Francesa vive há 41 anos na Palestina cuidando de crianças

Marylene ShultzMaryléne Schultz chegou à Palestina há 41 anos, como voluntária, a convite de uma amiga suíça e nunca mais voltou à França, seu país natal. Na época, ela tinha 36 anos e estava um tanto desiludida no trabalho. Então, resolveu pedir demissão e viajar mais de três mil quilômetros para cuidar de crianças órfãs numa nova terra.

A Instituição chama-se “The Four Homes of Mercy”, pois é separada em 4 casas – duas para meninos e meninas, e outras duas para crianças “handicapped” ou excepcionais, atualmente administrada pela filha da fundadora, uma cristã ortodoxa palestina. A instituição foi criada na década de 40 – época da criação do Estado de Israel – quando um casal de crianças foi dado à fundadora por uma vizinha viúva que, logo depois, morreu de câncer. Rapidamente, vieram outros menores e assim nasceu esta obra de misericórdia que se sustenta da Divina Providência e do trabalho voluntário de árabes e europeus.

O lugar onde Jesus experimentou a restauração de suas forças por meio da amizade humana é chamado em árabe de “al-Azariye” (povo de Lázaro); esta vila, que fica em Bethânia, território palestino, é o local onde estão as casas de acolhimento da qual Maryléne cuidava. Muitas crianças, que foram deixadas na Instituição com meses de idade, ainda hoje a apresentam como mãe, pois foi ela quem cuidou e educou cada uma delas. Ao perguntar quantos filhos ela tem, Maryléne, após sorrir, responde: “Tenho filhos em vários países do mundo, também tenho 60 netos e faço, eu mesma, ‘presentinhos’ para eles, como joguinhos de palavras para que aprendam inglês”.

Maryléne nunca negou ser cristã, principalmente por causa da cultura árabe muito rígida. No entanto, educou as crianças dentro das tradições de cada uma, na maioria muçulmana. Muitas eram órfãs, mas tinham parentes nas vilas palestinas e, para se casarem, trabalharem e poderem ser aceitas novamente na comunidade, precisavam ter a mesma identidade cultural. Por isso, Maryléne, além de saber árabe, aprendeu, também, sobre as festas e tradições muçulmanas.

No período da segunda Intifada, na Palestina, um dos ‘filhos’ de Maryléne, de 14 anos, desapareceu durante uma noite que jogava futebol com alguns amigos logo na hora do toque de recolher. Por dois anos, com outras mães, ela procurou em todo o Estado de Israel por este jovem desaparecido. Contou-nos que este garoto mudou a sua vida, pois ele a levou a se comprometer, até o fim na luta, com a justiça.

Durante estes dois anos, semanalmente, Maryléne e outra mãe ergueram uma faixa pedindo paz e justiça para os jovens palestinos desaparecidos, ficando de pé uma tarde inteira diante da maior delegacia da região, silenciosamente, protestando. Agindo assim, acabou chegando o mais perto que pôde das informações que confirmaram que, realmente, seu ‘filho’ tinha sido preso e torturado, mas ela nunca soube quando e como ele morreu.

O surpreendente, nestes dias de luta, acontece no dia em que o comandante da polícia israelense, uniformizado e coberto de insígnias militares, segurou-a firme pelos braços e, olhando-a nos olhos, repetiu duas vezes: “A senhora não faz idéia de como é importante isso que está realizando, esta denúncia pacífica e silenciosa”.

Aposentada há onze anos, Maryléne não vê sentido em voltar para a França. Apesar de não ser mais a responsável pela Instituição, ela está presente para auxiliar em imprevistos que acontecem no prédio onde, aproximadamente, 90 crianças e jovens se alojam.

Moradora de uma casa bem simples e pequena, aos 77 anos, ela ainda se preocupa com as Marylene Shultzcrianças e jovens da vizinhança, por isso decidiu lhes ensinar a jogar xadrez. “Com essa atividade, as crianças não ficam pelas ruas ou vendo televisão, meios que contribuem para que elas tenham preguiça de pensar”, afirmou Maryléne.

Em nossa visita, ela nos mostrou os brinquedos e jogos que confecciona para presentear os netos. Vimos inúmeras fotos de seus filhos, netos e bisnetos que estão espalhados pelo mundo.

Para a última pergunta feita a Maryléne sobre o futuro da Instituição “The Four Homes of Mercy”, a celibatária luterana nos respondeu: “Nunca me preocupei com isso, porque o Evangelho nos ensina a não nos preocuparmos com o dia de amanhã. Foi assim que sempre vivi e não faço idéia do que vai acontecer no futuro, mas sempre faço o melhor que posso, no presente, para que o futuro das pessoas seja o melhor possível”.