Memórias da Infância de Lúcia de Jesus dos Santos

Vamos conhecer um pouco sobre a infância de Lúcia através de alguns trechos de um dos seus escritos:  Memórias da Irmã Lúcia.

Parece-me, Ex.mo e Rev.mo Senhor, que o nosso bom Deus se dignou favorecer-me com o uso da razão, muito criancinha ainda. Lembro-me de ter consciência dos meus atos desde o colo materno. Lembro-me de ser embalada e de adormecer ao som de vários cantos. E como era a mais nova de 5 meninas e um menino (4 ) que Nosso Senhor concedeu a meus pais, lembro-me de haver entre eles várias contendas, por todos quererem ter-me em seus braços e entreter-se comigo. Em estes casos, para que nenhum ficasse vitorioso, minha mãe tirava-me das suas mãos. E se ela, pelos seus afazeres, não podia, entregava-me a meu pai, que por sua vez me cobria de mimos e carícias.

A primeira coisa que aprendi foi a Ave-Maria, porque minha mãe tinha por costume ter-me em seus braços, enquanto ensinava a minha irmã Carolina, que me seguia em idade, tendo mais 5 anos que eu. Minhas duas irmãs mais velhas eram já grandes; e minha mãe, como eu era um papagaio que tudo repetia, gostava que elas me levassem a todos os sítios onde iam. Elas eram, como se dizia na minha terra, as cabeças da mocidade. E não havia festa nem dança onde elas não fossem: Carnaval, S. João, Natal; era fixo, tinha que haver baile. Além disso, havia a vindima. E na apanha da azeitona havia dança quase todos os dias. Nas festas principais da freguesia, como a do S. Coração de Jesus, Nossa Senhora do Rosário, Sto António, etc., havia sempre, à noite, a rifa dos bolos e o baile não faltava. Éramos ainda convidadas para quase todas as bodas que se celebravam nos lugares circunvizinhos, porque minha mãe, quando não era convidada para madrinha, era chamada para cozinheira. Em estas bodas, o baile durava desde que acabava o banquete até ao outro dia pela manhã.

Minhas irmãs, como tinham que ter-me sempre a seu lado, esmeravam-se tanto em enfeitar-me como a elas mesmas. E como uma era costureira, não me faltava já o traje mais elegante usado pelas camponesas da minha terra, em aquele tempo: a saia empregada (pregueada), o cinto de verniz, o lenço de cachené com as pontas caídas para trás e o chapéu com as suas contas douradas e as penas de várias cores. Parecia, por vezes, mais bem que vestiam uma boneca que uma criança.

Fonte: Segunda Memória