Entre as anedotas sobre a vida dos santos sempre tem algumas bem amenas. É o caso da vida de São João Bosco, fundador dos Salesianos e grande educador da juventude.
Em suas Memórias Biográficas se lê, em um dia de 1862, que dois homens foram ter com ele e lhe pediram os números certos para jogar na loteria. Estavam convencidos de que o Santo lhes daria os números da sorte grande. Dom Bosco, com muitos argumentos, tentou convencê-los a desistir do jogo, mas os dois não saíam do seu pé. Queriam porque queriam os números vencedores. Finalmente, o Santo disse para jogarem os números: 5, 10 e 14. Os dois, satisfeitos, estavam para ir embora, quando Dom Bosco exigiu que escutassem sua explicação.
– Não precisamos de nenhuma explicação – disseram. Mas o Santo respondeu que sem explicação não iriam acertar. Os dois, então, ficaram escutando.
– Bom, disse Dom Bosco, 5 são os mandamentos da Igreja, 10 são os mandamentos de Deus e 14 são as Obras de Misericórdia Espirituais e Corporais; se jogarem esses números vocês ganharão um tesourou infinito.
Naturalmente não sabemos o resultado daquele sorteio, se os dois acertaram ou não. Dom Bosco procurou somente mostrar-lhes que para ganhar o tesouro infinito do amor de Deus não precisavam jogar na loteria, nem de sorte alguma. A única coisa necessária era obedecer à lei do próprio Deus e praticar o bem.
Ainda hoje a fila dos que apostam nas loterias é muito grande. Em tempo de crise, tentar a sorte parece uma saída. De fato, porém, pouquíssimos são beijados pelo destino. Os outros ficam esperando e imaginando. Até por ocasião dos nossos modestos bingos paroquiais tem pessoas dizendo abertamente o que irão fazer com o prêmio, no caso de ganharem. “Se eu ganhar…” – é a frase que mais se escuta.
Também a primeira pergunta que é feita ao vencedor de algum prêmio é sempre sobre o que irá fazer com tanto dinheiro. Nesse campo a nossa imaginação é imensa, vai longe. Mal fizemos a aposta, ou compramos a cartela do bingo, já começamos a pensar como investir o lucro. Já estamos decidindo o que comprar e como multiplicar o que ainda não é nosso. O grande sonho de todos, ou quase, é ficar ricos, muito ricos. Quantos palpites, emoções, promessas, decepções e mentiras experimentamos sempre insatisfeitos, sempre buscando mais. Tentando de novo no mesmo caminho.
Jesus, no Evangelho, fala de produzir muitos frutos. Numa sociedade agrícola uma boa colheita era sinal de fartura e riqueza. Poderíamos ser tentados a pensar que até Jesus prometeu e incentivou a multiplicação dos bens materiais. Poderia parecer que o estar unidos a ele, como os ramos ao tronco da videira, garantiria a sorte grande, frutos e mais frutos. É verdade, mas não no sentido das riquezas deste mundo. Jesus falava de outros frutos que, pelo visto, estamos esquecendo-nos de multiplicar.
Estamos deixando de multiplicar os frutos da bondade. Esses ficam por últimos. Somente se sobrar tempo e dinheiro. Primeiro as nossas necessidades e os nossos caprichos – em geral nunca satisfeitos – depois a caridade. Numa sociedade agrícola, talvez fosse mais fácil partilhar o arroz, a farinha, o feijão, os frutos da terra, da caça e da pesca. Hoje, a maioria vive do salário que desaparece rápido no supermercado e nas várias prestações que devem ser pagas. Será que ficou tão difícil assim a solidariedade? Pode ser.
A questão, porém, é deixar de pensar sempre em termos de dinheiro. Podemos multiplicar a amizade e a alegre convivência, visitando amigos e inimigos. Podemos nos solidarizar na luta pelos direitos nossos e dos outros. Podemos aprender a consolar quem sofre. Todos nós podemos cumprir melhor as obrigações do nosso trabalho, emprego ou mandato. Também uma boa educação, a gentileza e os bons tratos são frutos que sempre se multiplicam.
Está na hora de arriscar na loteria da vida os números de Dom Bosco. Os números do bem. Seremos todos os grandes ganhadores, porque o resto nos será dado por acréscimo.
Bispo de Macapá-AP