As virtudes dos Pastorinhos

«Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração» (Jer 3,15)

A vida dos pequenos pastores não mais deixou de ser ritmada pelo coração de Deus. O fiat dado à Senhora mais brilhante que o sol foi sendo permanentemente renovado pelo desejo inocente da Lúcia, do Francisco e da Jacinta de atualizarem, nas suas vidas, o enamoramento de Deus. A presença de Deus torna-se, para as crianças, terreno sagrado e, como Moisés, descalço diante da sarça-ardente (Ex 3,2-12), a sua intimidade é convertida numa prostração na presença daquela luz interior, que é Deus, que arde sem queimar. É este o segredo inefável que os dinamiza. Essa Sarça Sagrada que lhes arde no peito, desperta-os, tal como outrora a Moisés, para a missão de cuidar dos que vivem na escravidão do pecado e da ingratidão. E assim, diante de todos os outros, são presença da luz de Deus e, diante de Deus, são mediadores em favor de todos os outros. As suas vidas tornam-se numa oferta constante de tudo o que são e fazem – por insignificante que seja – por amor a Deus e aos pecadores.

As vidas do Francisco, da Jacinta e da Lúcia assumem essa vocação inseparavelmente contemplativa, compassiva e anunciadora. Mas cada uma das crianças assumirá com maior relevo a especificidade do seu chamamento.

O Francisco, movido pelo seu olhar interior sensível à luz do Espírito, sente o apelo à adoração e à contemplação. Refugiava-se atrás de um rochedo ou em cima do monte para rezar sozinho. Outras vezes ainda, ficava longas horas na igreja paroquial, na intimidade do silêncio, para fazer companhia a Jesus escondido. Ali ficava a rezar e a pensar em Deus, absorto na contemplação do mistério insondável daquele que vem ao encontro do homem. O Francisco, e apenas ele, com o olhar do seu coração, encontra a tristeza de Deus face aos sofrimentos do mundo, sofre com ela e deseja consolá-lo (M 145). O pequeno pastor que não ouvira o Anjo e a Senhora, apenas os vira, é o mais contemplativo dos três pastores. Como que se salienta, na vida desta criança, que a contemplação brota da escuta atenta do silêncio que fala de Deus, do silêncio em que Deus fala. A atitude contemplativa do Francisco é a de se deixar habitar pela indizível presença de Deus – «Eu sentia que Deus estava em mim, mas não sabia como era!» (M 140) – e é essa presença que se há de transfigurar em acolhimento orante do outro. No Francisco descobre-se uma vida de contemplação.

A pequena Jacinta traduz a alegria, a pureza e a generosidade da fé, acolhida como oferta do coração de Deus e transformada, nas insignificâncias da sua vida simples de menina, em dom agradável ao coração de Deus (Rm 12,1) em favor da humanidade. A força com que a luz divina irrompeu na sua vida de criança arrebata-a definitivamente com um dinamismo novo que a faz desejar ardentemente partilhar a sua alegria. A pureza do seu coração alegre há de aspirar a que todos possam saborear, agradecidos e puros, a presença e a alegria do coração de Deus. Essa ânsia de partilhar o amor ardente que sentia pelos corações de Jesus e de Maria fazia-a crescer no seu cuidado pelos pecadores. Todos os pequenos detalhes do seu dia de pastorícia, todos os incômodos dos questionários sem fim a que era sujeita, todas as contrariedades da sua doença eram motivo de oferta a Deus pela conversão dos pecadores. Outras vezes, partilhava com os pobres a sua merenda, oferecendo o seu jejum em sacrifício, como sinal do dom da sua vida toda por amor de Deus e da humanidade. Este rezar e sofrer por amor «era o seu ideal, era no que falava» (M 61). Esta era a sua alegria, a de viver mergulhada no amor de Cristo sofredor, ao jeito de São Paulo: «alegro-me nos sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, pelo seu Corpo, que é a Igreja» (Cl 1,24). O lume que trazia no peito irradiava e não deixaria de se expandir enquanto não contagiasse, pela dinâmica teologal da oração e do sacrifício, todos os homens e mulheres, particularmente os homens ingratos, isto é, todos os que não se acolhem na Graça. A vocação da Jacinta é a compaixão.

Lúcia acolhe a missão de evangelizar, de dar a conhecer a boa-nova da misericórdia de Deus, respondendo ao desejo do Deus da misericórdia de que o mundo se consagre ao Coração Imaculado de Maria (M 175). Cedo, Lúcia compreende que no centro desta devoção ao Imaculado Coração está a força transformadora da misericórdia de Deus. E aí descobre a sua vocação de memorial da «grandeza das Divinas Misericórdias» (M 190). Ao jeito de Israel, chamado a ser a luz das nações (Is 49,6), a vida de Lúcia converte-se em testemunho vivo dos desígnios de misericórdia que Deus tem para com a humanidade. Da sua vida humilde de pastora à clausura da sua consagração religiosa, Lúcia é a testemunha que se apaga para que brilhe incessantemente a luz do Segredo do Deus da Misericórdia, já definitivamente revelado pelo Filho e recordado em Fátima. Nela se entrevê a testemunha fiel de um dom acolhido e oferecido ao mundo.

(Fonte; https://www.fatima.pt )