«Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei a Jesus, muitas vezes, em especial sempre que fizerdes algum sacrifício: Ó Jesus, é por Vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria». Na manhã do dia 13 de julho, «a Senhora» reanima o «fervor decaído» de Lúcia e dos primos expostos às dúvidas próprias e às desconfianças alheias, sendo as mais duras, aquelas dos mais próximos. Nossa Senhora, confirma-os e ensina-os, assinalando-os com a palavra que deverá acompanhar cada seu futuro ato de entrega: «Ó Jesus, é por vosso amor». A simplicidade desta oração, que ressoa mais autêntica na boca de crianças ou de quem é como elas, expõe o essencial do que está a acontecer na vida dos pastorinhos – nos seus corpos, afetos, relações, imaginação, compreensão das coisas e ações. E tem como alcance o mistério de Deus, que não deixa de cuidar da vida de cada um, e o mistério do destino definitivo da existência humana, profundamente dramático se separado da fonte da vida. Joga-se, portanto, a realização plena do destino do ser humano e do mundo na justa relação com Deus: a salvação da morte e das suas muitas manifestações; a salvação para a vida e para as suas muitas realizações.
Uma declaração de amor que se desenha no espaço do reconhecimento impede que o sacrífico se baste a si mesmo e a mortificação se sobreponha ao sentido da entrega a Deus pelo bem dos pecadores. O amor, a re-conhecer e a co-responder nos pequenos momentos e encontros de cada dia, é o ambiente, o motivo e o alcance, a fonte, o caminho e o cume da intercessão a que os pastorinhos, radicalmente, se ligam. As crianças deixam de se poder compreender por si mesmas. E deixarão de poder viver para si mesmas. Extraordinária é a grandeza da autenticidade humana e da infância espiritual! As suas vidas passam a sentir radicalmente a vida de outros, a sentir a partir da vida de outros. O Outro que é Deus e os outros que são os pecadores passam a determinar a sua identidade.
No ambiente originário do olhar misericordioso de Deus, reafirmado pela «Senhora», aprendem a dizer, em palavras e gestos, não posso viver sem ti (não será esta confiança e este descentramento o lugar vital da fé?). Não poderão viver sem Jesus e sem ser para ele. Não poderão viver sem os pecadores e sem agir em seu favor. É o apreço por Jesus e pela conversão dos pecadores (a reorientação do conjunto da existência real, a partir do amor de Deus e do bem dos irmãos) que irá dispondo as três crianças a oferecerem e a oferecerem-se no preço desta mediação. Elas próprias, inteiras, corpo e alma, serão lugar de mediação. Por amor, reconhecem-se vitalmente ligadas à sorte dos pecadores, assumem-na como sua, oferecem-se pela mudança do seu curso (vêm à memória os gestos e as palavras do bom samaritano, narrados em Lc 10,25-37). Os gestos tornarão real o amor. A palavra explicitará o sentido. Assim estendem uma ponte – estendem-se, elas próprias, como ponte – entre Deus que não deixa de amar e aqueles que não se deixam amar e não amam. E não creem, não adoram, não esperam.
O espaço dramático da inimizade entre a graça-que-salva e o pecado-que-mata é habitado pela intercessão humilde do amor que deseja a vida para quem a perdera e, assim, quer consolar o coração de Deus, ferido de amor. Como força e forma da mediação, o amor desenhará cada gesto de entrega que a palavra «é por vosso amor» reafirmará.
por José Frazão Correia