Em maio de 1917, a Senhora cheia de graça anuncia-se transbordando a luz de Deus, na qual os videntes se reveem «mais claramente que nos vemos no melhor dos espelhos». Na experiência mistagógica da luz que emana das mãos da Senhora, os pequenos pastores são preenchidos por uma presença que se grava indelevelmente no seu íntimo e os sagra testemunhas proféticas da misericórdia de Deus que, desde o fim da história, ilumina o enredo do drama humano.
O segredo que em Fátima se dá é precisamente revelação do mistério humano à luz de Deus. Nas imagens que se sucedem no olhar de Jacinta, Francisco e Lúcia, oferece-se a síntese do drama difícil da liberdade humana. A visão do inferno é memorial de que a história se abre sobre outros horizontes, mais definitivos do que o imediato, e que Deus anseia tanto por esse encontro escatológico em que a pessoa é recuperada para o amor quanto preza a sua liberdade. Assim também, a visão da Igreja mártir – que, encabeçada pelo bispo vestido de branco, atravessa as ruínas da grande cidade, carregando o seu sofrimento e a sua oração, para se prostrar, por fim, diante da Cruz – evoca uma história humana sufocada nas ruínas dos seus confrontos e dos seus egoísmos, e uma Igreja que carrega essas ruínas, qual via crucis, para se entregar finalmente a Deus em dom total, diante da Cruz – símbolo do dom total do próprio Deus. Essa Igreja é semente de um outro jeito de vida cheio de graça, à imagem do Coração Imaculado de Maria. O coração daquele que se consagra a Deus é imaculado pela sua misericórdia e, por ela, ungido em missão. O segredo que em Fátima se dá é revelação da confiança de que, por fim, este Coração Imaculado cheio de graça triunfará.
O jeito crente do Coração Imaculado oferece-se como oração e como sacrifício.
A Senhora do Rosário convoca insistentemente os videntes à oração, esse lugar de encontro em que se enraizará a sua intimidade com Deus. Os traços concretos da oração pedida em Fátima são os do rosário, recordado pela Senhora em cada uma das seis aparições, sob o signo da urgência. Nesta pedagogia humilde da fé orante, o crente é convocado a acolher os mistérios do dom maior do Cristo no seu coração e a deixar-se interpelar pelo seu amor que redime as feridas da liberdade humana. Que o rosário seja apontado como caminho para a paz é sinal de que o acolhimento do Verbo enche de graça o coração humano, cativo do egoísmo e da violência, e pacifica a história com a coragem dos humildes.
A intimidade com Deus transforma a vida em sacrifício pelos irmãos, particularmente aqueles sobre quem recai o olhar compassivo de Deus. O dom de si, eis o que significa o sacrifício. Amado como filho, o coração humano renova-se à imagem do Pai e assume toda a sua paixão pela humanidade. Face aos dramas do mundo, a liberdade centrada em Deus implica-se nos seus desígnios de misericórdia que abarcam cada mulher, cada homem, na missão reconciliadora do Filho de reunir a todos num só redil (Jo 10,16). Na gramática difícil do sacrifício, a vida é corajosamente assumida na sua verdade e a liberdade é polida para o dom de si.
Como que na transparência deste dom de si pelos outros, brota o convite à consolação do Deus de toda a consolação (2Cor 1,3). No desconcerto deste convite se manifesta a verdadeira amizade com Deus. O olhar do íntimo de Deus encontra a sua tristeza face aos vazios de amor dos dramas da história e das liberdades humanas, e deixa-se comover, para logo desejar consolar o próprio Deus.
No último encontro com a Senhora do Rosário, em outubro, a esperança na promessa do triunfo do Coração cheio de graça é selada com a bênção do Cristo.
(fonte: https://www.fatima.pt/pt/pages/o-acontecimento-de-fatima )