A Segunda Aparição de Nossa Senhora na Cova da Iria (13.06.1917) – Parte II

Depois de uma visão em Pontevedra, Espanha, a 17 de dezembro de 1927, a Irmã Lúcia escreveu algo mais sobre essa aparição de 13 de junho de 1917: “Ela pediu para os levar para o Céu. A Santíssima Virgem respondeu: ‘Sim, a Jacinta e o Francisco, levo-os em breve, mas tu, Lúcia, ficas cá mais algum tempo; Jesus quer servir-se de ti para me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. A quem a abraçar, prometo a salvação, e serão queridas de Deus estas almas, como flores postas por Mim a adornar o Seu trono’” (DCF V, 1, Doc. 370, de 11 de outubro de 1928, p. 737). Sobre esta última frase, na primeira edição da Quarta Memória da Irmã Lúcia, da Postulação dos Videntes (1976), e nas seguintes, foi acrescentada uma nota: “Lúcia, talvez pela pressa, omite o fim do parágrafo que, noutros documentos, diz assim: ‘Quem a aceita, prometer-lhe-ei a salvação, e estas almas serão amadas de Deus, como flores colocadas por Mim para enfeitar o Seu Trono”. Nesta versão, há variantes do texto escrito pela Irmã Lúcia, em 1927 ou 1928, desconhecendo-se quem as introduziu. O Padre Hubert Jongen, monfortino holandês (fevereiro de 1946), perguntou porque é que, “nos relatos posteriores, deixou de falar nesta promessa”. A Irmã Lúcia respondeu, sem mais explicações: “Quando redigi esses relatos posteriores, não pensei no caso” (S. M. Reis, A vidente de Fátima dialoga e responde pelas aparições, Braga, 1970, p. 81).

Na sua Segunda Memória, terminada a 21 de novembro de 1937, a Irmã Lúcia faz uma breve referência à aparição de junho e acrescenta uma reflexão: “A Jacinta, quando me via chorar, consolava-me, dizendo: ‘Não chores. Decerto são estes os sacrifícios que o Anjo disse que Deus nos ia enviar. Por isso, é para O reparar a Ele e converter os pecadores que tu sofres’” (Memórias da Irmã Lúcia, II, II, 4).

O Padre José Bernardo Gonçalves, S. J., encontrou-se com a Irmã Lúcia, a 24 de abril de 1941, em Tuy, e copiou uns apontamentos dela, entretanto desaparecidos. Sobre a aparição de junho de 1917: “Ao dizer estas últimas palavras, ‘eu nunca te deixarei, etc.’, foi a segunda vez que nos comunicou o reflexo” (ASF, Dossier Gonçalves, Doc. 4.7, fl. 6v, ed. em: A. M. Martins, Memórias e cartas da Irmã Lúcia, 1973, p. 460-461; Documentos de Fátima, 1976, p. 460-461).

Na Quarta Memória, concluída a 8 de dezembro de 1941, a Irmã Lúcia desenvolve o pensamento do apontamento de abril desse ano: “Foi no momento em que disse estas últimas palavras [‘o meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus’], que abriu as mãos e nos comunicou, pela segunda vez, o reflexo dessa luz imensa. Nela nos víamos como que submergidos em Deus. A Jacinta e o Francisco parecia estarem na parte dessa luz que se elevava para o Céu e eu na que se espargia sobre a terra. À frente da palma da mão direita de Nossa Senhora, estava um coração cercado de espinhos que parecia estarem-lhe cravados. Compreendemos que era o Imaculado Coração de Maria, ultrajado pelos pecados da humanidade, que queria reparação. Eis ao que nos referíamos, quando dizíamos que Nossa Senhora nos tinha revelado um segredo em junho. Nossa Senhora não nos mandou, ainda desta vez, guardar segredo, mas sentíamos que Deus a isso nos movia” (Memórias da Irmã Lúcia, IV, II, 4).

Nos Processos informativos sobre a fama da santidade de vida, virtudes e milagres em geral da Jacinta e do Francisco, respetivamente a 21 de janeiro e a 13 de julho de 1955, a Irmã Lúcia prestou mais algumas informações sobre o dia 13 de junho. No Processo da Jacinta, não há novidades, em relação ao que já tinha referido anteriormente (“Processo informativo da Serva de Deus Jacinta Marto”, inédito, fls. 264v-266v). No Processo do Francisco, faz reflexões mais extensas: “Eu, parece-me que estava na luz que se derramava sobre a terra; o Francisco e a Jacinta estavam na luz que subia para o Céu. É que a luz que irradiava das mãos da Senhora, voltadas para nós, deslocava-se como a luz dum espelho, melhor, era uma luz tão intensa que iluminava a terra circunjacente e envolvia-nos a nós como que penetrando-nos […]. Vimos, instantes depois, que Ela deixou cair um pouco a mão esquerda e vimos em frente ao peito, para o lado da mão esquerda, um coração cercado de espinhos. Distanciava-se um pouco do peito, ficando um pouco, à frente da mão direita. Entendemos que era o Coração Imaculado de Maria que Ela nos mostrava, pedindo-nos reparação pelos ultrajes que recebe dos homens. Ficamos uns momentos a contemplar esta aparição. E, acto contínuo, começou a elevar-se e desapareceu para o lado do Oriente. […]. As pessoas que interrogavam o Servo de Deus, perguntando se tinha ouvido e visto Nossa Senhora. Respondeu: Que sim, que a tinha visto e que era muito linda. Mas não tinha ouvido nada do que Ela dissera. Que ouvia tudo o que eu lhe dizia e que bem via que a Senhora falava, porque bem lhe via mover os lábios, mas não ouvia o que Ela dizia. Ansiava o Servo de Deus por se encontrar sozinho com sua irmã e comigo, a fim de que lhe disséssemos tudo o que Nossa Senhora tinha dito. Ouvia com atenção e não se esquecia. Nesta aparição o que mais impressionou o Servo de Deus foi a luz imensa que Nossa Senhora nos comunicou e na qual nos víamos em Deus. ‘Que lindo é Deus, que lindo é Deus! – exclamava – mas está triste por causa dos pecados dos homens. Eu quero consolá-lo, quero sofrer por seu amor’. Quando as pessoas começaram a insultar-nos e, por vezes, a maltratar-nos, o Servo de Deus mostrava-se contente e dizia que, de certo, eram sofrimentos que Nossa Senhora tinha dito que nos ia enviar; por isso, queria sofrê-lo por seu amor. Dizia que, como Nossa Senhora tinha dito que o ia levar em breve para o Céu; já não lhe importava mais nada; só desejava ir para lá depressa. Notei que intensificou mais o espírito de oração e de recolhimento, retirando-se, cada vez mais, da companhia doutras pessoas” (Processo Informativo do Servo de Deus Francisco Marto, inédito, fls. 232-232v).

No seu último escrito, Como vejo a mensagem, redigido, uns anos antes de falecer, e publicado postumamente, em 2007, a Irmã Lúcia descreve, mais uma vez, o que aconteceu, no dia 13 de junho de 1917, e faz uma reflexão mais profunda sobre a mensagem desse dia: “Sentia-me já como que cansada de tantos importunos interrogatórios, atropelos e contradições. Não sabia, ainda, que era este o caminho por onde Deus me queria conduzir os passos para, por meio da Sua Mensagem, levar-me ao Céu e a tantos outros que queiram segui-la, indo após Ele, com fé, esperança e amor. Foi neste estado de ânimo que me atrevi a pedir à Celeste Mensageira que nos levasse para o Céu: ‘Queria pedir-lhe para nos levar para o Céu’. Já de nada me importava a terra. O que desejava era que nos levasse com Ela para Céu. Mas não eram esses os desígnios de Deus; por isso, respondeu: ‘Sim; a Jacinta e

o Francisco, levo-os em breve, mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção a Meu Imaculado Coração’. Era a Missão que Deus me destinava; mas o ficar sem a companhia da Jacinta e do Francisco parecia-me o ficar só, neste mundo tão incerto e deserto, sem quem me possa seguir, compreender, ajudar e compartilhar, trilhando comigo os caminhos por onde Deus me quisesse levar, seja tropeçando nas pedras por onde passar, pisando cardos e abrolhos, caindo e levantando, sempre Deus me há-de dar a mão e ajudar a erguer para Ele o meu olhar. Pela vida fora, e hoje ainda, penso assim, mas então era muito ignorante e criança, para discorrer de tal forma; por isso, a celeste Mensageira respondeu: ‘Não, filha, e tu, sofres muito? Não desanimes; eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus’. Com esta promessa, senti-me confortada, cheia de confiança, certa de que a Senhora nunca me deixará só, seria Ela a conduzir-me e a guiar-me os passos pelos caminhos da vida, por onde Deus me quiser levar, e assim me abandonei nos braços paternais do nosso Deus, e a Seus cuidados de Mãe. Foi então que a celeste Mensageira, abrindo os braços com um gesto de maternal protecção, nos envolveu no reflexo da Luz do imenso Ser de Deus […]. Nesta aparição de 13 de junho de 1917, de que estou falando, digo nas “Memórias”: ‘À frente da palma da mão direita de Nossa Senhora, estava um coração, cercado de espinhos, que parecia estarem-lhe cravados.

Compreendemos que era o Imaculado Coração de Maria, ultrajado pelos pecados da humanidade, que pedia reparação” (Como vejo a mensagem, através dos tempos e dos acontecimentos, 2.ª edição, Outubro de 2007, p. 42-44).

Pe Luciano Cristino