As aparições de Nossa Senhora

Vimos já que uma aparição, autêntica não depende apenas daquele que vê mas sobretudo e fundamentalmente supõe a intervenção direta daquele que “se deixa ver”. O importante aqui não é definir as modalidades de tal visão mas partir e chegar a um certo número de critérios para estabelecer a autenticidade das aparições 

1. As aparições de Maria são um testemunho da sua presença ativa na vida da Igreja. São uma manifestação particular deste amor maternal que “a faz cuidar dos irmãos de seu Filho, que caminham ainda na Terra atá chegarem à Pátria definitiva” (Lumen Gentium, n.62). As aparições não têm por finalidade trazer uma revelação nova, mas recordar ou realçar este ou aquele aspecto da doutrina do evangelho. Mais nada pode fazer Maria senão repetir incessantemente as palavras de Caná: “Fazei o que Ele (o seu Filho) vos disser”. 

2. Como interpretar as aparições de Maria? Raramente encontramos uma reflexão séria sobre as aparições de Maria. Ou “se descasca” sem dó nem piedade, como o fazem alguns “cristãos cultos” ou quase se faz dogma dos enunciados de uma aparição, como se estes quase suplantassem a Escritura! 
As razões desta ausência de reflexão teológica séria devem-se, em nosso modesto entender, ao facto de que raramente as pessoas gostam de enfrentar as realidades com alguma objectividade, sem apriorismos ou “pedras no sapato”. Tentaremos brevemente uma hipótese se interpretação das aparições a partir da Bíblia. Descobrimos como as descrições dadas pelos vídentes, por exemplo de Fátima, se situam na mesma linha daquelas que se encontram no Antigo Testamento e das quais temos a considerar alguns pontos a propósito do que dissemos sobre as do Ressuscitado. 
Vemos como as aparições marianas nos são descritas com todo um conjunto de esquemas literários (formas de escrever e apresentar ideias ou factos) pelos quais se tenta uma aproximação de expressão de algo vivido. Vejamos alguns paralelos ou semelhanças entre as narrações de Fátima e as manifestações de Deus no Antigo Testamento: 
1. O homem bíblico tem consciência de que não poderá ver a Deus, sem morrer, tal o abismo que separa o pecado do homem e a santidade de Deus. Para que Deus se comunique ao homem, servir-se-á de sinais sensíveís : vento, ruídos, luz… Deus não tem figura nem rosto. A sua presença é manifestada pelo brilho da sua glória estampado, seja na figura da sarça ardente, na nuvem ou no trovão… Em Fátima, o Anjo e a Senhora fazem-se preceder de um trovão de Luz. A Senhora é rodeada de uma nuvem alvíssima. Lúcia diz que era mais bela que o Sol. Ao fim e ao cabo, a Senhora parece que não aparece, mas faz-se aparecer a seres humanos. Se ela ali estivesse, com uma presença física-corporal, de modo concretíssimo (“de carne e osso”), as descrições de Lúcia poderiam ser mais precisas e pormenorizadas. Ora Lúcia descreve mais uma manifestação do que uma realidade totalmente material. Do Anjo, ela diz “não sei o que parecia… não lhe conhecia olhos nem mãos”. E os três videntes apercebem-se da mesma maneira da presença de algo sobrenatural mas só Lúcia e Jacinta é que vêem e só Lúcia é que fala… Lembremos o exemplo da conversão de S.Paulo, a caminho de Damasco: “aqueles que o acompanhavam estavam espantados, ouvindo a sua voz mas não vendo ninguém” 

2. O segredo é também um elemento quase constante nas manifestações do sobrenatural. Também em Fátima. É a atitude normal depois de um acontecimento “estranho”. Maria guardou tudo em seu coração e guardou segredo depois da Anunciação… 

3. Também o ambiente, as circunstâncias que rodeiam o acontecimento, são uma constante (que encontramos na Bíblia e em Fátima, como em todas as aparições) importante para sabermos avaliar o significado e alcance do que se diz e acontece. Em cada página da Bíblia notamos como Deus se adapta, no modo como conduz o seu povo, ao meio ambiente cultural, social e vital em que decorre determinado acontecimento. Em Fátima, o Anjo dá a comunhão utilizando uma oração então usada: “corpo, sangue, alma e divindade”… Aparece ainda a expressão “alminhas do purgatório”, característica daquela época. É claro que a pessoa vê e percebe as coisas conforme os esquemas que tem na memória. Deus não violenta as reais capacidades e a personalidade de cada uma das suas criaturas. Resulta evidente que Lúcia não poderia ter visto o Inferno senão segundo a representação mental que lhe tinham oferecido… Querer partir daí para tirar conclusões doutrinais sobre o Inferno ou o Purgatório… convenhamos que se trata de um abuso e de uma desonestidade intelectual! Mesmo aí, as representações simbólicas não são muito diversas daquelas que nos oferece a Escritura e, de modo especial, o seu último livro do Apocalipse. 

Em conclusão: da comparação entre as manifestações sobrenaturais na Bíblia e as do tempo de hoje, queríamos perceber que se é verdade que a Revelação escrita se completou há já quase dois mil anos, não acabou a ação profética de Deus através da Igreja e dos homens. As mariofanias (aparições de Maria) e a sua mensagem devem ser estudadas e integradas à luz desta riqueza profética do Povo de Deus. Seria disparate investigar as aparições a procura de uma confirmação de verdades. Estas devem ser vistas na perspectiva da salvação atualizada para o “hoje” dos nossos dias. Os castigos e as predições anunciados (como acontecia com os profetas) não devem fazer temer a ninguém, mas aparecem como “crítica”, à realidade do mundo de cada tempo. 

3. Como julgar as aparições? 
Não raro e aí estão algumas imaginações férteis à mistura com interesses duvidosos a inventar aparições! Não nos podemos deixar levar por falsos videntes a maior parte das vezes, gente de espírito débil e facilmente manobrável. Para julgar da autenticidade de uma aparição há que ter em conta a santidade das pessoas, a verdade dos testemunhos, a concordância entre as aparições e a mensagem de salvação, a diferença entre fenômenos exotéricos (doentios) e as reais intervenções de Deus na história do seu Povo. 
Na verdade são mais as aparições que a Igreja rejeita do que aprova. As pessoas simples são as que vêem e essas habitualmente não mentem! 

III. As aparições de Nossa Senhora em Fátima 
Foi no decorrer da primeira guerra mundial, de Maio a Outubro de 1917, que aconteceram as celebres aparições da Virgem às crianças de Fátima. Esta pequena aldeia, situada na diocese de Leiria, era habitada por gente pobre, agricultores e criadores de gado; as crianças eram tradicionalmente pastores de rebanhos. Foi a três “Pastorinhos” que a Virgem falou. 1. Aparições preliminares: 
Em 1916 um anjo aparece às três crianças para lhes preparar as visitas de Nossa Senhora. O Anjo diz-se “Anjo da Guarda” e o “Anjo de Portugal”. Na primeira aparição fala-lhes do espírito de reparação e ensina-lhes uma pequena oração. Na terceira aparição dá-lhes a comunhão. 

2. Aparições centrais: 
1ª aparição: treze de Maio de 1917. É Domingo. Um clarão branco faz parar os pastorinhos junto a uma azinheira. No meio da luz branca surge a figura de uma jovem que os chama. Das suas mãos pende um terço. Exorta à oração e reza do terço. 

2ª aparição é a 13 de Junho de 1917: o tema da aparição é a devoção ao Imaculado Coração de Maria. 

3ª aparição acontece em 13 de Julho de 1917. Maria revela o segredo, fala do Inferno e pede a conversão. Anuncia o fim da guerra. 

4ª aparição: é a 19 de Agosto de 1917 porque no dia 13 os três pequenos são levados à Câmara de Vila Nova de Ourém onde ficam retidos até ao dia 15 e são proibidos de falar sobre o que diziam ter visto. Novo apelo nesta aparição à oração e sacrifício pela conversão. 

5ª aparição: 13 de Setembro de 1917. Maria lamenta os ultrajes de que são vítimas as crianças videntes. Repete o essencial das mensagens anteriores e promete voltar no mês seguinte. 

Última aparição: 13 de Outubro de 1917. A notícia de que a Virgem faria um grande milagre leva à Cova da Iria cerca de 50.000 pessoas. A Mulher de branco revela-se como “Senhora do Rosário”. Exorta a oração do terço. Pede que seja construída uma capela naquele local. Seguem-se fenômenos extraordinários no Céu, que ficaram conhecidos como o “milagre do Sol”. Fátima vale mais pela mensagem do que pelo resto. A conversão que pede do coração do homem passa pela conversão ao Coração da Mãe que nos leva a Jesus. Maria revela-se como medianeira. O seu papel, ontem como hoje, é levar os homens a Jesus. O que vale é que, olhando para Maria, os homens vejam realizada a criatura que soube acolher a Palavra, identificar-se com a sua vontade, a ponto de conceber pelo Espírito Aquele que salva a humanidade: Jesus Cristo.

Pe. Amaro Gonçalo