Como interpretar as aparições de Maria?

Tentaremos brevemente uma hipótese se interpretação das aparições a partir da Bíblia. Descobrimos como as descrições dadas pelos videntes, por exemplo de Fátima, se situam na mesma linha daquelas que se encontram no Antigo Testamento e das quais temos a considerar alguns pontos a propósito do que dissemos sobre as do Ressuscitado.
Vemos como as aparições marianas nos são descritas com todo um conjunto de esquemas literários (formas de escrever e apresentar ideias ou fatos) pelos quais se tenta uma aproximação de expressão de algo vivido. Vejamos alguns paralelos ou semelhanças entre as narrações de Fátima e as manifestações de Deus no Antigo Testamento:


1. O homem bíblico tem consciência de que não poderá ver a Deus, sem morrer, tal o abismo que separa o pecado do homem e a santidade de Deus. Para que Deus se comunique ao homem, servir-se-á de sinais sensíveis: vento, ruídos, luz… Deus não tem figura nem rosto. A sua presença é manifestada pelo brilho da sua glória estampado, seja na figura da sarça ardente, na nuvem ou no trovão… Em Fátima, o Anjo e a Senhora fazem-se preceder de um trovão de Luz. A Senhora é rodeada de uma nuvem alvíssima. Lúcia diz que era mais bela que o Sol. Ao fim, a Senhora parece que não aparece, mas faz-se aparecer a seres humanos. Se ela ali estivesse, com uma presença física-corporal, de modo concretíssimo (“de carne e osso”), as descrições de Lúcia poderiam ser mais precisas e pormenorizadas. Ora Lúcia descreve mais uma manifestação do que uma realidade totalmente material. Do Anjo, ela diz
“não sei o que parecia… não lhe conhecia olhos nem mãos”. E os três videntes apercebem-se da mesma maneira da presença de algo sobrenatural mas só Lúcia e Jacinta é que vêem e só Lúcia é que fala… Lembremos o exemplo da conversão de S. Paulo, a caminho de Damasco: “aqueles que o acompanhavam estavam espantados, ouvindo a sua voz mas não vendo ninguém”

2. O segredo é também um elemento quase constante nas manifestações do sobrenatural. Também em Fátima. É a atitude normal depois de um acontecimento “estranho”. Maria guardou tudo em seu coração e guardou segredo depois da Anunciação…

3. Também o ambiente, as circunstâncias que rodeiam o acontecimento, são uma constante (que encontramos na Bíblia e em Fátima, como em todas as aparições) importante para sabermos avaliar o significado e alcance do que se diz e acontece. Em cada página da Bíblia notamos como Deus se adapta, no modo como conduz o seu povo, ao meio ambiente cultural, social e vital em que decorre determinado acontecimento. Em Fátima, o Anjo dá a comunhão utilizando uma oração então usada: “corpo, sangue, alma e divindade”… Aparece ainda a expressão “alminhas do purgatório“, característica daquela época. É claro que a pessoa vê e percebe as coisas conforme os esquemas que tem na memória. Deus não violenta as reais capacidades e a personalidade de cada uma das suas criaturas. Resulta evidente que Lúcia não poderia ter visto o Inferno senão segundo a representação mental que lhe tinham oferecido… Querer partir daí para tirar conclusões doutrinais sobre o Inferno ou o Purgatório… convenhamos que se trata de um abuso e de uma desonestidade inteletual! Mesmo aí, as representações simbólicas não são muito diversas daquelas que nos oferece a Escritura e, de modo especial, o seu último livro do Apocalipse.

Em conclusão: da comparação entre as manifestações sobrenaturais na Bíblia e as do tempo de hoje, queríamos perceber que se é verdade que a Revelação escrita se completou há já quase dois mil anos, não acabou a ação profética de Deus através da Igreja e dos homens. As mariofanias (aparições de Maria) e a sua mensagem devem ser estudadas e integradas à luz desta riqueza profética do Povo de Deus. Seria disparate investigar as aparições a procura de uma confirmação de verdades. Estas devem ser vistas na perspectiva da salvação atualizada para o “hoje” dos nossos dias. Os castigos e as predições anunciados (como acontecia com os profetas) não devem fazer temer a ninguém, mas aparecem como “crítica”, à realidade do mundo de cada tempo.

 Pe Amaro Gonçalo