Que rosto eu tenho revelado aos que mais precisam?
Pensar em rosto descoberto, para muita gente, em tempos de pandemia seria um atestado de vulnerabilidade, ou até mesmo de inconsequência. Mas, se por um lado o surto do novo coronavírus nos exigiu cobrir a face com máscaras para, no mínimo, evitar o ritmo de transmissão da COVID-19, a mesma doença revela o que antes, consciente ou inconscientemente, escondíamos. Foi assim que o Papa Francisco, na benção “Urbi et Orbi”, do dia 27 de março descreveu o movimento interior que o novo coronavírus desencadeou. Em uma sexta-feira fria, escura, sob a chuva e com a Praça São Pedro fisicamente vazia declarou: “A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. […] Com a tempestade, caiu a maquiagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso “eu” sempre preocupado com a própria imagem”.
Mas calma: se a sua primeira reação foi pensar na máscara que tem caído de outras pessoas, você está caminhando erroneamente. Não é nosso objetivo aqui, neste texto, ‘avaliar’ a face que os outros têm apresentado, seja em qual for o cenário social (político, religioso, social, econômico), mas sim questionar: quais máscaras que antes cobriam a minha imagem estão caindo, forçadas pelas condições humanas que somos obrigados a conviver neste tempo? Que rosto eu tenho revelado aos que mais precisam?
A quarentena tem trazido à tona partes de icebergs dos quais só enxergávamos as pontas. Vem à luz o nosso medo da morte, as nossas incoerências racionais e sentimentais, as nossas ansiedades mais profundas, as nossas prioridades mal articuladas; assim também como a força da caridade, a coragem de abnegar-se em favor de quem precisa, a gentileza que gera a gentileza. Luzes e sombras emergem, inevitavelmente; para essa realidade não existem medidas preventivas de exposição: a vida fala na sinceridade de nossos atos.
Com o movimento de distanciamento social, agrade-nos ou não, somos obrigados a conviver com verdades interiores que, em primeiro momento, podem até doer, mas que tem poder de nos salvar das ilusões, dos “estereótipos”, como ensinou Francisco, que fomos criando ao longo da nossa vida. Reconhecer nossas fragilidades e vulnerabilidades é o primeiro passo. E muito se engana quem pensa que pode escondê-las atrás de uma máscara, seja cirúrgica, de pano ou de ideias. Aproveitando a frase repetida várias vezes pelo papa naquela sexta-feira, em alusão ao Evangelho: “Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?”. Não tenha medo! Nossa fraqueza revelada é o primeiro passo para chegarmos ao próximo nível: deixar Deus ser Deus e tratar em nós o que precisa ser curado, como pacientes em enfermarias espirituais, que invadidos pelo sopro do espírito são salvos de si mesmos.
São João Paulo II nos ensinou que o Cristo revela o homem quem ele é. Poderíamos, ousadamente dizer, revela-nos quem nós somos para sermos transfigurados por quem Ele, Jesus Cristo, é. Apenas a força do Evangelho de um Deus ressuscitado (sim! Não se esqueça: é Páscoa! Ele ressuscitou!) efetuará a salvação das misérias interiores que máscara alguma poderá esconder.
O Evangelho nos diz que a árvore se conhece pelo fruto (cf. L 6,44); o cristão se revela pelo rosto que apresenta. A cada dia, ao fim de cada dia, preciso me questionar: diante das tempestades de hoje, quando as minhas ‘máscaras’ não resistiram, qual face revelei ao mundo? O rosto de alguém desesperado, imerso em próprios medos? O rosto de violência dos homens e suas ideologias? Ou o rosto do Cristo vivo e do seu Evangelho?
Peçamos ao bom Deus, rico em misericórdia, que Ele nos revele – a todos nós, cujo primeiro nome é deste que escreve este texto – nossas fragilidades, sem medo do que isso traz, porque sabemos que Ele sabe, assim como o fará com tudo que estamos vivendo, convergir todas as coisas para o bom termo, reservado aqueles dispostos a serem transfigurados pelo poder de sua glória!
George Facundo
Missionário Comunidade Canção Nova