A COMUNHÃO DOS SANTOS E... DOS PECADORES

O ser humano foi criado para ser “solidário”, não “solitário”

Quando Deus criou o homem e a mulher, disse: “Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo nossa semelhança… Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher ele os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a!” (Gênesis 1,26-28).

O homem e a mulher obedeceram: multiplicaram-se.

Segundo alguns cálculos, sobre o planeta Terra teriam vivido até hoje cerca de 70 bilhões de seres humanos.

O que houve – e o que há – de comum entre todos eles?

– Todos provêm do mesmo Criador.

– Todos trazem em si a imagem de Deus e a semelhança com Ele.

– Todos possuem a mesma natureza humana.

– Todos são dotados das mesmas faculdades: inteligência, vontade, liberdade…

Os seres humanos, porém, não foram criados “isolados” um do outro, cada qual entregue à própria sorte: foram criados como “humanidade”, como “comunidade”, todos ligados entre si.

Não podia ser diversamente: de fato, como um ser humano poderia tomar consciência de si mesmo, caso não pudesse confrontar-se com outro ser humano e perceber entre ambos uma identidade comum?

Essa tomada de consciência também lhes revelou que seu destino era “comum”, que havia uma espécie de “comunhão” entre todos: essa comunhão é o avesso de todo egoísmo.

A Bíblia traduz essa realidade dizendo: “O Senhor Deus disse: Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer-lhe uma auxiliar que lhe corresponda… O Senhor Deus formou a mulher e apresentou-a ao homem. E o homem exclamou: Desta vez sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada ‘humana’ porque do homem foi tirada. Por isso deixará o homem o pai e a mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne”. (Gênesis 2,18.22-24).

Você vê, portanto, que o ser humano foi criado para ser “solidário”.

A solidariedade é a dimensão que faz com que o homem e a mulher sejam verdadeiramente “humanos”.

Ela é o sentido mais próprio do ser humano: todos serem uns pelos outros.

Sempre que um ser humano dá alguma coisa de si mesmo a outro, longe de se empobrecer, enriquece-se com os valores da doação, da comunhão, da solidariedade, ou seja, ele se torna mais humano.

Esta é a lei fundamental de todos nós: somos relativos, não absolutos.

Isto vale com relação a Deus, aos outros e a nós mesmos.

Você pergunta: em que sentido o ser humano é solidário com Deus?

A Bíblia ensina esta realidade contando a história do jardim terrestre.

Nele, o homem e a mulher viviam em plena harmonia consigo, com a criação e com o Criador.

De fato, acima e além do destino tipicamente humano, a comunhão de vida com o Criador era o destino mais profundo e definitivo dos seres humanos.

A Igreja exprime esta verdade dizendo que o homem e a mulher foram criados “na graça de Deus”, participantes da vida divina.

Caso não interviesse nenhum obstáculo, essa seria a realidade do ser humano em todos os tempos e lugares, para sempre.

Infelizmente não foi assim. Você conhece a história do primeiro pecado. O pecado foi – e sempre é – o avesso da solidariedade. É o rompimento da comunhão, a tentativa de isolar-se no “chiqueirinho” do egoísmo. Dominado pelo egoísmo, o ser humano cometeu desmandos. E foi em meio a seus desmandos que ele se multiplicou sobre a terra. E sobre a terra, como um rio de veneno que extravasa, tudo inundando, o pecado atingiu a todos, a todos contaminando.

De repente, o homem e a mulher viram-se despidos da comunhão com Deus (estavam nus), entraram em conflito com seus semelhantes (Caim mata Abel), sentiram o coração dividido. Não havia mais paz.

Entrando na contramão do plano do Criador, o acidente foi fatal. Apesar disso, o pecado não anulou completamente a comunhão humana, o substrato permaneceu e foi nele que Jesus plantou a sua cruz.

O sangue do Senhor lavou o mundo de seu pecado, rompeu as cadeias da solidariedade no mal (a “comunhão dos pecadores”), recriou a solidariedade no bem, reatou a corrente da “comunhão dos santos”.

Dessa forma, pela cruz de Jesus, o final da história foi – e será – mais feliz que seu início, pois, como ensina São Paulo, “onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Romanos 5,20).

O apóstolo explica esse grande mistério: “Pela desobediência de um só homem, a humanidade toda se tornou pecadora, assim também, pela obediência de um só, todos se tornarão justos” (Romanos 5,18).

Como você percebe, trata-se realmente de um desígnio misterioso de Deus.

Há pessoas que se admiram e até protestam: como pode ser que por causa do pecado de um só homem – Adão – todos são contaminados?

Ora, essas pessoas também deveriam admirar-se e perguntar: como pode ser que por causa da morte de um só homem – Jesus, Filho de Deus – todos são salvos?

Sem desfazer completamente o mistério, isto foi possível porque o substrato da solidariedade é o constitutivo do ser humano.

Ela é a estrada pela qual veio a nós tanto o pecado quanto a vida divina.

Na Profissão de Fé dizemos: “Creio na comunhão dos santos”; temos também que reconhecer a existência da “comunhão dos pecadores”.

Sim, porque estamos todos interligados.

São Paulo ensina: “Nós, embora muitos, somos em Cristo um só corpo e, cada um de nós, membros uns dos outros” (Romanos 12,5).

Dessa forma, o bem de um é o bem de todos, e o mal de um é o mal de todos, assim como no corpo humano a saúde é o bem de todos os membros e a doença é, por sua vez, o mal de todos os membros.

Somos feitos dessa forma e o nosso destino definitivo será a vida eterna, uma grande, feliz e alegre comunhão.

O inferno será o avesso: lá não haverá comunhão; pelo contrário, um rejeitará o outro e todos rejeitarão a Deus: esse será o “fogo” que há de devorar o ser humano.

De fato, o ser humano foi feito para contemplar a face do irmão, e todos – juntos – contemplarem a face de Deus.

Não sem razão Jesus deixou para a Igreja como lei fundamental o amor fraterno.

É criando comunhão com os outros que se intensifica a comunhão com Deus, pois Deus nos criou para sermos comunhão de vida neste mundo e no outro.

Somos imagem de Deus e feitos à sua semelhança, não unicamente porque temos inteligência, vontade e liberdade, mas, em particular, porque somos destinados a reproduzir, na comunhão humana – mais ainda na comunhão eclesial -, a comunhão da Santíssima Trindade.

Este é o sentido profundo da família, da sociedade, especialmente da Igreja.

Negando a solidariedade que está inscrita na profundidade do ser humano, estamos destruindo a nossa semelhança com Deus.

Não participando da comunhão com os irmãos, isto é, da “comunhão dos santos”, fatalmente entramos para a “comunhão dos pecadores”.

Foi “por isso” e “para isso” que Jesus morreu na cruz: Ele foi crucificado pelos pecadores e para congregar na unidade os filhos de Deus dispersos (cf. João 11,52), ou seja, para recriar a comunhão dos santos destruída pelo pecado.

Antes de enfrentar a morte, Jesus orou a seu Pai precisamente para que os seus discípulos/as vivam a mesma unidade que é vivida pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo na comunhão trinitária (cf. João 17).

Perceba, então, como o bem e o mal que você pratica têm sempre uma dimensão solidária, comunitária.

Sim, lembre-se: seu pecado ofende a todos, e seu amor abraça a todos.

Ofendendo a todos ou amando a todos é que você ofende a Deus ou ama a Deus.

Assim, pois, procure nunca se afastar da “comunhão dos santos” e rejeite com decisão a “comunhão dos pecadores.

Dom Hilário Moser