João Paulo II, por sua vez, pediu o envelope com a terceira parte do « segredo », após o atentado de 13 de Maio de 1981, e dois envelopes: um branco, com o texto original da Irmã Lúcia em língua portuguesa; outro cor-de-laranja, com a tradução do « segredo » em língua italiana. No dia 11 de Agosto seguinte, o Senhor D. Martínez Somalo devolveu os dois envelopes ao Arquivo do Santo Ofício. Como é sabido, o Papa João Paulo II pensou imediatamente na consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria e compôs ele mesmo uma oração para o designado « Ato de Entrega », que seria celebrado na Basílica de Santa Maria Maior a 7 de Junho de 1981, solenidade de Pentecostes, dia escolhido para comemorar os 1600 anos do primeiro Concílio Constantinopolitano e os 1550 anos do Concílio de Éfeso. O Papa, forçadamente ausente, enviou uma radiomensagem com a sua alocução. Transcrevemos a parte do texto, onde se refere exatamente o ato de entrega: « Ó Mãe dos homens e dos povos, Vós conheceis todos os seus sofrimentos e as suas esperanças, Vós sentis maternalmente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, que abalam o mundo, acolhei o nosso brado, dirigido no Espírito Santo diretamente ao vosso Coração, e abraçai com o amor da Mãe e da Serva do Senhor aqueles que mais esperam por este abraço e, ao mesmo tempo, aqueles cuja entrega também Vós esperais de maneira particular. Tomai sob a vossa proteção materna a família humana inteira, que, com enlevo afetuoso, nós Vos confiamos, ó Mãe. Que se aproxime para todos o tempo da paz e da liberdade, o tempo da verdade, da justiça e da esperança ». Mas, para responder mais plenamente aos pedidos de Nossa Senhora, o Santo Padre quis, durante o Ano Santo da Redenção, tornar mais explícito o ato de entrega de 7 de Junho de 1981, repetido em Fátima no dia 13 de Maio de 1982. E, no dia 25 de Março de 1984, quando se recorda o fiat pronunciado por Maria no momento da Anunciação, na Praça de S. Pedro, em união espiritual com todos os Bispos do mundo precedentemente « convocados », o Papa entrega ao Imaculado Coração de Maria os homens e os povos, com expressões que lembram as palavras ardorosas pronunciadas em 1981: « E por isso, ó Mãe dos homens e dos povos, Vós que conheceis todos os seus sofrimentos e as suas esperanças, Vós que sentis maternalmente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, que abalam o mundo contemporâneo, acolhei o nosso clamor que, movidos pelo Espírito Santo, elevamos diretamente ao vosso Coração: Abraçai, com amor de Mãe e de Serva do Senhor, este nosso mundo humano, que Vos confiamos e consagramos, cheios de inquietude pela sorte terrena e eterna dos homens e dos povos. De modo especial Vos entregamos e consagramos aqueles homens e aquelas nações que desta entrega e desta consagração têm particularmente necessidade. “À vossa proteção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus”! Não desprezeis as súplicas que se elevam de nós que estamos na provação! ». Depois o Papa continua com maior veemência e concretização de referências, quase comentando a Mensagem de Fátima nas suas predições infelizmente cumpridas: « Encontrando-nos hoje diante Vós, Mãe de Cristo, diante do vosso Imaculado Coração, desejamos, juntamente com toda a Igreja, unir-nos à consagração que, por nosso amor, o vosso Filho fez de Si mesmo ao Pai: “Eu consagro-Me por eles — foram as suas palavras — para eles serem também consagrados na verdade” (Jo 17, 19). Queremos unir-nos ao nosso Redentor, nesta consagração pelo mundo e pelos homens, a qual, no seu Coração divino, tem o poder de alcançar o perdão e de conseguir a reparação. A força desta consagração permanece por todos os tempos e abrange todos os homens, os povos e as nações; e supera todo o mal, que o espírito das trevas é capaz de despertar no coração do homem e na sua história e que, de facto, despertou nos nossos tempos. Oh quão profundamente sentimos a necessidade de consagração pela humanidade e pelo mundo: pelo nosso mundo contemporâneo, em união com o próprio Cristo! Na realidade, a obra redentora de Cristo deve ser participada pelo mundo por meio da Igreja. A decisão tomada pelo Santo Padre João Paulo II de tornar pública a terceira parte do « segredo » de Fátima encerra um pedaço de história, marcado por trágicas veleidades humanas de poder e de iniquidade, mas permeada pelo amor misericordioso de Deus e pela vigilância cuidadosa da Mãe de Jesus e da Igreja. Ação de Deus, Senhor da história, e corresponsabilidade do homem, no exercício dramático e fecundo da sua liberdade, são os dois alicerces sobre os quais se constrói a história da humanidade. Ao aparecer em Fátima, Nossa Senhora faz-nos apelo a estes valores esquecidos, a este futuro do homem em Deus, do qual somos parte ativa e responsável. (Tarcisio Bertone, SDB Arcebispo emérito de Vercelli Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé)