Caros irmãos e irmãs, sou o Cardeal Andrew Yeom, de Seul, na Coreia do Sul. É para mim um grande prazer saudar-vos aqui em Fátima. A minha saudação em coreano, “찬미예수님”– que significa “louvemos Jesus” –, é a saudação que se usava nos primeiros tempos do Cristianismo na Coreia.
Gostaria de exprimir a minha gratidão a Sua Eminência o Cardeal António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, ao Reverendo Reitor do Santuário de Fátima e à sua equipa pelo convite que me foi dirigido e pelo caloroso acolhimento.
A primeira leitura recorda-nos que Deus está com o seu povo através das Escrituras – por vezes numa nuvem, outras vezes no fogo, no Monte Sinai ou no Templo no Tabernáculo. Mas o nosso maior dom é a presença de Deus no Emanuel, “o Deus connosco”. A presença ou a habitação do Espírito tem sido o nosso dom ao longo da história do Oriente e do Ocidente.
Cada geração tem celebrado a presença de Deus refletindo a sua própria história de salvação. Hoje ouvimos ler sobre Salomão e a Arca da Aliança. Salomão retira a Arca do Tabernáculo e trá-la para o recém-construído templo. O templo congrega novamente a comunidade após anos de dispersão. Salomão coloca a Arca no interior do santuário, o verdadeiro centro da comunidade. Os fiéis reúnem-se aqui em nome do santo dos santos, debaixo das asas dos querubins, esculpidos em madeira de oliveira e cobertos de ouro. No momento em que a Arca regressa, depois de anos de errância, uma nuvem enche o templo e a glória do Senhor habita-o.
No capítulo oitavo do Livro dos Reis, Salomão reconhece que esta “casa” não pode conter a Deus. Pelo contrário, ele fala da morada de Deus no Céu. É aqui que Deus ouve as nossas orações. Aqui Deus mostra misericórdia para com os seus fiéis (1 Re, 8, 30-49).
O templo, lugar de adoração, o centro da comunidade, ancorou Israel durante séculos. Mas Deus permanece com o seu povo durante os julgamentos, o exílio, a perda do seu espaço sagrado; Ele permanece a base da sua fé e identidade. A fé, a missão como povo de Deus, continua, não obstante a tragédia da destruição do templo e do exílio da comunidade. O templo foi, durante muitos séculos, central para o culto de Israel, mas não é essencial. Deus permanece connosco.
Deus está presente para o seu povo. Deus ouve as nossas orações, presenteia-nos com misericórdia. De facto, o Evangelho avança na história para a vida de Cristo, mas com a mesma mensagem. O templo, o nosso local de culto, é um sinal efetivo da presença de Deus. Vamos com reverência, vamos com humildade até Nosso Senhor neste espaço sagrado. A história do próprio templo recorda-nos a misericórdia e a companhia de Deus, mas também a nossa própria jornada de fé através do tempo. A leitura lembra-nos a jornada de fé plena de graça dos nossos ancestrais. O Evangelho apela a que agradeçamos a misericórdia de Deus que nos une a esta tradição de fé como ramos de oliveira enxertados na raiz de Israel (Rom 11, 11-24).
A jornada de fé de Israel e a presença permanente de Deus, apesar das lutas para sustentar uma comunidade, dão-nos esperança nas nossas próprias histórias recentes. Hoje, ao celebrarmos a Solenidade do Aniversário da Dedicação da Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, gostaria de partilhar convosco um pouco da nossa jornada de fé na Coreia.
O início do século XX foi um período de provação para a nossa nação e a nossa comunidade de fé. A combinação do colonialismo japonês e dos comunismos vizinhos da Rússia e da China marcou a entrada da Coreia numa era turbulenta de dominação estrangeira. Logo após a libertação colonial em 1945, a nação viu-se dividida: Norte versus Sul, comunista versus capitalista. Cinco anos depois, a guerra devastou a península por três longos anos, causando morte, destruição e a divisão de muitas famílias. Infelizmente, a guerra trouxe uma divisão ainda mais profunda e hostilidade mútua entre o Norte e o Sul. Passadas sete décadas, desde 1950, a nação continua dividida e a reconciliação permanece inalcançável.
O que significaram a guerra e a divisão para a Igreja coreana? Antes da guerra, existiam mais de 50 paróquias e 50 mil fiéis na Coreia do Norte. Quando as hostilidades começaram, padres e religiosos foram sequestrados, expulsos ou deixados entregues à morte certa. Não há padres ou religiosos na Coreia do Norte há mais de 70 anos.
Sou Arcebispo de Seul, capital da Coreia do Sul, e sou também Administrador Apostólico de Pyong-yang, Capital da Coreia do Norte. Todavia, nunca fui autorizado a visitar a Coreia do Norte.
Como sabeis, a nossa Santa Mãe, Maria, apareceu aqui em Fátima e pediu-nos para rezarmos pela conversão dos ateus e pela paz no mundo.
Acredito que Nossa Senhora de Fátima, que apareceu há 100 anos, nos instaria hoje a trabalharmos e a orarmos pela paz neste nosso século. Peço as vossas orações pela paz e pela reconciliação na Península Coreana, pelos vossos irmãos e irmãs na fé, geograficamente distantes, mas unidos pela presença de Deus. Orai connosco pelo fim dos conflitos e das divisões na península.
Imaginai, por um momento, Maria nas bodas de Caná. Ela viu pessoas necessitadas e pediu ajuda a Jesus, seu filho. Ela representa para nós a grande medianeira, apoiando a nossa jornada de fé até ao Senhor. Além disso, a nossa Santa Mãe não está apenas a orar por nós, mas está também a ensinar-nos: «Fazei tudo o que ele vos disser» (Jo 2, 5). As palavras de Santa Maria chegam-nos como um convite para sermos «abertos na presença de Deus», tal como os israelitas que celebraram a reconstrução do templo.
De Maria, a Mãe de Cristo em Caná, a Maria, em Fátima, continuamos a ser agraciados com o papel de Maria nas nossas jornadas de fé. Por meio de Maria, aprendemos o Mistério do Céu encarnado. Pela intercessão de Maria, aproximamonos cada vez mais da salvação através de Jesus Cristo. Hoje, agradecemos à nossa Santa Mãe e rezamos para que ela cuide daqueles que sofrem a divisão. Que Maria de Fátima nos leve a conhecer o Senhor, convidando-nos para os Mistérios da Salvação.
Em união com todos os peregrinos, peço a graça e a misericórdia de Nosso Senhor. Juntos neste recinto sagrado de Nossa Senhora de Fátima, peço a todos que rezeis pela paz na Península Coreana e em todo o mundo. Como pede o nosso Santo Padre, o Papa Francisco, rezemos pelos políticos e pelos legisladores, rezemos também para que os nossos políticos trabalhem mais estreitamente além fronteiras na construção da paz.
Cardeal Andrew Yeom Soo-jung, Arcebispo de Seul