O exemplo de Paulo apóstolo e os pastores infieis (S. Catarina de Sena)

A verdadeira sede pela salvação das almas

De fato, pai, os servos de Deus como que se esquecem da própria vida. Não pensam em si mesmos. Desejam sofrimentos, dificuldades, torturas, injúrias. Desprezam as dificuldades do mundo. A maior cruz e a maior dor, para eles, é ver Deus ofendido e as almas que se condenam. Por isso, deixam no esquecimento as preocupações pessoais. Não evitam as dificuldades, até as procuram e alegram-se com elas. Pensam no apóstolo Paulo, que se gloriava nos sofrimentos por amor a Cristo crucificado (Rm. 5, 3). Pois bem, quero que vós os imiteis.

Triste situação na hierarquia

Ai de mim, ai de mim! Como é infeliz a minha alma! Olhai e vede a realidade que caiu sobre o mundo, especialmente sobre a hierarquia da Igreja. Ai de mim! Explodem nossos corações e nossas almas ao perceber tanta ofensa feita a Deus. Vede, pai, o lobo infernal leva consigo pessoas que vivem na hierarquia da santa Igreja, e ninguém procura libertá-las. Dormem os pastores, cuidando de si mesmos na ganância e na impureza. Dormem ébrios de orgulho, sem notar que o lobo infernal, o diabo, lhes retira a graça, bem como aos seus súditos. Dessas coisas, pouco se preocupam. Tudo lhes serve de ocasião para a maldade e o egoísmo. Como é prejudicial o egoísmo nos prelados e nos súditos! Nos prelados, porque não corrigem os defeitos dos súditos. De fato, quem vive no egoísmo ama a si mesmo e nada corrige nos outros. Mas quem ama a si mesmo em Deus, foge do amor interesseiro, denuncia corajosamente os defeitos nos súditos, nunca se cala ou finge não ver.

Maldito o pastor

De semelhante amor desejo vos ver livre, querido pai. Rogo-vos não vos comporteis assim, a fim de que, não se aplique a vós aquela dura palavra divina: “Maldito sejas, porque te calaste”. Ai de mim! Calar, jamais! Gritai em cem mil línguas! Vejo que, por ter alguém calado, o mundo se arruinou e a santa Igreja encontra-se sem cor, sem sangue nas veias. Quero dizer: sem o sangue de Cristo, derramado por nós gratuitamente, sem mérito algum nosso. Devido ao orgulho, os pastores roubam a Deus a honra, atribuindo-a a si mesmos. Rouba-se por simonia com a venda de dons espirituais, a nós concedidos gratuitamente pelos méritos do sangue de Cristo. Ai de mim, morro e não consigo morrer! Não durmais por negligência. Aproveitai o tempo presente quanto possível. Outros tempos virão, acredito, em que podereis fazer outras coisas. Convido-vos ao tempo atual. Afastai da alma todo egoísmo, revesti-a com a sede de almas e com verdadeiras virtudes, para a glória divina e a salvação das almas. Fortalecei-vos no amor de Cristo. Logo veremos aparecer as flores. Esforçai-vos para que logo se erga o estandarte da Cruzada. [3] Que o vosso coração não se esfrie diante de nenhuma dificuldade emergente. Fortalecei-vos pensando que Jesus crucificado realizará os inflamados desejos dos seus servidores.

Nada mais digo. Permanecei no santo e doce amor de Deus. Afogai-vos no sangue de Cristo, pregai-vos na cruz com ele, banhai-vos no seu sangue. Pai, perdoai minha presunção. Jesus doce, Jesus amor.

(Fonte: Santa Catarina de Sena. Cartas Completas. São Paulo: Paulus, 2005. Ps. 54-57)

S. Catarina de Sena.