No dia 13 de junho de 1917, celebrava-se, em Fátima, a festa de Santo Antônio. Os pastorinhos, Lúcia de Jesus e seus primos Francisco e Jacinta Marto, preparavam-se para comparecer na Cova da Iria, ao meio-dia solar, como Nossa Senhora lhes tinha pedido, no dia 13 de maio anterior. As famílias procuraram demovê-los: a mãe da Lúcia não acreditava que a filha dissesse a verdade e queria que ela fosse à festa, em vez de ir à Cova da Iria; os pais do Francisco e da Jacinta partiram, muito cedo, para a feira das Pedreiras, Porto de Mós. A notícia da anunciada segunda aparição já tinha ultrapassado os limites da freguesia de Fátima e, por isso, logo de manhã, compareceram em Aljustrel várias pessoas de Boleiros, Fátima, e dos concelhos de Tomar e Torres Novas, para os acompanharem. A Lúcia tinha saído, de madrugada, com o rebanho, com intenção de regressar a casa, pelas 9 horas, ir à missa das 10, na igreja paroquial, e partir, logo a seguir, para a Cova da Iria. Mas, pouco depois do romper do sol, foi chamada a casa, onde se encontrou com as referidas pessoas e, depois de os três pastorinhos terem ido à missa das 10 horas, partiram todos, por volta das 11 horas, para a Cova da Iria. Juntaram-se ali cerca de sessenta pessoas (cfr. Memórias da Irmã Lúcia, Edições da Vice-Postulação, II, II, 4).
Num dos dias seguintes, a Lúcia contou ao pároco de Fátima o que tinha acontecido: momentos antes da aparição, estavam a rezar o terço, à sombra de uma azinheira grande; de repente, viram um relâmpago, e dirigiram-se todos à carrasqueira, onde aparecera Nossa Senhora, em maio; a Lúcia “fez uma vênia, dobrando um joelho e, ao mesmo tempo, chegou a Senhora, vindo em linha oblíqua, do lado nascente, e fez a pergunta: – Então, o que é que me quer? ‘– Quero-te dizer que voltes cá, no dia 13, e que aprendas a ler, para te dizer o que quero’. – Então, não quer mais nada? ‘– Não quero mais’” (Pároco de Fátima, em: Documentação Crítica de Fátima (= DCF) I, Doc. 2 de 14.06.1917, p. 11).
A estranha ordem dada à Lúcia, de aprender a ler, começou a correr, e até a imprensa adversa, de Lisboa, lhe deu eco: “A Senhora disse aos pastorinhos que deviam aprender a ler e a escrever” (“O Mundo”, DCF, 1, doc. 10, de 19 de agosto de 1917, p. 50-51); Carlos de Azevedo Mendes, em carta à sua noiva, a 8 de setembro de 1917, comentava: “Já te recordaste o que [Nossa Senhora] disse na 2.ª aparição? ‘Que aprendam a ler’. Dizia-me a Jacintita que já ia na carreira do A!!” (DCF I, doc. 55, p. 390); o Padre Dr. Manuel Nunes Formigão fez o seu primeiro interrogatório aos videntes, no dia 27 de setembro de 1917. Uma ideia mais tinha transparecido, entretanto, embora incorreta: a Senhora tinha dito “que era do Céu” e que os levaria para lá, de modo que o sacerdote perguntou à Lúcia: “Mas se a Senhora disse que te levaria para o Céu, no mês de Outubro próximo, para que te serviria aprenderes a ler? – Não é verdade isso: a Senhora nunca disse que me levaria para o Céu, em outubro, e eu nunca afirmei que ela me tivesse dito tal coisa” (DCF I, doc. 7, p. 57 e 59). O mesmo sacerdote, no dia 11 de outubro de 1917, voltou a interrogar a Lúcia, sobre o cumprimento da ordem da Senhora, em junho: “– Sabes ler? – Não. – Andas a aprender? – Não. – Como cumpres a ordem da Senhora?” (DCF I, Docs. 11, p. 88, e 12, p. 112). Não ficou registada a resposta da Lúcia a esta pergunta. Mas, numa carta particular, de cerca de 19 de outubro de 1917, Leonor Constâncio, comentando essa recomendação de Nossa Senhora, diz que as crianças não a cumpriram logo, “porque não havia, nem nunca houve, professora em Fátima. Agora, sem que ninguém a reclamasse, aparece nomeada para ali, por dois anos, uma professora das escolas móveis, e as crianças começaram já a frequentar a escola com bastante aproveitamento, sobretudo da Lúcia” (DCF 3, 1, Doc. 129, p. 345).
Ainda no dia 11 de outubro, a Jacinta revelou que, na aparição de junho, “ouviu o segredo a Nossa Senhora”, e perguntada se o segredo era para serem ricos, disse que não; se era “para serem bons e felizes”, respondeu: ‘É. É para bem de todos os três’”; se era para irem para o Céu, respondeu: ‘não é’; não podia revelar o segredo “porque a Senhora disse que não disséssemos o segredo a ninguém” (DCF I, Doc. 11, p. 92, e Doc. 12, p. 114). Pode admitir-se que a Jacinta, criança de 7 anos, se tenha equivocado com o segredo de julho, mas é mais provável que se referisse àquilo que a Irmã Lúcia, nas “Memórias”, como veremos, chamará “segredo de junho”.
A 2 de Novembro, o Dr. Formigão voltou a interrogar a Lúcia, sobre as seis aparições: “– Quando foi que perguntaste à Senhora o que é que fazia para que o povo acreditasse que era ela que te aparecia? ‘– Perguntei-lhe umas poucas de vezes; a primeira que perguntei, cuido que foi em junho’”. E sobre o segredo: ‘– Quando te disse o segredo?’ ‘– Parece-me que foi da 2.ª vez’” (DCF I, Doc. 17, p. 168-169; 172). Também a Jacinta repetiu o que a Senhora tinha dito, em junho, e que a Lúcia “pediu pelos doentes e pecadores, e a Senhora disse que melhorava uns e os convertia, e outros não” (DCF I, Doc. 17, p. 173).
Cinco anos mais tarde, a 5 de janeiro de 1922, no Asilo de Vilar, Porto, a pedido do seu confessor, Padre Manuel Pereira Lopes, a Lúcia escreveu o seu primeiro relato autógrafo sobre os acontecimentos de 1917. No que respeita a 13 de junho, não há novidades, a não ser: “Pedi-lhe para curar um coxo e algumas pessoas que me tinham pedido, umas, doentes, outras, pela conversão de alguns pecadores. Resposta: ‘Daqui a um ano, serão curados’”(DCF III, 3, Doc. 685, de 5 de janeiro de 1922, p. 266).
Iniciado o Processo Diocesano sobre os acontecimentos de 1917, em maio de 1922, foram pedidas notícias e informações sobre eles a todas as pessoas, e deu-se início, a 13 de outubro desse ano, ao jornal mensal “Voz da Fátima”. No número do mês de dezembro, foi publicado um depoimento de Inácio Antônio Marques, da Chainça, Santa Catarina da Serra. Sobre a segunda aparição, ele conta: “Ajoelham-se junto da célebre azinheirinha e principiam a rezar o terço […]. Terminada a ladainha, a Lúcia diz: ‘Lá vem Ela’, e manda ajoelhar. Principia, interrogando e respondendo a alguém que os meus olhos não veem nem os ouvidos ouvem. É a segunda aparição e, mais uma vez, ali afirma, perante o reduzido número de espetadores – porque ainda se lhes não pode chamar crentes – que Ela lhe está dizendo que vem ali, todos os meses, e que, a 13 de outubro, será a última vez e, então, dirá um segredo” (“Voz da Fátima”, 13.12.1922 e DCF II, Aditamento, Doc. A, 23.11.1922, p. 150).
No decorrer da inquirição propriamente dita, a 28 de setembro de 1923, foram ouvidas várias testemunhas, que se pronunciaram sobre a aparição de 13 de junho de 1917. Manuel Pedro Marto, pai do Francisco e da Jacinta, declarou, entre outras coisas, que, ao chegarem da feira, já de noite, “ouviram dizer que os pequenos tinham ido ao local, e tinham dito que viram Nossa Senhora” (DCF III, Doc. 4, p. 65). A mãe, Olímpia de Jesus, disse o mesmo: “contaram-lhe que Nossa Senhora lhes tinha aparecido, outra vez, como em treze de maio, e que tinha dito à Lúcia que fossem lá, todos os meses, e que fizessem penitência […] e “que a Senhora lhe tinha recomendado que aprendesse a ler” (DCF II, Doc. 4, p. 74-75 e 82). Maria Rosa, mãe da Lúcia, depois da festa de Santo António, “perguntou-lhe o que tinha visto. Respondeu que tinha visto a mesma mulherzinha do outro dia. Perguntou-lhe o que ela tinha dito. Disse que tinha dito que continuassem a ir lá e que aprendessem a ler. Esta proposta tornou-a descrente, porque lhe parecia que Nossa Senhora não tinha vindo à terra para lhe dizer que aprendesse a ler” (DCF II, Doc. 4, p. 86-88). Maria dos Santos ou Maria Carreira, da Moita Redonda, Fátima, afirmou que a Lúcia perguntou à Aparição: “Vossemecê mandou-me aqui vir, faça favor de me dizer o que me quer”. Ouviu uma zunida que vinha da azinheira, não compreendendo uma só palavra da resposta. A Lúcia olhava para a azinheira, assim como as outras duas crianças, estando todos de mãos postas. A depoente não compreendeu bem o que ela, depois, disse à Aparição, mas as outras pessoas disseram–lhe que a pequena lhe tinha perguntado se lhe queria mais alguma coisa” (DCF II, doc. 4, p. 101-104).
A Lúcia também foi ouvida, oficialmente, a 7 de julho de 1924, no Porto, sobre os acontecimentos de 1917. “No dia treze de junho […], perguntei-lhe: ‘– O que me quer Vossemecê?’ A resposta dela foi: ‘– Quero que continuem a vir aqui, nos outros meses, que rezem o Terço todos os dias e que aprendam a ler’. Como me tinham recomendado, pedi à Senhora que curasse um entrevado, e ela respondeu que, se ele se convertesse, ficaria curado dentro dum ano” (DCF II, Doc. 8, p. 140).
Por Luciano Cristino