Lutamos hoje, no ocidente desenvolvido, com uma crescente dificuldade em mostrar a fé em Deus como algo que vale a pena abraçar. E mesmo quando se consegue despertar esse interesse, somos frequentemente confrontados com o difícil desafio de transformar essa disponibilidade inicial numa pertença estável e comprometida. Sentimos, de modo bem vivo, as dificuldades da transmissão da fé. Experimentam-na pais, irmãos, esposos, avós, catequistas, pastores. Perante estes desafios, vamos percebendo que o interesse que procuramos despertar noutros terá de passar pela nossa capacidade de dar significado vital à existência crente. De a tornar fiável e plausível aos olhos daqueles para quem Deus não é uma evidência, nem as rotinas eclesiais são familiares. Com efeito, não serão poucos os que se perguntam: Porquê acreditar? Para quê acreditar? Para que é que isso serve? O que é que isso muda? Enquanto não formos capazes de articular respostas densas a estas questões, o nosso testemunho não terá ainda tocado as inquietações que muitos dos nossos contemporâneos trazem no coração. O desejo de amar e de ser amado está, com toda a certeza, no cerne destas inquietações. Mesmo numa cultura da abundância, o amor não perdeu a sua força de formar e transformar vidas, de mover e comover pessoas. Esta busca pode, porventura, assumir hoje formas mais confusas do que no passado. Mas ainda assim, apesar de todos os fascínios da vida moderna, o amor continua a ser o grande anseio do coração humano. Poderemos talvez dizer do amor o que Santo Agostinho disse de Deus: o nosso coração não encontra descanso enquanto não repousa no amor11. Aproximar fé e amor parece, portanto, ir ao encontro seja deste apelo da alma humana, seja das aludidas dificuldades da comunicação da fé. Por um lado, ao fazer ver como fé e amor são duas faces de uma mesma moeda, a adesão crente pode emergir como algo que preenche o coração humano e, assim, como algo pelo qual vale a pena viver. Por outro, a comunidade dos crentes encontra no amor aquela realidade que permite estabelecer uma empatia entre crentes e buscadores de Deus e, sobretudo, aquela linguagem que torna plausível e fiável a proposta do Evangelho vivido em Igreja. Tudo isto sem beliscar a radicalidade da proposta cristã nem lhe aligeirar a exigência, mas, pelo contrário, na mais pura fidelidade ao que a fé deveras é e ao que de Deus de mais íntimo podemos dizer. Em suma, o interesse que será necessário despertar na transmissão da fé cristã encontra no amor a sua grande alavanca. Quem recusará o amor? Sobretudo um amor assim? Pois quanto mais a fé for servida como uma adesão de amor (mais que uma adesão a ritos e doutrinas), mais a transmissão da fé permanecerá fiel ao Evangelho de Jesus e às inquietações dos nossos contemporâneos: presença real do primeiro e existencialmente relevante para os segundos. O amor, compreendido à luz de Cristo, é, no fundo, a resposta à pergunta porquê e para quê acreditar: porque se é amado pelo Deus amor e para amar como ama o Deus amor. Se o amor é o ambiente vital da fé, então ele será por certo também o ambiente da iniciação a uma vida vivida segundo a fé. É que, como bem sabemos, ao despertar para a fé deve seguir-se uma prolongada caminhada para dar durabilidade a esse instante de disponibilidade; para dar textura eclesial a um encontro pessoal; para dar inteligência e critério a um arrebatamento afetivo. Introduzir alguém na relação com Cristo permanece hoje, como o era nos tempos da Palestina, uma longa peregrinação, que tanto conduz a jardins aprazíveis como a desertos que testam a resistência e purificam a adesão. O processo de transmissão da fé incorpora, pois, este segundo movimento de iniciação à vida segundo a fé. Só então essa transmissão se cumpre. E para que ela de facto se cumpra, o amor joga um papel decisivo. Porque este acompanhamento que inicia gente na fé faz-se de paciência para com o ritmo de cada um; faz-se de escuta à voz de cada um; faz-se de dedicação atenta à vida de cada um; faz-se de acolhimento incondicional a quem chega; faz-se de oração silenciosa e desinteressada; faz-se de alegria com os seus avanços, mas também de misericórdia para com os seus recuos. Tudo isto, que só o amor torna possível, precisa de encontrar um lugar eclesial. Estas não podem ser apenas atitudes dos cristãos individualmente considerados, mas devem conotar o modo de ser das comunidades cristãs. A tarefa da iniciação cristã é, por excelência, uma missão eclesial. Por isso, o amor que torna possível tal iniciação precisa de se tornar um traço que estrutura a vida das comunidades cristãs. Importa que estas o traduzam em vida e coloquem as suas estruturas ao seu serviço. Então, o amor não será somente a alavanca que desperta para a fé, mas será também o ponto fixo eclesial que torna possível a iniciação à vida da fé em Igreja. Afirma o Papa Francisco: «A fé transforma a pessoa inteira, precisamente na medida em que ela se abre ao amor; é neste entrelaçamento da fé com o amor que se compreende a forma de conhecimento própria da fé, a sua força de convicção, a sua capacidade de iluminar os nossos passos. A fé conhece na medida em que está ligada ao amor, já que o próprio amor traz uma luz. A compreensão da fé é aquela que nasce quando recebemos o grande amor de Deus, que nos transforma interiormente e nos dá olhos novos para ver a realidade»12. Em tempos tão desafiantes, importa mesmo entrelaçar fé e amor. Neste fecundo casamento, os crentes hão de redescobrir o que é acreditar, hão de reaprender a traduzi-lo em vida. Os que não creem, por seu lado, hão de encontrar na fé cristã algo que os pode tocar. hão de poder ver nela algo à altura do apelo profundo que os habita. Juntos hão de reconhecer que acreditamos sempre no amor. O amor será sempre o seu ponto de encontro, porque é no amor que todos «vivemos, nos movemos e existi mos» (cf. Act 17,28): mistério maior da vida, que em Cristo encontra a definitiva razão de ser: porque «Deus é amor».
Por Alexandre Palma