos irmãos e ao mundo, ou visto de outro ângulo, o perdão aos irmãos e ao mundo transporta a consolação de Deus, sacramentaliza a misericórdia imotivada de Deus. Por aí também Deus repara as contas da história. Isto faz da reparação um ato não intimista ou individualista. É sempre um ato pes­soal. Quando perdoamos, quando somos sujeitos do perdão estamos a encarnar o projeto do reino, estamos a consolar porque fomos consolados. Nesses momentos, pelo perdão abrimos novamente a porta da aliança, reparamos a relação rompida, e nesse sentido reparamos, restauramos. É o mesmo que Deus faz a cada um de nós quando nos perdoa. Essa é uma experiência de graça, gratificante consoladora. Quando os irmãos recebem o nosso perdão ficam consolados, aliviados, fazem uma experiência gratificante, aproximam-se da graça. Assim, a consolação de Deus chega e parte no perdão, repara a nossa relação com Ele e com o mundo. No perdão somos reabilitados por Deus e o mundo é reabilitado pelo nosso perdão para se aproximar da experiência da graça e da transcendência.

Por José Carlos Carvalho