No íntimo do coração humano há uma necessidade, muitas vezes inconsciente, da bênção profícua de Deus. Tal bênção é sinônima de cuidado, de amparo, de arrimo, de guarida, de acolhida e se traduz na proteção da família, dos bens materiais, dos empreendimentos, e todas as demais esferas que compõem a vida da pessoa em questão.Diante do anseio pela proteção Divina está também a imagem que fazemos de Deus. Da forma como concebemos o Sagrado, assim também será o nosso sentimento de proteção física e espiritual. Neste sentido, precisamos nos remeter à imagem de Deus apresentada por Jesus de Nazaré, no intuito de purificar a gênese da palavra ‘proteção’.
É na Revelação Cristã e naquele Deus que se apresentou à história que encontramos o sentido genuíno do ‘ser protegido’, a partir do Pai com: “amor sem reservas, que não quer nem permite o mal, mas suporta-o conosco nos limites da história; que só pensa em nosso bem e em nossa salvação” (Andrés Torres Queiruga). Um Deus “que interpela, incomoda e desafia. Não responde, pergunta. Não soluciona, põe em conflito. Não facilita, dificulta. Não explica, complica. Não gera meninos, faz adultos” (Inácio Larrañaga). Não estamos defrontes a um Deus que fundamenta a sua ação no ‘vigiar’ ou no ‘punir’. Um Deus que nos observa à distância, que nos olha pela fechadura, que nos segue pelos corredores e que nos policia pelo medo não é digno de fé e não tem nada a ver com a Tradição Cristã e com o Magistério da Igreja.
Na proteção está a consolidação de uma convivência entre duas pessoas que se amam. É a relação de um “Eu” e de um “Tu” Eterno, isto é, nós e Deus. Ao mesmo tempo, está o diálogo fecundo em meio a um significado e um significante – o que significamos para o Pai Eterno e o que o Pai Eterno significa para nós. Justamente por isso, que buscar a proteção física e espiritual é procurar o sentido absoluto da fé, é rememorar a força da história, é visualizar um mundo possível, é comunicar-se com outra Realidade que está presente no mundo, mas se difere dele.
Desejar proteção não é o mesmo que atribuir um poder sobrenatural e se prestar culto à longa distância a Deus; não é necessitar de provas e evidências na oração; não é operar com mitos, na condição de uma solução imaginária que justifica o sofrimento na realidade; não é reduzir a proteção às categorias individualistas e intimistas dos fatos.
A proteção Divina é um sacramental da ação de Deus no mundo, em Jesus. E aqui surgem alguns questionamentos: seria a vontade de sentir-se protegido uma tentativa de manipular a Deus? (perspectiva psicológica). Seria a proteção uma diminuição da nossa responsabilidade perante as situações e as transformações sociais? (perspectiva sociológica). Seria a proteção a garantia de salvação defronte um Deus imutável ou impessoal? (perspectiva filosófica). Seria a proteção confundida com magia ou alienação? (perspectiva espiritual). E a resposta dever ser um claro e audível: NÃO!
Quando procuramos a proteção nos deixamos conquistar por Deus e não queremos conquistá-lo imediatamente. Devemos nos deixar proteger e não almejar protegê-lo, “devemos nos deixar convencer e não querer convencê-lo. Não pedir-lhe, mas deixa-nos pedir” (Queiruga). Em hipótese alguma a proteção pode ser utilizada para ‘mover as mãos de Deus’ ou ‘acordá-lo para que Ele faça alguma coisa’. Deus já está agindo no mundo e a história é testemunha disso.
A proteção “está sempre apenas onde a pomos” e “nunca a pomos onde nós estamos” (Vicente de Carvalho). Desta forma, a proteção vai se tornando “a capacidade para darmos um sentido novo ao que parecia fatalidade, transformando a situação numa realidade nova, criada por nossa ação” (Marilena Chauí). Ela é a força transformadora, que torna real o que era somente possibilidade. Se torna realidade porque Deus agiu em nós.
Muitas vezes, impedimos a concretude da nossa proteção, pois estamos organizados, educados e programados de modo a nos tolirnos e a não confiarmos em Deus. Protegidos, nos permitimos envolver pelo Sagrado! Nossa vida ganha um sopro de esperança e uma marca de qualidade. Porque somos protegidos, cuidados e amados por Deus é que protegemos, cuidamos e amamos o mundo, as pessoas, a Igreja e a sociedade como um todo. Permitamo-nos ficar sob a proteção do Sagrado para que a história não se esqueça da ação de Deus!
Pe. Robson de Oliveira Pereira, C.Ss.R.
Missionário Redentorista, Reitor da Basílica de Trindade e Mestre em Teologia Moral pela Universidade do Vaticano.