O jornal El Mundo, trouxe em 19 de dezembro de 2003 uma crônica de Jane Roe, sob o titulo de “A pioneira do aborto arrependida”
Em 22 de janeiro de 1973 a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu o direito ao aborto de Jane Roe, nome fictício para proteger Norma McCorvey, uma mulher de Dallas, soltera, pobre, maltratada e que usava drogas. O Texas estava, então, entre os Estados que condenavam com até cinco anos de prisão a mulher que abortasse.
A sentença Roe contra Wade chegou tarde para que a jovem interrompesse a sua gravidez, mas o seu caso extendeu o direito do aborto a todo o país. Trinta anos depois, Norma McCorvey, que agora tem 55 anos, luta pela vida e renega todo o seu passado, se converteu ao catolicismo e criou um grupo anti-aborto, chamado “Roe nunca mais”. “Tudo mudou quando me converti ao cristianismo”, explicou Norma a CRONICA por telefone.
Por que motivo abandonou a causa que defendeu durante 20 anos?
Simplemente compreendi que não se pode tomar a vida de uma criança e matá-la, isto não é para os que creem em Deus. A primeira vez que fui à Igreja, um sábado à noite, acompanhada de duas meninas pequenas, senti que tinha de pertencer a esta comunidade e renegar tudo.
Você se arrepende de tudo o que fez em sua vida anterior?
Por sorte, eu não cheguei a abortar. Agora aconselho as mulhers desesperadas. Minha missão na vida é ajudá-las a evitar que abortem.
Você não admite o direito ao aborto em absoluto, nem mesmo em casos de estupro ou perigo para a vida da mulher?
Não há nenhuma diferenaça. De qualquer forma, continua sendo um assassinato.
Durante 17 anos McCorvey permaneceu no anonimato. Deu a seu filho em adoção e tentou seguir adiante. Para os grupos pró-aborto, ela era uma heroína; para a frente anti-aborto, o simbolo da degradação do país. Somente nos anos 80 revelou o mistério de quem era Jane Roe. Então escreveu um livro e se voltou ativamente à defesa do direito que ela havia conseguido para todas as americanas. Inclusive trabalhou em clínicas abortivas como conselheira.
Neste tempo, segundo conta agora, tentou várias vezes os suicídio e se entregou às drogas pela dor de consciência de haver sido a causa da perda de tantas vidas.
Em 1995, Norma deu um giro radical a sua vida e surpreendeu aos ativistas das duas partes. Foi batizada e se uniu a um grupo ultra cristão contra o aborto chamado Operação Resgate.
Norma entrou em contato com eles quando a Associação abriu uma delegação justo ao lado de uma clínica onde trabalhava. Uma cura mudou a sua vida, e ela decidiu renegar tudo o que havia sido em suas últimas quatro décadas.
Inclusive o seu lesbianismo. Norma tinha vivido durante 30 anos com Connie Gonzales, sua única parceira desde que as duas se converteram ao catolicismo. Continuam partilhando a vida e a profissão, mas Norma agora vê a homossexualidade como pecado. Connie controla de perto todos os movimentos de Norma, é sua sombra constante. A protege da imprensa, das críticas e do que haja falta. Filtra suas chamadas telefonicas e basicamente vive para ela. É tão radical em suas posições como Norma. “Quando passou o que passou, não havia grupos como nós que ajudaram a mulheres” explica Connie sobre Texas, um dos estados mais conservadores do país.
Segundo ela Norma caiu nas garras das advogadas pró-abortistas porque não havia médicos e nem ativistas que lhe deram apoio.Neste país, todo mundo cuida das mulheres como ela, muitos pessoas defendem a vida. Não sei como é no resto do mundo”, conclui Connie. “Sou ex-lebiana, ex-pró-abortista, ex Jane Roe”, disse Norma em um documentário. Sou uma ex de tudo, parece que quanto maior sou, mais ex me volto”.
Como justificação a seus anos de ativismo pró-aborto, afirma que foi manipulada por “advogadas ambiciosas” que utilizaram a uma garota desesperada para fazerem-se famosas e conseguir seus propósitos, e que depois abandonaram.
Em 1969 ela estava só, tinha deixado o Colégio e já tinha dado filhos para adoção. As advogadas Sarah Weddington e Linda Coffee, a convenceram para que denunciasse ao fiscal de Dallas, Henry Wade, e lutar pelo direito de abortar no Texas. E assim nasceu Roe contra Wade: segundo Norma, um acúmulo de mentiras. Disse a suas advogadas que a haviam violentada, com a intenção de que a Justiça fosse mais rápida em seu caso. Anos depois confessou que não era certo: sua gravidez foi fruto de “uma simples aventura”, segundo declarou em uma entrevista no 25º aniversário da sentença, em 1998.
No começo dos anos 90, começou a decepcionar-se das campanhas e da clínica; não suportava a pressão de todas as mulheres que a cercavam para lhe dar graças por haver permitido que elas pudessem abortar.
Quando começou a trabalhar com o grupo católico, toda a sua vida até o momento lhe pareceu um erro. “Caiu da bandeira de símbolo do aborto, e fui direta aos braços de Deus”, explica uma ativista católico na página web de “Roe nunca mais”. Assim Norma se converteu em porta voz de sua causa e publicou um novo livro contrário a tudo que tinha feito antes: “Won by Love” (Vencida pelo Amor).
Faz cinco anos, declarou no subcomitê constitucional dirigido por John Ashcroft, então senador e ativista anti-aborto que recolhia testemunhos para combater a decisão do Supremo Tribunal. Este é o aniversário de uma trajédia” disse o hoje fiscal geral dos Estados Unidos. “Foram perdidas 37 milhões de vidas de crianças que nunca conheceram o calor do abraço de um pai ou a força do carinho de uma mãe”.
Norma McCorvey disse rezar cada ano que passa para que não chegue o aniversário seguinte.
No portal da página web dos defensores da vida há uma imagem de um feto, acompanhada da frase: “Eu sou americano”. Patriotismo e anti-aborto em uma combinação perfeita.