«Apascenta as minhas ovelhas» (Jo 21,17)
E eis que surge o convite inesperado: «Quereis oferecer-vos a Deus?» É com esta ousadia que uma Senhora mais brilhante que o sol irrompe, em 13 de maio de 1917, na vida das três crianças na Cova da Iria. Durante seis meses, a cada dia 13, a Virgem Maria virá renovar este convite, com o qual os três pastores serão feitos testemunhas humildes do coração de Deus, na complexidade de um mundo sofrido.
«Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?» (M 174).
O fiat espontâneo dos pastores, que «a Senhora acolheu […] como a primícia da sua Mensagem» (CVM 36), é confirmado pela Virgem com uma luz imensa que penetrou o íntimo das crianças, fazendo-as ver a si mesmas «nessa luz que era Deus» (M 174). Esta luz, com a qual serão banhados também em junho, prepará-los-á para acolher o Segredo que em julho lhes é revelado: numa sucessão de imagens desveladas pela Senhora, os pastorinhos compreendem que o coração de Deus não é indiferente à história humana; que o pecado é indiferença para com o coração de Deus; que o coração de Deus é misericordioso, ainda e sempre em busca do homem enredado nos seus dramas; e que os que acolhem a luz do coração de Deus são convidados a associar-se, pela oração e pelo sacrifício, ao seu cuidado pela humanidade.
Logo na primeira imersão nessa luz, a Lúcia, o Francisco e a Jacinta, ainda a saborear os ecos da profundidade que experimentaram, combinam nada contar do sucedido. Mas a Jacinta é tomada pela beleza da Senhora e a sua alegria é tal que não a consegue conter para si só. Ela é a primeira anunciadora dessa alegria divina recém-descoberta que a Senhora comunicava. E como os discípulos de Emaús (Lc 24,32) que, diante do mistério pascal, sentiam um ardor no peito, confessará aos amigos: «Eu tinha cá dentro uma coisa que não me deixava estar calada» (M 45).
A notícia das manifestações da Senhora do Rosário depressa fará o seu caminho. E se o número dos que vêm, peregrinos, à Cova da Iria não deixará de aumentar, os pequenos terão muito que sofrer às mãos daqueles que duvidavam ou se lhes opunham. Logo no primeiro encontro, como quem confirma o fiat das crianças, a Senhora tinha-lhes assegurado que teriam muito que sofrer. Ao modo dos profetas (Jr 1,19), a vocação das crianças acolhe o sofrimento como parte integrante da sua missão. Serão, por muitos, acusados de fraude ou de avidez. As próprias famílias das crianças, excetuando talvez o pai do Francisco e da Jacinta, temem que elas estejam a espalhar uma mentira, e receiam pela sua vida. Em casa, e em todo o lado, são submetidos a visitas e interrogatórios incessantes e extenuantes.
Mas a provação maior viria a 13 de agosto. Na manhã desse dia, as crianças são surpreendidas pela visita do Administrador do Município de Ourém, conhecido mação e livre-pensador. Depois de as interrogar em casa delas e na casa paroquial, querendo a todo o custo que lhe revelem o segredo que elas insistem em não desvelar, o administrador propõe-se ardilosamente conduzi-las à Cova da Iria, levando-as, no entanto, para sua casa, em Ourém. Aí continua a pressionar os pequenos para que lhe revelem o segredo, chegando a colocá-los por algum tempo numa cela com outros presos e a ameaçá-los de os fazer fritar em azeite. A resposta inocente do Francisco irradia paz e alegria: «Se nos matarem, como dizem, daqui a pouco estamos no Céu! Mas que bom! Não me importa nada» (M 146).
Devolvidos aos pais no dia 15 de agosto, voltarão a encontrar-se com a Senhora de branco no dia 19, nos Valinhos, e em setembro e outubro, na Cova da Iria. Uma grande multidão reúne- se neste último encontro – sedentos de Deus ou simples curiosos – e é testemunha de um sinal, como a Senhora prometera. Mas, para os pequenos, Lúcia, Francisco e Jacinta, o derradeiro encontro torna-se uma permanente evocação de que são chamados a fazer das suas vidas uma bênção (Gen 12,2).
(Fonte: https://www.fatima.pt )